quarta-feira, 29 de setembro de 2021

72) Quando Cantei uma Ópera no Exterior!


Antes da Ópera em si, que cantei no Peru, cabe a justificativa de uma mania que tenho, não chega a ser uma mania TOP, apenas um hábito de higiene razoavelmente saudável, mesmo estando muito frio que é o “Banho Diário! ” Essa é uma confissão, mas de fato fico muito incomodado quando não tomo meu banho antes de dormir, ou ao final da tarde.... Também é verdade, que essa mania foi adquirida bem depois do Serviço Militar, onde nosso alojamento não possuía água aquecida para o chuveiro. Banho frio no Inverno, o “convite a matá-lo" era frequente...

Março de 2002, Luigi, Jardim e eu, fizemos uma viagem a conhecer por meio rodoviário, a Bolívia e Peru. Chegamos em La Paz em voo Varig e seguimos até Lima de automóvel, conhecendo diversos sítios arqueológicos interessantíssimos, a cidade Copacabana, Puno  – a cidade flutuante do Lago Titicaca - e Cusco. A Catedral de Cusco, com sua edificação em pedras irregulares imensas, ajustadas com precisão milimétrica! Que se reserve um tempo para sentar a praça defronte esse Templo Maravilhoso e curtir como "pano de fundo", o visual dos Andes, sempre com música executada por algum Nativo com suas flautas mágicas e outros instrumentos de sobro e percussão, que encantam com seu triste tom! Só isso, vale a viagem!

Eu e Jardim tínhamos um objetivo bem focado: “El Grand Camino Inka!” Quatro dias completos de trilha com três pernoites caminhando de Ollantaytambo – uma fortaleza impressionante - rumo a Machu Picchu. Cada dia da caminhada em meio aos Andes tinha um desafio em particular, sempre ameaçador!

O primeiro por se tratar de um “aquecimento”, que por mais que se prepare para tal caminhada, somente lá é que percebemos que não foi o suficiente! A construção dessa trilha pelos Inkas, foi composta de algumas escadas rudimentares cujos degraus, alguns com mais de 60 cm, isso significa passadas "mui largas"!

O segundo dia, é unicamente ascendente! Não há nenhum degrau para descer! Somente subida o que resulta numa constante e torturante diminuição de oxigênio! Chega-se a 4.000 metros acima do nível do mar. Algo irrespirável, por outro lado, respira-se sim, mas mesmo enchendo o pulmão, não dá satisfação. É falta de ar constante. Cansa demais.

Na trilha, armam-se barracas para o sono, café da manhã, almoço, jantar e o transporte das coisas mais pesadas são executadas pelos “porteadores” – nativos da Região – que o fazem com incrível velocidade e desprendimento. Para receberem o pelotão de turistas que se arrasta, estão sempre a frente e nos aguardam com tudo preparado e boa antecipação. Esses porteadores são muito ágeis, nos ultrapassam correndo a carregar botijão de gás, panela, luminárias, mantimentos, tendas, barracas, estacas, etc, enquanto nós suados, gemendo e queixosos vamos lentamente adiante! 

As refeições, por incrível que pareça, são de primeira categoria: Entrada (creme de milho verde com natas), prato principal e até sobremesa, acompanhado sempre de chá verde! É primoroso! E eu preocupado com o banho!

Terceiro dia é o mais arriscado e o último, o quarto dia, se faz durante a madrugada/noite em total escuridão, numa trilha estreita costeando penhasco assustador. Nesse último dia, foi sob chuva fina e constante. Mas foi tudo, absolutamente tudo extremamente compensador quando o fim da missão acontece. O prêmio é assistir ao majestoso nascer do Sol em Machu Picchu! Todos os grupos, talvez uns dez, se assentam em completo silêncio para contemplar esse espetáculo da Natureza que acontece sob uma situação inebriante. Percebe-se que está próximo do amanhecer, no entanto o clarear do Sítio Machu Picchu é instantâneo! Abruptamente toda a cidade hora na sombra, como um flash, se ilumina por completo em fração segundos! O público, com mais de cem pessoas que o aguarda respeitosamente silencioso, emite um sonoro e emocionado "Hoooooo"! 
Irradiam-se junto ao Sol, numa alegria coletiva e contagiante. Uns se abraçam - afinal, a dolorosa caminhada está se encerrando - alguns choram e a emoção é de grande significado! Eu me entreguei às lágrimas num sentimento inexplicável de felicidade profunda e mágica!

