A
imprensa dos dias atuais toma a Liberdade – e ela tem direito suficiente para
isso – de criticar ações Militares pelo Mundo afora. Seja no conflito que hoje
eclode no Afeganistão até a provável participação política no Brasil. Nas
Grandes Guerras Mundiais em seu rescaldo, Países sempre serão castigados por anos,
aquele que foi derrotado, passa a ser o “bandido” da História e o vencedor
o “mocinho”! Sempre foi assim e continuará sendo, gostemos ou não.
Cumpri
meu Serviço Militar Obrigatório em 1967, no Quarto Regimento de Cavalaria de
Santiago-RS, o Quarto RC, precisamente no período em que nossa Nação era governada por Militares,
que uns chamam de Ditadura Militar. Muda o título apenas por questão de escolha
que não cabe aqui discutir.
Enquanto
fardado, vi claramente aos olhos do povo, o respeito, talvez o medo
estampado em seus olhos.
Talvez
pela idade, lembro com muita saudade daquele ano em que mais fiz trabalhos
forçados, sofri as agruras de ter sob a cabeça um superior extremamente
exigente e forte, entretanto foi o ano que mais ri e me diverti em toda Vida.
Todo lado negativo, era amplamente superado pelo prazer do companheirismo, solidariedade, parceria, disciplina e socorro mútuo. Só vivi algo assemelhado no para-quedismo!
Incorporei
como Soldado Raso e me dedicando um pouco, promovido a Cabo do Exército e aí minha vida na Caserna
mudou bastante. “Hábil em datilografia”, fui trabalhar como Auxiliar do
Sargenteante, o Segundo Sargento Gibelino Minuzzi. Militar sério, concentrado
que nunca sorrir. “Aquele respeito” misturado com medo, se fazia presente.
Mas meu trabalho, enquanto os demais faziam tarefas pesadas no campo com lides
junto aos cavalos, eu estava sentado num escritório limpo e bem asseado! Que coisa boa!
Havia
um certo “status” dos praças que não pernoitavam nos alojamentos. Morar em qualquer “muquiço”
fora dali, dava um ar de superioridade mesmo que fosse por período bem curto!
O
Cabo Carrillo me convidou a “pousar” uns dias na casa de dois Sargentos nossos
conterrâneos e amigos (Celito e Itâner), ausentes por alguns dias! Isso era a glória!
Claro que aceitei pelas razões já exposta, além do mais, lá havia "até" geladeira com cozinha completa etc! Um sonho!
A
lembrar tempos anteriores das aventuras em Jaguari, com nosso “The Crasies Club”,
clube restrito a seis amigos, ativo até hoje, que toda vez que fazíamos
incursões às matas e ao rio, quem pilotava panela era eu. Aquela “bóia” invariavelmente
composta de “arroz com qualquer coisa!” Época de fartura tinha arroz com
galinha, desde que a penosa fosse resultante de furto! Galinha roubada sempre teve sabor especial, como nós já escrevemos aqui nesse blog, mesmo que o delito fosse contra ao pai de algum dos participantes!
O
comum, para justificar o fogo de chão, ainda que fosse no fundo do pátio da
minha própria casa, era o arroz com salsichas, de lata.
Não
imaginam o sabor desse prato "tão sofisticado". Talvez o cheiro da fumaça das
lenhas recolhidas no mato com que se fazia o fogo, ou o prazer de fazer seu
próprio jantar, tornava cada evento tão simples, numa delícia, um ágape de rara
comparação!
Voltemos
a Santiago na casa que nos acolheu graciosamente. Uma noite, olhando as
reservas da dispensa, “achei” uma lata de almôndegas. Ora, aqui também se
aplica o conceito de arroz com qualquer coisa... Pois fiz o tal de arroz com
almôndegas e ficou excelente. Fartamo-nos com um jantar, definitivamente muito superior
ao que teríamos no rancho do quartel!
Naquela
noite em meio ao sono profundo, acordei abruptamente com algo no interior dos
intestinos, disparado como se eu tivesse jantado um ensopado de lâminas de barbear! Talvez uma sopa de alfinetes! Corrida ao banheiro cuja descrição, me dou o direito
a omitir... E assim foi o resto da madrugada, por incontáveis vezes!
Ao
despertar na manhã seguinte para voltar ao Quartel, eu era um Soldado abatido, aniquilado,
apenas meio vivo. Chamei o colega:
- Carrillo, diga
ao Sargento Gibelino, que estou mal. Vou atrasar ao expediente!
- Má tu tá louco
tchê! Te alevanta e vamo embora! Dêxa de sê preguiçoso!
- Não "Cabo Véio," impossível! Não estou
em condições. Essa noite eu tive que...
Discorrida com a fiel descrição da "noitada sanitária", Carrillo se foi adiante... Lá
pela metade da manhã me senti recuperado, me fardei e fui para o Quartel. Na
caminhada até lá, meus pensamentos me consumiam por chegar tão tarde, que até
então, jamais tinha ocorrido um minuto de atraso. Eu era “Caxias” – termo usado
na Caserna a definir um Militar exemplar! – sinceramente temia alguma punição,
dado a postura sempre severa do meu chefe. Mas não tinha mais o que fazer. Eu
já estava condenado! No mínimo vou levar uma baita “mijada”! Se escapar de
alguma punição oficial e severa, já estou no lucro
Cheguei
na sua sala e ele sequer levantou seus olhos, apenas um rápido olhar sobre seus óculos e continuou escrevendo algo sem me
dar a mínima. Tomei “Posição de Sentido”, respeitosa continência e me
apresentei com todo vigor:
- Cabo 614 se apresentando
senhor!
- Cagou?
- Caguei, sim senhor!
- Então senta aí que tua mesa tá cheia de expediente te esperando!
Suspirei
fundo e feliz – acho que até ruidosamente – foi quando ele levantou o olhar e deu um
largo e raro sorriso, que eu nunca tinha visto, e retomei meu trabalho sem voltar ao
banheiro naquela manhã!
Cuidado ao fazer "arroz com qualquer coisa!" Pode dar errado!