quarta-feira, 28 de julho de 2021

64) Fui canalha, mas quem não é?!

64) Fui canalha, mas quem não é?!


Na metade da década de oitenta, eu voltava do Rio de Janeiro a residir novamente em Porto Alegre. Aproveitei uma oportunidade de me converter um empreendedor, Empresário. Associei-me à uma Organização que operava venda de equipamentos para escritório como Distribuidor Autorizado de uma Organização Multinacional Americana, que eu tinha trabalhado, haviam dez anos.

Em Porto Alegre era uma filial dessa concessionária e eu responsável a dirigir a área comercial. Rugg era um dos sócios fundadores foi que me convidou a esse desafio e que me antecedera na Sociedade. Num determinado momento me passou uma tática, garantindo ser infalível para saber o clima e o sentimento geral dos nossos mais de sessenta colaboradores:

- Informalmente, convida Zunhóz para um chope depois do expediente. No terceiro chope ele te conta tudo o que ocorre com o pessoal. Até quem está “dando” para quem...

Num entardecer de Verão, o convidamos ao irrecusável chope com sanduíche aberto na “Caverna do Ratão”. O bar é simples, sempre cheio, muita algazarra, cheiro de cigarro e do delicioso chope, que tanto agrada a nós, os brasileiros!

Ele, são-borjense  da gema, gabola e cheio de autoconfiança, tão macho quando um bajeense, faceiro uma barbaridade, se juntou então a nós e fomos ao chopinho!

Garanto: É um dos melhores chopes da Capital, colarinho maduro, gelada ao ponto e serviço rápido em especial quando acompanhado por bolinhos de bacalhau, esses, nota dez.

Mas acontece que o moço de São Borja era duro na queda! Os tais de três chopes que Rugg disse que abriria o seu coração, não funcionou. Continuava sóbrio de dar raiva. Foi então que mudamos a tática a prospectar o estado de espírito na Organização, com as confidências que eu as queria reveladas!

Sugeri que concomitantemente com o chope, tomássemos um cálice de trigo velho a cada chope servido. Na terceira rodada – já eram seis chopes - Zunhoz falava mais do que pobre na chuva!

Maquiavelicamente tive a ideia maldosa, canalha, mas de resultado espetacular, fulminante: - Chamei o garçom, nosso amigo de muitos chopes e mandei que as próximas rodadas fossem regadas com um cálice de trigo velho somente ao Zunhoz. A mim e ao Rugg no mesmo modelo de cálice, água mineral sem gás! O resultado apurado foi surpreendente, maravilhoso, em especial ao desafio à cada rodada que eu fazia:

- Vamos ver quem é macho para me acompanhar!

Evidente que Rugg topava e Zunhoz com os olhos um pouco arregalados e brilho excessivo, resmungava um pouco mas aceitava o desafio, ainda mais quando provocado clamando suas origens de fronteira com a Argentina...

- Não me mixo para qualquer desafio! Sou de São Borja, tchê! 


Não sou desses “bundinhas di Porto Alegre”!

E assim, com aquela composição química seguimos bebendo até o sexto chope, quando o moreno se entregou.

- Não aguento mais. Prá mim chega. Amanhã de manhã tenho compromisso com minha irmã!

Tinha compromisso nada. Estava era podre de bêbado! Era uma sexta-feira e não tinha expediente no sábado. Ele era de fato um solitário que vivia com sua irmã, até onde eu sei, zelosa com a vida do irmão!

- Bom. Todo mundo satisfeito, vamos prá casa!

- Mas Bah! Não sinto mais nem meus dente!

Conta paga, informados de todas fofocas e “mimimis” da empresa, podemos de fato encerar o “happy hour”, no entanto nosso amigo Zunhoz subitamente  revelou estar uma tonelada mais pesado! Com força própria, não conseguia se levantar da cadeira. Tivemos que guincha-lo manualmente, diante de uma plateia que certamente invejaram o porre do cara! Mas porre de juntar guris à volta...

