quarta-feira, 29 de julho de 2020

13) - O Galo comeu!

Meus queridos Leitores das minhas “Crônicas de um Ridículo”,

Na Crônica de hoje voltarei muitos anos na História da Minha Vida, quando criança. Quinto e último filho, com a “pecha” de mais mimado - e certamente fui – era protegido pela Mãe, uma irmã e os três irmãos de qualquer ameaça, no entanto, deles vinha a maioria das brincadeiras.
“Inticar” comigo era fácil, qualquer gozação eu reagia com pedras e dentadas... Danilo me chamava de “oncinha”, virava uma fera em fração de segundo. Bastava um apelido que eu não gostasse ou não entendesse, já ficava furioso!

Tudo é passado, mas como vale o passado. Recordo nosso Poeta Mário Quintana: - “O passado não reconhece o seu lugar, está sempre presente”! Boas lembranças são como uma bela música, a gente não quer que acabe!



13) O Galo Comeu...         


Eu era criança e meus irmãos mais velhos, já haviam identificado no moleque, um gênio do cão para qualquer tipo de gozação. Um dia, não sei por que razão, disseram que um galo havia comido o meu “Gulin”. Bem, Gulin, era o nome ou apelido de infância daquele apêndice que caracteriza o macho. Este apêndice é o “indivíduo” que têm mais nomes na História da Humanidade! Em alguns livros o chamam de pênis, falo, piu-piu... Chega! Agora todos sabem quem é o Gulin!

Pois o  Flaco, amigo da Família em especial do meu irmão mais velho, o Sérgio, sempre que me via, cantava debochado uma musiquinha cuja letra dizia mais ou menos assim:

- “O galo comeu o Gulin do Fausto...”

Eu surtava, babava de raiva, xingava, atirava pedras, chorava enlouquecido... Socorri-me na mãe, que segundo ela, eu ficava branco e com lábios roxos. Um dia, em minha defesa mamãe bondosamente foi recomendá-lo:

- Flaco, por favor, não repita essa brincadeira com o guri. Ele é muito nervoso. Chora, fica muito brabo. Um dia pode até dar um “troço” nele...

Concordou com a mãe, mas não mudou, até piorou. Era um homem feito com mais de vinte anos, e quando de longe me avistava já vinha com um sorriso gosmento, maldoso, cantarolando “aquilo”!
Se minha mãe estivesse por perto, só assobiava a melodia. Como eu já conhecia a letra, surtava novamente! Pedra, tijolo, pedaço de pau, esterco o que tivesse ao alcance atirava nele enlouquecidamente. A mãe voltou a falar-lhe. Sem nenhum resultado prático. Então ela argumentou comigo, tentando me convencer da possível Paz:

- É apenas uma música, não é o que está pensando...

Era sim! Cabe lembrar agora, que nessa época, lá por 1954, a Cultura Local, estabelecia que o máximo de intimidade que um noivo possuía, com sua noiva, era o de caminhar - de dia é claro - com a mão sobre o ombro da noiva. Abraço, beijo em público, usar o banheiro na casa da noiva, nem pensar. Pois o Flaco tinha uma noiva, a Mary.

Num rasgo de criatividade salpicado com certeira maldade, bolei um plano de resposta como minha vingança letal. Quase letal. Num final de tarde, lá vinham os dois pombinhos caminhando lentamente com a brisa suave de um belo pôr-do-sol, atmosfera romântica e apaixonada que os inspirava, numa Primavera perfumada e florida! Acho que nesse dia especificamente, ele nem pensava em me atormentar. Mas o plano estava montado e eu tinha que executá-lo HOJE! Segui à risca o protocolo daquele dito popular: “Não deixe para depois o que pode fazer agora! ”

Eu estava só, me remoendo pela expectativa do resultado que poderia produzir. Quando o casal estava ha poucos metros de mim, tirei o dedo no nariz e fiquei desafiadoramente olhando-os com muita determinação! Hoje, ele será o meu prato cheio! Bem próximo, ele me olhava com um desprezível sorriso debochado e de uma antipatia colossal, se aproveitando da ocasião e minha disponibilidade, cantou:

- O galo comeu o...