Volto, ao encerrando da história do primeiro dia, que ao entardecer, fomos recebidos com lanche para mais tarde termos o jantar! Após o lanche, solicitei aos trabalhadores da nossa expedição – que lavavam pratos em uma torneira simples - se havia algum lugar que eu pudesse me lavar. Apontaram para uma “tapera”, restos de uma pequena casa de pedras abandonada, suas paredes em pé mas sem telhado, sem portas nem janelas, onde havia um banheiro nas mesmas condições de total abandono. Lá de fato tinha o espaço que no passado fora um banheiro. Um furo na parece com o resto de um cano que se abria por uma torneira despejando um generoso jato de água gelada. Água canalizada do derretimento de Neves, típicas dos altos dos Andes! Acabou minha preocupação com o banho!

A tática para o desafiador banho, foi respingando gotas de água por todo o corpo nu e passar o sabonete abundantemente! Chega o momento de tirar esse perfumado sabonete e dar o banho por completo. O frio, por estar numa “casa” totalmente aberta era rigoroso, ainda mais que naquele momento o Sol já se punha. Chegou a hora do que seria o pior momento do banho! Abri bem a torneira para um jato muito forte, enchi o pulmão de ar ao limite e fui para debaixo daquele perfurante jato de água muito gelada! Queria pedir socorro, mas achei melhor à pleno pulmão rasgando a garganta, o italianíssimo “Torna a Sorriento:

           - Vide ‘o mare quant’é bello;

spira tanto sentimento,

comme tu, a chi tiene mente,

ca scetato ‘o faje sunná...

Bom, não foi exatamente uma Ópera, mas as emoções que me envolveram,equivalem! Acreditem, funciona! Pois água naquela temperatura faz a gente gritar mesmo. O "romântico" desse momento foi que ao encerrar o último verso para respirar, ouvi muito perto, a voz de uma criança, com um “lá-lá-lá” a entoar a MINHA música! Daí em diante, eu cantava um verso e ele ecoava... Um espetáculo!

Foi nesse momento do desafiante banho, que considerei meu Conserto Internacional de Canto em meio aos Andes Peruanos! Tive plateia internacional, com pelo menos um peruano a compartilhar aquele momento lúdico, solene! Deixei a modéstia de lado e me aplaudi vigorosamente! Eu merecia!

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

71) Campanha Eleitoral para Prefeito!


As Campanhas Eleitorais no final da Década de Sessenta tiveram uma marca muito especial para mim. Lembro 1968, quando pela primeira vez que exerci o Direito do Voto, foi para Prefeito Municipal de Jaguari. Isso foi pouco menos de um mês antes de ser decretado (13 de Dezembro de 1968) o Ato Institucional n.5, que fechou Congresso Nacional e abriu novo período de repressão política. Nessa época não haviam partidos políticos, eram apenas “movimentos”. Então existia apenas o MDB & ARENA.

O mais marcante para mim foi na realidade, que meu irmão mais velho, o Sérgio Diefenbach era o candidato à Prefeitura Municipal da minha Cidade. Óbvio que me lancei na campanha com o maior entusiasmo político imaginável! Eu era muito próximo desse irmão, dividíamos até o quarto da nossa casa, e na alegria da juventude, tudo é divertido, tudo é festa! Dado ao Regime Militar da época, algumas proibições coexistiam com nosso dia-a-dia, um deles, era proibida a propaganda eleitoral. Alguns cartazes eram impressos “discretamente” nas gráficas da cidade, mas suas distribuições, muito às escuras.

Num determinado dia, juntei três amigos que comungavam com minha “decisão eleitoral” e fizemos uma forte ação de propaganda, colando cartazes e pichando com cal branca as calçadas e calçamento em paralelepípedo, de toda a avenida principal. Eram “chamadas” conclamando o voto em nome do Sérgio e de seu vice o Dr. Vielmo. Passamos a noite toda pintando, colando, colorindo festivamente a cidade!

Na manhã seguinte em casa, me deixaram descansando até mais tarde. Foi Sérgio quem me
acordou:

- Acorda guri! Ficou muito bonito o trabalho de vocês!