Colocado no carro conduzimos o dito cujo à sua casa. Felizmente ele morava no térreo do prédio, logo no primeiro apartamento. Ele não achou sua chave em seus bolsos, é claro!

- Vamos ter que tocar a campainha!

- Hiiii, vai dar problema! A “mana” não gosta muito de me ver assim...


Nós os cúmplices, trocamos olhares de insegurança, mas seguimos em frente. Deixamos ele encostado na porta, acionamos a campainha e no que a porta se abriu, local totalmente as escuras, o libertamos de nossos braços e ele desabou nos recônditos de seu Lar e “picamos a mula”! Ainda ouvimos um balbuciar tipo "huuuui” e um ruidoso rolar de cadeiras ao chão!

Segunda-feira seguinte ao iniciar o expediente, ele usava óculos escuros e nem me cumprimentou! Que rebeldia! Por que será? 

Sou! Mas quem não é!?!

quarta-feira, 14 de julho de 2021

62) Havia “coisa” melhor que Reunião Dançante?

62) Havia “coisa” melhor que Reunião Dançante?


É claro que não, já inicio respondendo por minha conta e risco, afinal, vou tratar da época em que era adolescente, puro, ingênuo, mas já o moleque de sempre, para não ficar com autoelogio muito longo.  A gurizada da época que morava em Jaguari 12 meses por ano, sim, porque tínhamos amigos que estudavam em Santa Maria, Passo Fundo ou na Capital, que só estariam lá nas férias escolares, e esses ainda traziam colegas de outras cidades para curtir o que tínhamos de melhor, isto é, as festas!

Meu sentimento é que nas férias com toda população jovem na  Terrinha, tudo era festa. A alegria reinante me dá imensa saudade até agora. Julho eram as fogueiras e festas do mês passado, as Festas Juninas que estávamos renovando-as em homenagem aos Santos!

No Verão, eram três meses de euforia, com a praia de águas limpas e cristalinas onde o flerte, o orgulho de mostrar trajes de banho inéditos era dominante! O burburinho entre gritaria das crianças e as gargalhadas soltas, faziam a melhor música aos meus ouvidos! Um banho de sol forte mas com  refresco das sombras dos Salsos Chorão, fumando um cigarro com filtro – status se eleva se for um Minister - era bom demais. Se tivesse mais alguns trocados no bolso, no meio da tarde era para subir até o bar, em forma de navio, onde o “seu Ney” fazia um pastel frito na hora, que ao comer somente um, lambia-se os dedos! Era gorduroso? Era sim. Um pouco talvez, mas quem dava bola para colesterol alto e pressão acima da média? Demorei mais de meio Século para saber o que era “pressão alta”! Ah! não posso esquecer o "cachorro quente", tinha cheiro de manjerona. Que delícia!

Foi lá que tomei minha primeira Pepsi-Cola e não gostei Guaraná ou uma Cyillinha, era muito melhor! (Santa Maria voltou a produzi-la, mas com casco diferente!)



Volto às Reuniões Dançantes, que só eram superadas pelos românticos “Bailes da Praia”! Quem assume ter idade para afirmar que viveu a emoção desses bailes, sabe do que estou falando! Inéditos: Salão coma pista de dança montada unicamente para esse evento, num tablado sobre colunas de madeira, geralmente construída com paus de eucaliptos, que uniam a margem do rio até a ilha. Época de ouro em que os organizadores conseguiam contratar Orquestras para um baile. Cassino de Santa Crua, Tupinambá, etc... Paro aqui senão vou lambuzar meu teclado com lágrimas.