 Sem vacilar, arriei as calças até as canelas e exibi o tal de Gulin:


- Comeu nada. Tá aqui ele hó! O galo comeu foi o teu Gulin né. Me mostra aí vai. Vamos me mostra. Garanto que o teu Gulin ainda é menor que o meu! Volta aqui! Olha aqui o meu Gulin Flacoooo!

Acompanhei-os meio de pernas abertas para manter as calças arriadas por muitos passos, repetindo a “chamada” diversas vezes com voz bem alta para não deixar dúvidas!

Coitado do Flaco! Acho que ele não gostou. Uma melancia madura ficaria pálida se comparada à cor de seu rosto sem sorriso, um rosto sério, olhar grave! Era um “vermelho Ferrari” de chamar atenção! Parecia "estranhamente" que queria me estrangular. Não disse uma só palavra, apenas pigarreou e mudou seu olhar para o céu! Acho que rezava!

Aliás, ficou assim por muitos e muitos anos sem olhar para baixo ou melhor, sem olhar para mim que era baixinho! Mas como disse no início, com o tempo tudo passa e creio firmemente que um dia, não tão próximo, me perdoará! Afinal, já fiz setenta anos e ele, nem sei!!!



Porto Alegre, 30 de julho de 2020.


quarta-feira, 22 de julho de 2020

12) - Tu jantou né, seu bosta!


Meus amigos leitores,

Tanto falo no Serviço Militar e seu sacrifício que já contei lembrando, que no meu caso, foi o ano que mais sofri as agruras de trabalho pesado e sacrificado, entretanto 1967 foi o ano em que mais ri em toda vida! Tinha no meu Esquadrão, o Aymoré Peixoto, que bastava seu olhar, que já provocava risos!
O que ocorre, se assemelha ao nascimento, onde o ambiente de conforto, temperatura e luminosidades perfeitas de um lugar sereno e seguro que o ventre de nossas Mães nos dá, mas que muda bruscamente ao nascemos: - A temperatura é desafiadora, desconfortos gastrointestinais e respiratórios, pois se não fizermos um berreiro, sequer respiramos!
Incorporar nas Forças Armadas é assim estressante, dolorido pois deixamos de ser a criança ou adolescente – onde quase tudo nos é permitido – para pagarmos o preço de ser homem! Em apenas um ano isso VAI ACONTECER! Trabalho pesado, rigor hierárquico até então desconhecido, enfrentamento de más condições climáticas entre outas coisas!
Logo, o dia em que se “dá baixa”, volta-se para casa com o orgulho de ter Cumprido o Dever! Que alívio! Dia de celebração pois voltamos à liberdade parcial que a vida de adulto nos impõe! 

Foto de: Simoni Marcon
12) - Tu jantou né seu bosta!

No glorioso dia em que dei baixa do Exército e voltei para casa, 08/dez/1967, em minha cidade Jaguari, se comemorava o dia da Nossa Senhora da Conceição – a Padroeira da Cidade – com a tradicional Festa da Igreja. Como em toda a quermesse, havia música, comidas típicas e outras nem tão típicas, bebidas, jogos e muita alegria!
O jogo de arremessar bolas de meias para derrubar uma pirâmide de latinhas chamou atenção do amigo Gordo, pois premiava com um garrafãozinho empalhado com um litro de vinho branco produzido na cidade.

Kolvinko, Nandinho, Gordo e eu juntamos nosso dinheiro para competir e ganhamos o tal garrafãozinho e eu e Kolvinko o bebemos imediatamente. Já sem dinheiro, não podíamos voltar a competir.
O Gordo, muito experto se postou ao lado do Alexandre, um grande vencedor daquele jogo, e por ele torcia entusiasmadamente, no entanto, com o cabo de seu guarda-chuvas enganchou e fez subir às suas mãos um dos mais de dez litros colocados no chão, que o Alexandre tinha ganho. Consolidado o furto, novamente nós dois bebemos o segundo litro da noite! Já tonto, Kolvinko faz se diz em meio jejum:

- Não jantei, vô pará de bebê prá não ficá bêbado!