- É?! Deu bastante trabalho! Então valeu a pena!

- Sim valeu a pena! Mas tem um “porém”: - Fui chamado ao Diretório do Partido pelo Presidente, que recebeu Ordem do Juiz para retirar a propaganda colada e limpar as pinturas, já!

- Tu tá louco! Não faço isso nem que eu apanhe na cara!

- Minha candidatura será caçada!

- É?! Que merda! Vou convidar os mesmos amigos! Acho que eles topam!

E assim, o mesmo grupo que na noite anterior fazia um trabalho tão orgulhoso, extravagante, estava lá arrancando panfletos dos postes e lavando o solo com escova de chão polvilhando areia... Poucos, muito poucos mesmo, assistiam de passagem com um leve sorriso no rosto! Além da humilhação, já cansados, as vezes escorregava a mão e a esfregávamos no solo, esfolando como podem imaginar! Deitamos muito tarde, todos exaustos e aborrecidos!

Dia seguinte, fui poupado novamente a dormir até um pouco mais tarde! Sérgio foi quem teve “coragem” de me despertar novamente e já não me chamou de “guri”:




- Fausto. Temos um problema: Dessa vez eu fui chamado no Fórum!

- Hummmm... E daí?

- O Juiz disse que mandou “limpar o calçamento, não lambuzar o branco da cal! ”

- NÃO VOU! Voltei para casa com os dedos sangrando e esse desgraçado não gostou?! Que vá a merda! Esse juiz está maluco. Não vou nem que a vaca tussa!

- Minha candidatura será caçada!

- É? Será que ele terá coragem de...

- Tem sim!


- Bueno! Resta uma alternativa!

-É? Qual seria?

- Suicídio! Então vou que é mais fácil!

Mais uma noite inteira, fria e desolada a lavar ruas e calçadas da minha cidade. Dessa vez com apoio de outros amigos, mas não menos doloroso! Que coisa triste ver tanta autoridade de uns, em detrimento da alegria de outros...

Ano seguinte, me mudei para Porto Alegre para estudar, fazer Curso Superior e nunca mais me meti em atividade político partidária. Tenho as mesmas convicções de então, mas sem manifestações públicas, apenas voto! Também não disponibilizo meu nome para competir. Creiam-me, é muito mais simples, mais fácil!

Viva a Democracia! 

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

73) Doze de Setembro de 1999!


"Esse Doze de setembro" é de 1999, até parecido com o "Onze" de Setembro, mas de 2001! Ambos são acidentes graves, mas diferentes na essência. O Onze é a Tragédia Americana – talvez mundial – e o Doze é particularmente minha! Recordo agora aquele dia em que eu celebro à Vida! Pois nessa data eu fui “traído” pelo esporte que me apaixonei e me entreguei de corpo e alma, o Para-quedismo!

Minha História no para-quedismo, começa quando fui despertado para essa paixão inebriante pelo meu sobrinho Waldemar, que descobriu a “Escola Evolução de Para-quedismo”, a Escola do Lasiê! Entretanto foi seu pai, o Percy que ao telefone me contou indignado que seu menino faria essa loucura. Também fiquei indignado, entretanto no sentido contrário à do meu Mano! Quis participar e sem qualquer comentário, solicitei que passasse o fone a ele, e antes do tradicional alô, já falei quase gritando:

Vou junto!Também quero fazer!  Quando posso começar o treinamento?!

Fui, para decepção do meu mano! era 1995 e minha intenção era ter essa experiência de voar livre, sem asas nem motor. O curso contemplava sete saltos e fiz, morrendo de medo. Mas é um medo desafiador que enche de adrenalina cada célula do corpo! Continuei saltando “mais um pouco”, até fazer a assustadora "queda livre", que todos afirmavam, isso sim, é Para-quedismo! E de fato É!

Há medida em que aprendia um pouco mais, a altura da saída da aeronave aumenta e aumenta também o tempo de queda livre, obviamente com o para-quedas fechado! Isso evolui até 10.000 pés, equivale a uns 3.350 metros. A desafiante queda-livre se interrompe ao comando da abertura que deve acontecer ao atingir uns 4.000 pés.