Houve um ano com tudo pronto, pista construída e deu uma chuvarada imensa, enchente e o rio levou tudo água abaixo. Naquele ano, ficamos confinados às reuniões dançantes. Essas aconteciam na casa de amigos, no pátio, na sala ou até na garagem. Bastava arrumar um toca-discos. Nas boates dos clubes, eram mais raros, mas quando a Sociedade organizava, não tinha horário para começar! É. Realmente começar e podia ser às três da tarde que lá estávamos, “Gumex” no cabelo arrepiado, um perfume emprestado por alguma tia carinhosa e dançar por horas sem o menor cansaço! Juventude, é o Grande Prêmio do Criador!

Eram poucos os Pais que topavam fazer alguma celebração de aniversário nesse período, porque o risco de encher a casa até de desconhecidos, era imenso! Pois teve um aniversário de quinze anos de uma menina, que se notabilizou pelo número de “penetras”, os que passava pelo local e até de convidados...

Pois a mãe da aniversariante “Nequinha”, fez uma torta comemorativa e uma lista de convidados. Montou os equipamentos de som e no sábado a casa encheu. O irmão da Nequinha, também tinha muitos amigos, inclusive eu. Pois esses, evidentemente não foram convidados, afinal de contas a festa era da menina e suas amigas e alguns selecionados amigos, os mais bonitinhos, é claro!

Pela música reinante, que se ouvia lá da rua, “fomos” nos juntando num belo grupo de “desolados sem convite”, consolados ao prêmio de apenas ouvir... Pois lá pelas tantas passa o irmão da aniversariante, comunicativo e alegre e pergunta para a galera:

- O que estão fazendo aqui fora pessoal! Vamos subir!

Convite aceito de imediato e sem hesitação. E lá fomos todos nós! Dançamos até a madrugada alegres e contentes! No dia seguinte algumas mães dos que estavam na festa – naturalmente bisbilhotando – queriam saber, como foi a festa?! E daí diziam que a Anfitriã se regozijava orgulhosamente:

- Deu bem certinho a torta da Nequinha! Não sobrou nada!

Lógico, com toda aquela população festiva, o prato da torta ficou tão limpo quanto um instrumento cirúrgico! Sabe, aquelas marquinhas que ficam grudadas no prato, seja do glacê ou chocolate de cobertura? Nem esse sinal ficou para provar que ali houvera num passado recente, uma torta em comemoração dos quinze anos de alguém! Eu não vi nada lá para comer ou beber... Sinceramente, nem fazia questão, o que eu queria era dançar! "Bico seco!"

Ficou para sempre no adágio popular da cidade, de que ao fazer alguma recepção, jantar, seja o que for e NÃO SOBRA NADA para contar, (contar que faltou!) não se assume a miséria da preparação ou previsão errada. Justifica-se apenas com a célebre afirmação: “Deu bem certinho a torta da Nequinha!”

63) Vamos rir da Sogra!

63) Vamos rir da Sogra!

Início da Década de oitenta, Luiz Emílio - o Gordo - e eu éramos muito próximos e nossas namoradas também, ou melhor, no caso dele era esposa Ana e eu noivo. Nossos encontros aos finais de semana eram compulsórios, não falhava um sábado ou domingo com jantar, churrasco e outras diversões gastronômicas e etílicas! Só não viajávamos por impedimento deles, que pouco tempo depois do seu casamento, já tinham três ricos filhos... Então geograficamente ficávamos contidos à Capital, Porto Alegre. Passeios de carro pela Zona Sul em Ipanema, as ilhas e morros eram constantes com aparatos para chimarrão, mas o Gordo, para honrar seu apelido, sempre tinha que culminar com uma boa mesa, “Glutão Juramentado”, que sempre foi! Impossível contrariá-lo, porque com seu bom humor marcante e constante, tornava qualquer jornada muito divertida!


Nessa época havia no subsolo do Teatro Leopoldina, hoje Teatro da OSPA na Avenida Independência, um salão enorme onde foi criado o “Le Club” para shows musicais e dança! Consegui levar o Gordo uma única vez. Contestava – isso que ele dançava muito bem – que dançar não tinha graça nenhuma, se não tivesse no programa um lauto jantar! Como já afirmei, era glutão para toda hora! Gostava de qualquer coisa que exigisse mastigação, qualquer coisa! Prato preferido: O prato cheio!