- Também não jantei! Vamos parar...

Nandinho – que não bebia - se despediu. Gordo só assistia rindo da nossa cara! Mas a farra continuou pois veio a gloriosa ideia de que agora nosso pequeno grupo não tinha mais menores de idade! Só homens!
- Vamos continuar bebendo!   E Kolvinko novamente:

- Mas tô de estômago vazio. Não jantei!

Mas continuava bebendo! Era um grande parceiro, não me deixaria só. Mas estando sem dinheiro, tínhamos que encerrar. Foi a criatividade do Gordo que resolveu nossa carência de recursos financeiros, numa ideia brilhante:

- Vou encher o garrafão de água e trocar na copa por um vinho tinto e depois destroco por vinho branco!

Dito e feito. Cheio de água, recoloca a rolha e massageia a cera que protegia a tampa, para parecer virgem e foi feita a troca. Bebemos o terceiro litro. Nestas alturas os dois “maiores de idade” estão muito bêbados. Hora de o Gordo ir embora e foi.

- Como o Gordo é legal! Vai nos fazer falta!

- Por que?

- Quero levar este garrafãozinho de lembrança deste dia! Mas queria cheio para guardar!

- Podexá que eu faço!

Repetida a operação. Ao acariciar o vinho vi a marca na rolha de seu rompimento anterior! Tinha sido adulterada!

- Não acredito! Nosso garrafãozinho voltou...

O feitiço voltou contra o feiticeiro! Rimos de sentar no chão! Bom, já que voltou o garrafão com água, vou despejá-lo fora. Abri-o empurrando a rolha com a ponta do guarda-chuva como nas vezes anteriores, (saca-rolhas, coisa rara que não dispúnhamos) e ao escorrê-lo, pelo cheiro percebi o engano: - Era vinho!

- Bom, não dá mais para guardar. Vamos ter que beber só nós dois!

- Mas eu não jantei! Resmungou novamente...

- Nem eu amigo véio, vamos em frente!

E fomos em frente, ou melhor, bebemos! Aí o porre ficou descontrolado. Hora de ir embora. No caminho com uma inspiração etílica de Arte, resolvemos dar uma serenata ao Nandinho. Iniciamos nossa alegre canção, sem nenhum instrumento e nada afinados! Subitamente Nandinho abriu uma fresta na janela e bravejou:

- Para com essa gritaria, seus merda! Pai tá doente. Se arranquem daqui!

Escorraçados por um amigo, ficamos desolados!

- Nem agradeceu! Maleducado!

Aos trancos e barrancos nos arrastamos à exaustão por mais dois quarteirões. Na Igreja Protestante deitados contra o muro. Um escorava o outro e o mundo começou a girar.  Odeio isso! Não tem coisa que repugne mais do que o mundo girando à toa e cada vez mais rápido... Ainda tive tempo de avisar ao Kolvinko:

- Tô passando mal. Acho que eu vou vomit... Huuuuââââ!!!

Felizmente fiz “aquilo” pelo lado oposto ao companheiro, no entanto, ele percebeu um som diferente do vinho sendo “despejado” na calçada. Não era só líquido. Meteu as mãos em meio ao produto e inspecionou seu conteúdo, percebendo fragmentos sólidos, catou um pedaço maior. Era batata frita. Com esse pedaço entre os dedos, me olhou severo e meio vesgo, furioso, traído e sentenciou:

- Tu jantou né, seu bosta!
   
Flagrado com uma peça de prova material da “mentira solidária de jejum”, balbuciei minha defesa:

- É. Mas eu comi só meio pratinho de batata-frita com o Carlinhos!

Assunto encerrado. O resto dessa noitada, eu não faço a menor ideia do que ainda aconteceu nem como cheguei em casa! Tão inesquecível também foi a dor-de-cabeça da manhã seguinte!


sexta-feira, 10 de julho de 2020

11) - Cabrito Ciumento...


11) Cabrito Ciumento...     


Meus amigos Leitores,

Tem momentos em que a gente se pronuncia e o tom da conversa parece lamentação pura. Síndrome de vitimismo, mas a verdade é que trago nessa crônica de hoje, um acontecimento real cujo personagem central, sou eu mesmo, vítima de interpretação errônea de minhas  reais e sinceras intenções.

