Em 1967 eu prestava Serviço Militar Obrigatório no 4º
Regimento de Cavalaria do Exército, na cidade de Santiago, como Cabo do
Exército. Quase toda a sexta-feira, viajava para passar o final-de-semana em
Jaguari com a Família, onde Eni - uma Alma Santa, quase irmã – se desdobrava em
carinhosa atenção, lavava e passava minha farda e ainda preparava o jantar à
minha espera, quando eu chegava próximo das 21h00min.. Esse jantar se tornava
um momento glorioso, pois eu o devorava como um cachorro perdigueiro que
perdeu o dono!
O ônibus, vinha de São Borja e seu horário de chegada
em Santiago, 19h00min. Esse trecho, bem como até meu destino final era todo de
estrada de chão, sem asfalto com muito barro e onde não tinha barro,
pedregulho. Dessas estradas de péssima qualidade à época, que não deixam
nenhuma saudade!

Acreditem, algo regular em Soldado é estar sempre com fome. Jovens que madrugam, passam o dia todo com atividade física extrema e tem no tal rancho uma comida – que pode ser plenamente nutritiva – mas de sabor muito discutível. Não queria dizer péssimo sabor, mas na verdade sem condenar as Forças Armadas, afinal “não é o momento”, mas era de péssimo sabor sim! Horrível. A carne sempre a mesma coisa, parece ter apenas uma fervura. Macia, mas de cor cinza clara e gosto de nada, nada... Feijão, “arght”, era o pior! Arroz do tipo unidos venceremos e muitas vezes vinha mais uma coisa pastosa que se descobria depois de provar: - Era batata inglesa cozida... E a salada.... Que salada?
Neste dia, chovia muito e era comum o atraso do ônibus,
de várias horas. Foi o que aconteceu nesse dia fatídico. Umas quatro horas de atraso. À medida em que o tempo
passava – eu havia almoçado ao meio dia em ponto, "aquele almoço" - a fome tornava uma situação dramática para um
menino pós adolescente faminto, sonolento e cansado.

Uma poltrona livre para sentar, nem em sonho! Então
sem esse sonhado lugar, viagem em pé o tempo todo. Exausto fixei meu braço
direito no bagageiro, recostei a cabeça sobre o cotovelo do braço curvado e segui
viagem. Tentei cochilar para esquecer a comida que me esperava.

Me recompus e senti que sujei as mãos em algo áspero e gorduroso.
Era só o que me faltava... O que seria isso? Cautelosamente cheirei os dedos
daquela coisa estranha! Hummmm! O cheiro era surpreendente, ótimo. Parecia e
era, o cheiro maravilhoso de galinha frita e na farofa, com aquele delicioso tempero
caseiro!
Agora sim, se não soubesse nadar, morreria afogado de
tanta água na boca.... Olhei para os lados, ônibus roncando seu motor em meio
ao lamaçal, cabine totalmente escura, silêncio, ninguém viu meu “acidente
manual”, todos passageiros dormindo... Aproximei um pouco mais e fui delicadamente
com a mão ao mesmo “endereço”. Toquei e reconheci o objeto. Era uma cocha de
galinha. Agarrei-a com a volúpia de um prisioneiro faminto nos tempos do Império Romano!
Acreditei que qualquer crime de furto, naquela hora seria de fácil absolvição, afinal eu era um viajante em abstinência alimentar de muitas horas. Se condenado, valia a pena!
Ainda discreto trouxe aquela peça preciosa e a enterrei na boca. Em segundos se tornou um osso limpinho, lustro, seco! Não lembro se cheguei a mastigar, mas tenho certeza que engoli!
Acreditei que qualquer crime de furto, naquela hora seria de fácil absolvição, afinal eu era um viajante em abstinência alimentar de muitas horas. Se condenado, valia a pena!
Ainda discreto trouxe aquela peça preciosa e a enterrei na boca. Em segundos se tornou um osso limpinho, lustro, seco! Não lembro se cheguei a mastigar, mas tenho certeza que engoli!
E agora? Onde colocar esse “osso usado”? De volta às
suas origens, à sua sacola, ora.... Lá fui eu devolver o osso. Com a mão na
sacola novamente, onde estavam muitas outras peças de galinha, a mão desocupada,
aproveitou a “viagem de retorno” e me surpreendeu quando voltou lotada novamente,
acho que com um pedaço de peito igualmente delicioso! (Cabe aqui uma explicação
técnica de que em um estômago faminto, o cérebro deixa de comandar o corpo de
forma ditatorial e a mão, em conjunto com a boca, adquire “Vida Própria”
comandando todos seus movimentos).