Passado algum tempo esse divertido clube foi fechado e no local instalado um salão para patinação. A novidade na cidade atraia muita gente, tínhamos que chegar e esperar algum tempo para obter uma vaga. Alugava-se os patins e por meia hora ou mais pelo seu uso. Não tinha Orientador, Professor, só os seguranças e controladores do tempo de uso da pista. Cada um calçava seu equipamento e ficava lá se divertindo livremente. Na única vez em que fomos, minha sogra fez questão de nos acompanhar, confesso que concordei sem sequer pensar em cometer suicídio...

Lá fomos nós. As meninas e sogra optaram por observar eu e o Gordo calçávamos pela primeira vez na vida, os tais patins! Piso de parquet, rodeado por corrimão de segurança aos principiantes e uma rede de proteção de fios de algodão, similar as que se vê nas goleiras do   esporte bretão, o futebol.

Eu sempre gostei de desafios e risco. Nesse dia, eu certamente seria incluído gloriosamente no “Guinness Book of Record” pela quantidade de tombos ridículos, feios e desastrosas por minuto que tive! Já o Gordo, para não copiar meu vexame, foi cheio de cautela. Usou seus trinta minutos caminhando em círculo e lentamente, segurando o corrimão com muita firmeza.

Encerrado os trinta minutos, na saída da pista eu estava todo esfolado, suado, mas alegre e faceiro! Gordo veio com ar triunfal rindo “gordamente” de mim, soltou o corrimão dando por encerrado o período de risco de tombo e falou para todos ouvirem:

- Viu como se patina? Não levei um tombo sequer! E tu caiu umas...

Som de uma explosão ecoou no salão! Ele tinha soltado o corrimão caminhando em minha direção esquecendo que ainda estava calçando patins... Suas duas pernas levantaram voo vertical. Caiu de lombo no chão com tanta força que levantou pó! Seus pés jogados para cima, ficaram presos na rede de proteção, deixando-o dependurado como uma roupa secando ao sol... Cordões enleados às rodas dos patins, tivemos que chamar os seguranças para afastar as pessoas que o rodearam às gargalhadas e para desenredar o peixe, ou melhor, o Gordo! Rimos por anos!

Satisfeitos com tanta proeza, pensando em encerrar o domingo, eis que a sogra timidamente falou que queria experimentar! Aprovei imediatamente dando glória ao passeio, pois chegava a hora do maior, o grande e inesperado divertimento!

- Vamos rir da sogra! Coitada. Vai pagar um mico extraordinário!

Sentamos confortavelmente preparados para rir, agora por conta da sogra! Minha noiva ficou furiosa ao perceber nossos discretos sorrisos e trocas de olhares com indisfarçável  expressão de "Sadismo Medieval!" 

Pois então a sogra calça os patins languidamente, entra na pista, dá um forte impulso com o corpo e desliza veloz pela pista com extrema delicadeza. Faz um giro de 360 graus, levanta os braços e flutua com um único pé no chão, parecia uma pássaro suave dando um show de elegância e pleno domínio da patinação. Chamou atenção de todos presentes! A danadinha patinava desde criança, mas nunca nos revelou. Gordo me olha sem graça e dispara:

- Tinha que apoiar tua sogra, tinha? E ainda por cima pagar para ela nos humilhar desse jeito?!

- Gordo, estou muito arrependido, decepcionado. Quando ela voltar, não vamos falar nada sobre patinação! Bico calado!

- Pior: Nem olha para a cara das gurias, estão nos observando com aquele sorriso debochado, desafiador. Muito antipáticas!