O Leitor tem todo o Direito de me julgar no caso. Julguem ao seu livre arbítrio e postem seus comentários, assinando-os por favor!

A foto da abertura é de um bichinho de extrema meiguice, vocês perceberão ao ler o texto que não se trata da "mesma pessoa!"

Boa leitura!

Fausto G.M. Diefenbach



                                                 



Numa bela manhã de primavera de 1987, Porto Alegre estava florida e clara, quando sai para ao trabalho - que me exigia uma saudável caminhada de pouco mais de um quilômetro para pegar o carro que eu “compartilhava” com minha mulher. Ia pela avenida Nilo Peçanha rumo à Carlos Gomes, onde ficava o automóvel em questão... 
Eu estava alegre, feliz, e cantarolava alguma canção. Daqueles dias em que a gente está de bem com o Mundo!
                                     
Ao passar por um terreno, na época ainda baldio onde hoje tem uma revenda Toyota, avistei um enxame, manada, mantilha, sei lá, um “grupo” de uns quinze cabritos. Resolvi brincar com eles, na verdade brincar comigo mesmo! Aliás sigam o exemplo, pois não existe “pessoa melhor” para brincarmos e/ou fazermos uma gozação, do que nós mesmos! Experimentem...
Um deles se destacava, esbelto e de cabeça erguida, parecia que olhava para mim – e olhava – na minha doida e descontrolada alegria, dei-lhe em alto e em bom tom, um sonoro 

- Bom dia!

Nisso, ele baixou a cabeça apontou-me seus chifres e investiu em desabalada corrida furiosa contra mim! Minha sorte, é que o tamanho daquele neurótico animal é o de um cachorro de porte médio. “Sua arma” era apontada em linha direta à minha região genital... Fui mais rápido do que aquele psicopata safado e segurei-o com minhas duas mãos seus chifres. Retive aquele cretino de sua malévola intenção às duras penas!  Ali fiquei tentando entender o que fiz de errado. Nenhuma conclusão mais precisa. Aquele filho-da-puta tinha alguma coisa pessoal comigo que até aquele momento eu ignorava! Certamente era algo grave! Como saber?

Sempre li e estudei, que num Processo de Liderança, o diálogo é de fundamental importância, vital! Então refletindo minhas memórias acadêmicas, iniciei um processo de comunicação, com uma conversa amena, mansa para acalmá-lo.

Nada, o antipático, presunçoso e prepotente bode em sua soberba, sacudia seu corpo inteiro para se livrar minhas já cansadas mão, sempre se jogando em minha direção e nada de se amansar! Nessas alturas dos acontecimentos eu já estava ficando brabo. A “brincadeira” já tinha perdido a graça. Situação ridícula, quando eu afrouxava os punhos ele tentava novamente me atingir. Eu naquela posição constrangedora, curvado segurando-o.
Seriam umas 08hs da manhã e o movimento da avenida cada vez maior. Motoristas passavam e me olhavam curiosamente, alguns buzinavam, gestos, pensando sei lá o que...
Passados muitos minutos – que pareciam horas – finalmente veio um rapaz na minha direção, aguardei-o chegar. O palhaço já vinha rindo da minha situação:

- Socorro cara, esse bicho enlouqueceu! Me ajuda. 

- Tudo bem!

- Vamos fazer o seguinte, pega as patas traseiras e eu mantenho-o pelos chifres e vamos balançar jogá-lo longe.