Minha gente, mas que baita jantar eu fiz! Foi de
lamber os bigodes!
Ao chegar em casa a mãe e a Eni estranharam eu recusar
o jantar. Acreditem, eu já havia feito um dos melhores jantares! Prova disso é
que são passados mais de cinquenta anos e de todos os bons jantares que já
participei, esse foi o inesquecível!
Porto Alegre 09 de julho de 2020.
Espetáculo, amigo Fausto... não servi nas forças armadas, mas meu pai, meu tio e meu cunhado, me contam muitas histórias boas... saudoso abraço tricolor...
ResponderExcluirKKKKKKK um pecado bem justificado KKKKKKK 😀😂😂
ResponderExcluirMuito bom, o apetite continua igual até hoje, se não me engano, mas as iguarias melhoraram!
ResponderExcluirPois foi naquele noite meu Professor, que me tornei um glutão!!! Heheheh
ExcluirCada dia era um Causo,saudoso tempo,em servimos a pátria.
ResponderExcluirSD 524: De fato cada dia era um caso e como ainda sinto saudades daquele período!
ExcluirValeu Fausto!São histórias, que não podem ser esquecidas! Kkk
ResponderExcluirLembro bem dessa época Fausto.. lembro de te ver de farda , e eu achava lindo..!! Nem sabia que lá tu passava tanto trabalho. Bela crônica!!
ResponderExcluirPois é Tânia, foi um período duríssimo, mas valeu a pena cada minuto vivido na Caserna! O "guri" amadurece e se torna um homem de verdade! Obrigado por teres gostado da Farda!!! Hehehehe...
ExcluirEu adoraria ler a história do dono(a) da galinha, o mistério do sumiço da carne e a surpresa dos ossos.
ResponderExcluirNossa que louca história. Só vc mesmo. Gostaria de saber da história da dona do seu jantar. Bjs
ResponderExcluirPor muito tempo eu pensava na decepção do viajante ao encontrar seu jantar "corroído" por alguém! Por um tempo eu ria, passado meio Século começo a sentir um pouco de remorso, só um pouco porque valeu a pena! Hehehehe...
ExcluirMuito boa Fausto.
ResponderExcluirQue saudades da galinha na farofa feita em casa daquela época, comida quase que obrigatória nas viagens de longa distancia. Muito me deliciei nas viagens de trem de Jaguari para Porto Alegre.
Fiquei vom pena é do coitado do dono(a), imaginando a tristeza dele quando, no meio da viagem e com a fome parecida com a tua, se deparou com o monte de ossos. Ainda bem que deve ter sobrado um restinho da farofa para ele se lambusar.
Por muito tempo eu pensava na decepção do viajante ao encontrar seu jantar "corroído" por alguém! Por um tempo eu ria, passado meio Século começo a sentir um pouco de remorso, só um pouco porque valeu a pena! Hehehehe...
ExcluirO frango deu água na boca! Ainda bem que botou os ossos no lugar 😄😄😄
ResponderExcluirTá bem, mas parei de gostar de galinha
ResponderExcluirCom certeza deve ter sido um jantar delicioso, pela adrenalina da situação e pela fome. A vida no quartel é dureza e a comida deixa muito a desejar. Bela aventura!!
ResponderExcluirObrigado amigo e conterrâneo Fausto por compartilhar suas historias/estorias, são muito bem vindas, pois alegram o meu dia também, estou rindo até agora. Não fui servir, mas sei de muitas historias boas..valeu. Abraço fraterno.
ResponderExcluirMe lembrou das galinhas com farofa que minha mãe fazia, ela distribuía um pedaço de galinha com um ovo cozido. Não encontrou nenhum ovo no seu banquete. Kkkkkkkk
ResponderExcluirEsse comportamento humano que sempre o melhor é o proibido! E é mesmo, kkkkkk
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