Assim encerramos o domingo no mais profundo silêncio sobre tudo o que se passou naquela tarde. Mas o clima de desdém estava no ar. Eu sentia isso claramente a ponto de não esquecer até hoje. Agora escrevendo, meu trauma parece que se acentua vigorosamente. Preciso tratamento psiquiátrico imediato. Talvez me ajude a superar esse trauma doloroso!

quarta-feira, 7 de julho de 2021

61) Era uma Colônia Ítalo Germânica!

Colônia Ítalo Germânica!


Pois assim era minha Cidade Natal, Jaguari durante minha infância no início da década de cinquenta. A solidariedade reinante era plena. Toda Família sabia o que estava ocorrendo com a outra e a outra... Bastava ter uma gripe mais forte, que o acamado logo recebia visita do vizinho, da parentada toda e dos amigos. Nunca se visitavam de “mãos abanando”, vinha enrolado em um pano-de-prato branco bordado em crochê com a figura de algum pássaro ou até mesmo pães. Enrolado aquele pão de milho feito em casa com seu cheiro de dar água na boca, um bolo bem crescido, uma cuca coberta de passas de uvas! Se o convalescente não estivesse com problemas estomacais, então vinha o salame, presunto ou até mesmo um torresmo! Aquilo sim era uma Sociedade Fraterna tão rara em cidades grandes e hoje, até mesmo em Jaguari. Mas o que fazer, quando o dia-a-dia sufoca a todos e a indiferença se faz presente! Moradores de edifícios, sequer sabem o nome do vizinho da porta de frente. E chamamos isso de “Vida Moderna”!

Voltando a Jaguari: Toda essa aproximação amistosa, só era esfriada na época das eleições municipais. Era o PTB de Getúlio Vargas, o PL de Raul Pila e o PSD que se digladiavam por um mandato à Prefeitura. Depois da posse do eleito, tudo voltava à normalidade! Sim, algum “ranço” permanecia, mas a diplomacia o superava!

Como contei na Crônica 58, todos os Lares tinham o seu galinheiro próprio, sua horta, seu pomar e alguns com seu porco a engordar, para garantir a banha, costeletas e o indispensável salame. Não importava se alemão ou italiano, nenhum desses Povos “vive” sem salame!


Minha casa tinha um pomar com mais de trinta frutas diferentes e colhíamos alguma coisa, praticamente o ano todo. Quando as parreiras frutificavam com fartura no Verão, era um tal de levar cestas de uvas aos mais próximos. Lá em casa tinha uma enorme parreira de uvas Ebelmont, uva de mesa para corte, mas pela grande quantidade colhida, sobrava muitos quilos que meu pai fazia vinho branco! Trabalhávamos o processo completo com nossas próprias mãos, colheita, separação dos grãos, esmagamento, depósito em pipas de madeira para fermentação e o engarrafamento posterior. Tudo manual com bastante trabalho, afinal éramos cinco irmãos, mão de obra à vontade! O resultado era tão bom, que os amigos do “Papito” elogiavam-no sempre, dizendo de que daria um "ótimo vinagre"... Tomávamos regularmente até provocar uma úlcera no duodeno causada pela sua farta ingestão! Argth!!!

O mamão era muito apreciado. Tínhamos diversos pés dessa fruta tropical e sempre que um
dos pés frutificava, meu pai colhia uma das maiores para eu levar para a dona Nena que, com um tipo de alergia, o mamão verde lhe servia para uma infusão qualquer que lhe atenuava o tal problema. Sempre fui o portador. Dona Nena com seu marido, seu Minuzzi, tinham um bar que servia uma batida de limão – não se conhecia caipirinha nessa época – que era uma das Sete Maravilhas Derivadas da Cachaça no Mundo!

Entretanto o mais importante para mim, compulsoriamente abstêmio pela pouca idade, era a sorveteria cuja classificação, se eu fosse opinar na época, ficava muito acima do maravilhoso! Pois toda vez que eu fazia essa entrega, ela me presenteava um belo cone, de sorvete Creme Russo, que era feito com ameixas pretas! Generosos pedaços da fruta que ao lembrar, corre água na boca! Uma delícia inexplicável. Cremoso e suave, com doçura moderada que podia comer um quilo, sem enjoar!