Fizemos aquela contagem até três e jogamos ele longe. Ele caia em pé, parecia que tínhamos jogado uma mesa a distância – acho que apreendeu isso com algum gato - animal desgraçado parecia uma agulha de bússola em minha direção, pois voltava “voando” contra mim e eu novamente me defendia de acordo com o “protocolo inicial”. Ele entre minhas pernas forcejando e sacolejando muito para me atingir. Assim se repetiu pelo menos mais umas três ou quatro vezes. 
O que me intriga é que ele poderia me dar uma folga e pelo menos uma vez e escolher o moreno que me ajudava. Não mesmo. Repito, a questão era pessoal, íntima. Passava por ele sem dar a mínima e vinha direto, decidido contra mim. Só eu atraia seu ódio! Preferência inexplicável!
A insistência foi tanta - já tínhamos uns de vinte minutos de ação – os carros aumentando em número, continuavam passando a buzinar, alguns motoristas rindo e eu ali.... Para piorar a situação, meu companheiro – companheiro nada, traidor - disse:

- Desculpa, mas tenho que ir tchê. Fica aí com o teu namorado que eu já vou! Hehehehe...

Foi embora, sem a menor consideração. Me abandonou à minha própria sorte. Às vezes olhava prá trás e ria... Eu, ofegante, suado segurando os chifres daquele filho-da-puta que também ofegava cansado, até que “nós dois” exaustos, aparentemente desistimos da contenda. Finalizei ainda com um bom diálogo conciliador de despedida:

- Vamos fazer as pazes guri? Preciso trabalhar e tu ficas aí com as tuas fêmeas, tá?! E não se fala mais nisso...

Larguei suavemente seus pontudos chifres – eu tinha vontade de arrancar o cavanhaque ridículo que ele usava - e me afastei alguns centímetros bem devagar! O infeliz ficou ali, continuava me olhando fixo, parecia que queria me dizer alguma coisa, mas não falava nada. Nenhum “balar”!
Fui me retirando humildemente em passos suaves para trás e bem calculados – sabia que se corresse a coisa pioraria – e fui embora! Nunca mais passei sequer naquele lado da avenida e quando passava não olhava para os lados. Vai que aquele racista me vê novamente e arma outro barraco. Chega de escândalos com que não gosta da “Raça Humana”!
Bode idiota, eu tinha apenas dado um bom dia, não queria me insinuar as namoradas dele...  

Tempos depois, Danilo – meu Irmão acostumado com as lides de campo - disse que é comum esta manifestação quando uma de suas fêmeas está no cio. Seu corno! Pois eu guardo mágoa até hoje!

Porto Alegre, 16 de julho de 2020.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

10) - Galinha na farofa


10) Galinha na farofa...         
      

Em 1967 eu prestava Serviço Militar Obrigatório no 4º Regimento de Cavalaria do Exército, na cidade de Santiago, como Cabo do Exército. Quase toda a sexta-feira, viajava para passar o final-de-semana em Jaguari com a Família, onde Eni - uma Alma Santa, quase irmã – se desdobrava em carinhosa atenção, lavava e passava minha farda e ainda preparava o jantar à minha espera, quando eu chegava próximo das 21h00min.. Esse jantar se tornava um momento glorioso, pois eu o devorava como um cachorro perdigueiro que perdeu o dono!

O ônibus, vinha de São Borja e seu horário de chegada em Santiago, 19h00min. Esse trecho, bem como até meu destino final era todo de estrada de chão, sem asfalto com muito barro e onde não tinha barro, pedregulho. Dessas estradas de péssima qualidade à época, que não deixam nenhuma saudade!
Para chegar à rodoviária local, eu tinha que caminhar uns quatro quilômetros logicamente a pé.  Isso exigia sair do quartel uma hora antes assim, perdia “o rancho”. Para quem não conhece os termos da caserna, significava perder o jantar. 

Acreditem, algo regular em Soldado é estar sempre com fome. Jovens que madrugam, passam o dia todo com atividade física extrema e tem no tal rancho uma comida – que pode ser plenamente nutritiva – mas de sabor muito discutível. Não queria dizer péssimo sabor, mas na verdade sem condenar as Forças Armadas, afinal “não é o momento”, mas era de péssimo sabor sim! Horrível. A carne sempre a mesma coisa, parece ter apenas uma fervura. Macia, mas de cor cinza clara e gosto de nada, nada... Feijão, “arght”, era o pior! Arroz do tipo unidos venceremos e muitas vezes vinha mais uma coisa pastosa que se descobria depois de provar: - Era batata inglesa cozida... E a salada.... Que salada? A Quantidade de comida era excelente, mas não dava para EU ir além da metade... Os demais colegas comiam tudo e saiam satisfeitos e eu ainda com fome!