Teve um dia, final de tarde, bar lotado, fui fazer minha alegre entrega. Dentre os senhores - só tinham homens presentes - lá estava aquele que seria meu futuro tio, Davi Machado, então noivo da minha tia Gládis Marchiori, que tristemente sabia que eu passava por uma crise de Coqueluche. (Trata-se de uma infecção bacteriana que provoca tosse seca com som de “silvo”. Hoje sob controle, mas não erradicada.) Diante disso, Davi recomenda que não me dê sorvete em função da tosse etc... 

Essa denúncia motivou a substituição do sorvete com uma barrinha de chocolate qualquer. Troca injusta, sem graça nenhuma .Fiquei furioso. Como admitir e onde já se viu renunciar pacificamente daquele sorvete que estava há horas no meu imaginário alimentando a gula? Fui acometido de uma vermelhidão no rosto e principalmente nas orelhas. Raiva incontida e não resisti a vontade de agredi-lo ferozmente! E eu tinha “algo” que sabia sobre seu passado, mas guardava segredo. Decidi revelar publicamente sem dó nem piedade, afinal de contas meu sincero desejo era matá-lo naquela hora. 

O fato que eu mantinha em segredo: - Num domingo a tarde de alguns dias passados, Davi e Gládis estavam na minha casa a passeio, no entanto isolados na sala de estar da casa namorando... A Família, conversando animadamente debaixo de um daqueles cinamomos com sua  enormes sombras, a tomar chimarrão e charlar... Desconfiado, fui sorrateiramente me afastando de todos e fui espiar o casal! Pois não é que surpreendi Davi em flagrante delito com um absurdo beijo na boca da minha tia Gládis! Isso me pareceu gravíssimo. Torná-lo público então... Pois não bastou naquele dia fatídico eu gritar um "TE PEGUEI"  agora será o dia que me vingo e liquido com a moral do Davi, ele merece, já que me delatou com a coqueluche obstaculizando meu sorvete tão desejado:

- Ah é Davi! Sem sorvete! Pois agora vô contá prá todo mundo que eu te peguei!!!

- Mas pegou o que guri?!

Como eu o denunciei em grito desesperado, deu para ouvir há cinquenta metros, chamei atenção de todos aqueles trinta e tantos frequentadores que lotavam o bar que em coro me cobravam:

- Conta Faustinho! Conta prá nós!!!

Silenciaram todos ávidos a ouvir a fofoca, acusação prestes a ser declarada para conhecimento de "toda a cidade"! Eu, pronto a desmoralizá-lo, fui até a porta do bar para depois da agrave acusação, poder disparar rua afora pelo o que iria acontecer na sequência. Então cheio de coragem e animado pela galera presente, enchi o peito e vociferei para atingi-lo mortalmente:


-  Eu te peguei beijando a tia Gládis!

Foi uma gargalhada retumbante no bar com assovios e aplausos. Davi sem palavras, ficou roxo! Como eu vi que ele não iria me caçar, pelo menos não naquele momento diante de tantas testemunhas, me enchi de renovada coragem e disparei mais uma acusação derradeira, final, fatal para fugir em disparada sem olhar para trás!

- Mais Davi: Tu é um Quinta Coluna!

Não fazia a menor ideia do significado do que disse, mas tinha consciência de que era algo pejorativo, muito feio, degradante, grave! E fugi!

Fiquei uma semana isolado com medo, sem me aproximar do “ofendido tio Davi”, até que a Família me garantiu que ele tinha me perdoado! Fiz as pazes e voltei a ser feliz e amigo de um dos tios mais queridos que tive! A coqueluche? Acho que se Dissipou naturalmente, nem lembro!