Neste dia, chovia muito e era comum o atraso do ônibus, de várias horas. Foi o que aconteceu nesse dia fatídico. Umas quatro horas de atraso. À medida em que o tempo passava – eu havia almoçado ao meio dia em ponto, "aquele almoço" -  a fome tornava uma situação dramática para um menino pós adolescente faminto, sonolento e cansado.

Finalmente o embarque. Ônibus lotado e previsão de atraso ainda maior para chegar em Jaguari. Meu jantar em casa - mesmo sem saber o que seria servido  - não queria nem pensar pois corria água na boca, tamanho o apetite pois esse seria provavelmente muito depois da meia noite.

Uma poltrona livre para sentar, nem em sonho! Então sem esse sonhado lugar, viagem em pé o tempo todo. Exausto fixei meu braço direito no bagageiro, recostei a cabeça sobre o cotovelo do braço curvado e segui viagem. Tentei cochilar para esquecer a comida que me esperava.

Subitamente uma freada brusca, um solavanco perdi o equilíbrio escorreguei o braço na tentativa de me segurar e minha mão correu em meio a sacolas do bagageiro, rebentando um pacote qualquer e minha mão se enterrou dentro dele.
Me recompus e senti que sujei as mãos em algo áspero e gorduroso. Era só o que me faltava... O que seria isso? Cautelosamente cheirei os dedos daquela coisa estranha! Hummmm! O cheiro era surpreendente, ótimo. Parecia e era, o cheiro maravilhoso de galinha frita e na farofa, com aquele delicioso tempero caseiro!

Agora sim, se não soubesse nadar, morreria afogado de tanta água na boca.... Olhei para os lados, ônibus roncando seu motor em meio ao lamaçal, cabine totalmente escura, silêncio, ninguém viu meu “acidente manual”, todos passageiros dormindo... Aproximei um pouco mais e fui delicadamente com a mão ao mesmo “endereço”. Toquei e reconheci o objeto. Era uma cocha de galinha. Agarrei-a com a volúpia de um prisioneiro faminto nos tempos do Império Romano! 

Acreditei que qualquer crime de furto, naquela hora seria  de fácil absolvição, afinal eu era um viajante em abstinência alimentar de muitas horas. Se condenado, valia a pena! 
Ainda discreto trouxe aquela peça preciosa e a enterrei na boca. Em segundos se tornou um osso limpinho, lustro, seco! Não lembro se cheguei a mastigar, mas tenho certeza que engoli!

E agora? Onde colocar esse “osso usado”? De volta às suas origens, à sua sacola, ora.... Lá fui eu devolver o osso. Com a mão na sacola novamente, onde estavam muitas outras peças de galinha, a mão desocupada, aproveitou a “viagem de retorno” e me surpreendeu quando voltou lotada novamente, acho que com um pedaço de peito igualmente delicioso! (Cabe aqui uma explicação técnica de que em um estômago faminto, o cérebro deixa de comandar o corpo de forma ditatorial e a mão, em conjunto com a boca, adquire “Vida Própria” comandando todos seus movimentos).

A partir desse pedaço passei a mastigar normalmente, como se eu fosse um Ser Humano Normal! Pois essa operação de leva-e-traz se repetiu mais umas oito vezes, mas sempre recolocando respeitosamente de volta o osso vazio, nu, limpinho, lustroso no seu devido lugar!
Minha gente, mas que baita jantar eu fiz! Foi de lamber os bigodes!

Ao chegar em casa a mãe e a Eni estranharam eu recusar o jantar. Acreditem, eu já havia feito um dos melhores jantares! Prova disso é que são passados mais de cinquenta anos e de todos os bons jantares que já participei, esse foi o inesquecível!


Porto Alegre 09 de julho de 2020.

quinta-feira, 2 de julho de 2020

09) - Eu tenho doença não


Meus estimados e respeitosos leitores,

Hoje irá ao ar uma história que tem pouco mais de um quarto de Século, que guardo fechado à sete chaves por ser “delicado” e tem o poder de suscitar suspeitas - que eu garanto injustas - da minha sexualidade.
Como disse, garanto injustas por eu ser heterossexual assumido e afirmo-o, como diria um ex-governador do RS, PEREMPTORIAMENTE: - Sou heterossexual! Mesmo com o risco de ser taxado de não ser “Politicamente Correto”.
Vamos lá então. Coragem!



09) - Eu tenho doença não...

Em 1994 participei de um Projeto com uma Empresa de Consultoria de São Paulo, visando Desenvolvimento de Pessoal com treinamento para Executivos de Negócios de uma Multinacional Americana por todo o Brasil.

Em um período, compromissos no Nordeste me retiveram na região durante o final de semana. Resolvi passá-lo em João Pessoa, na Paraíba.

No final do domingo, solitário resolvi caminhar pela praia por uns três quilômetros de uma área em que não há rua costeando o mar. Deserto, tranquilo, coqueiros, lindo pôr do sol! Ao retornar, avistei um solitário que caminhava em diagonal lentamente ao meu encontro. Não estava malvestido, aparentava uns 30 anos e “aspecto normal”. 

Pelo jeito, vai me abordar para me pedir alguma coisa, pois me fez sinal com a mão que queria falar comigo. Sei lá, vai pedir dinheiro, cigarro, enfim.... Como a praia estava deserta, não posso demonstrar medo. Não vou desviá-lo pensei, ao contrário, vou intimidá-lo indo com decisão à sua direção de forma bem firme.  Chegando bem próximo, olhei na cara dele tentando fazer um semblante de raiva, disse um SIM bem forte; quase um grito. Ele não deu à mínima, não se abalou e iniciou falou:

-         Qué fazeaô cumigu? Qué?

-         Não entendi! Como é que é?

-         Qué fazeamô cumigu? Qué? Falou um pouco mais claramente no nome “daquilo” que ofertava, mas eu surpreso, pedi confirmação!

-         Se eu quero fazer amor contigo...?! Nem tive coragem de repetir o – e agora escrever - nome do que ele de fato queria me dar...

-          Qué? Eu tenho doença não! Sotaque bem caracterizado.

-         Hãããã... Acho que não... Pensei que negar com decisão poderia ofendê-lo, provocar revolta pela rejeição... Sabe-se lá o que passa na cabeça desse maluco. Estranho que ele não tem jeito de boiola. Não se abalou com minha negativa e continuou na maior serenidade do mundo:
-         Eu não tenho AIDS não! Tenho doença nenhuma não!

-         Claro que não. É que justamente agora eu estava indo...

-         Pago dé reau!

-         Não quero seu dinheiro. O problema é o seguinte... Vou tentar “enrolar” o cara para sair dessa, mas estou cada vez mais desconcertado. Quase pânico.

-         Pago quinze reau!   Pronto, agora virou leilão!

-         Não! Os dez reais já seriam muito bem pago! É que sou casado! Não vou trair minha mulher, entende?! Acho que assim escapo dessa! Não se deu por vencido:

-         Eu prometo não contar prá ela. É nosso segredo! Puta que pariu? “Nosso segredo”! Já está íntimo! E agora? Esse desgraçado não desiste fácil. Nunca tinha levado uma “cantada desse gênero”! Não sei como agir. Tentei a tática de concordar para postergar a decisão final de fugir:

-         Tá bem! Vamos combinar: Aguarda aqui. Vou até o hotel dizer para minha mulher que vou demorar e volto OK? Pára aí. Espera. Você não vem comigo. Fica aqui. Não te mexe deste lugar. Parado, não me segue! Stop!

Ele concordou enquanto sai rápido sem olhar para trás, depois de uns cem metros olhei, lá estava ele parado me esperando. Aí me deu “vontade de correr”! Corri uns duzentos metros - que me pareceram 15 quilômetros - e neste ritmo, entrei ofegante hotel adentro. Fiquei quieto no quarto por um bom tempo. Jantei no quarto.

Experiência única, num misto de engraçado e assustador. Incrível a sensação de sentir a presença muito próxima de um Predador!!!


Porto Alegre 02 de julho de 2020.