Tornei-me um fanático pelo esporte e cancelei os prazos de encerrar a experiência. No auge do entusiasmo cheguei a viajar para Deland (EUA – Florida) para treinar. Foram dez dias para um novo posicionamento em queda-livre, a "Mantis Posicion - posição "louva-deus" . Saltos ocorriam em grandes aeronaves, com mais de vinte atletas e os saltos de até 17.500 pés. A queda livre supera a um minuto! Aquilo sim era um espetáculo à parte. 

Dediquei uma verdadeira paixão ao esporte e não tinha um final de semana que não fosse a Sapiranga - RS, para saltar. A única preocupação era a meteorológica. Observando para que tivesse um "Blue Sky" com poucas nuvens e vento moderado! Foram muitos gloriosos saltos e demonstrações pelo interior do Estado, fazendo show em campos de futebol e praças públicas! Tudo em nome do alegre divertimento que a apresentação de um visual colorido  lindo que os velames exibem no céu! Com isso, abrilhantavam-se os Festivais de Balonismo e festas diversas!

Em 12 de Setembro de 1999 eu tinha o cargo de Diretor de Marketing do Grêmio Futebol Porto-Alegrense (depois Conselheiro, que sou até hoje) Na ocasião da celebração dos 96 anos do Clube, coincidentemente se abria naquele ano, o Campeonato Brasileiro com um Gre-nal no Estádio Olímpico. Aproveitando os festejos, programei um salto em pleno campo da disputa. Junto com três colegas mais próximos (Padado, Vídeo e Chimenez), fomos fazer a demonstração. A CBF autorizou o poso até quinze minutos antes do começo do jogo. Decolamos em um Cessna-205 de Sapiranga e no horário autorizado, saltamos aos 8.000 pés para uma rápida queda-livre e o comando de abertura de coloridos e alegres velames, expostos ao Estádio lotado de torcedores.

Velame aberto num domingo maravilhoso e ensolarado, tive as melhores emoções vividas no esporte. Algo raro foi avistar, há uns três quilômetros, a Esquadrilha da Fumaça da FAB, fazendo suas manobras no Hipódromo de Porto Alegre. Oportunidade única de ver essa demonstração “de cima”, pois eu estava bem mais alto do que a Esquadrilha!

Olhando para baixo via o Estádio “rugindo” de ansiedade pois o jogo estava a começar. Curioso, foi de tão alto, sentir o cheiro de churrasquinho que é vendido nas cercanias do Estádio. Adrenalina em alta, os sentimentos ficam mais aguçados e a percepção se multiplica!

O imperdoável, é que com toda essa "percepção mais desenvolvida", me distrai com o espetáculo e cometi uma série de pequenos erros de navegação, que me afastaram do alvo, o círculo central do campo. Tive que fazer um pouso de emergência, fora do Estádio. Estressado, percebendo a imperdoável sequência de erros, fiz o mais grave dos erros, uma curva muito forte para o pouso e meu velame “estolou”! Bati no solo com grande velocidade causando fraturas expostas no calcanhar e fêmur esquerdo e o fêmur direito com fratura cominutiva partindo-o em dezoito peças!

Vinte e dois dias hospitalizado, fisioterapia por ano e meio e aos poucos a habilidade do simples caminhar foi voltando. Não imaginam a alegria que desperta, levantar de uma cadeira de rodas e caminhar “parecido” com uma pessoa...

A Família integralmente comentava durante a convalescência:

- Agora chega né! Isso foi um "aviso"!

- Não. Eu volto a saltar! Podem apostar!

Semana passada discorri nesse blog, sobre “El Grand Camino Inca” que fiz acompanhado do Jardim, e que esse era o nosso objetivo. Entretanto o MEU objetivo, era fazer o “Camino”, que me daria alta das deficiências geradas pelo acidente. Pois a determinação e imensa Força de Vontade de um homem de 50 anos fez, três anos dois meses e três dias após o acidente, estar num Encontro de Para-quedistas do Mercosul, em Salta – Uruguai, voltando a voar, sem asas, sem motor!

Como disse inicialmente, fui traído pelo para-quedismo. Tantas alegrias por tanto tempo, para depois mergulhar numa tristeza profunda, depressão, por tantas incapacidades geradas. Mas toda grande dor, propicia grande ensinamento e geração da verdadeira Sabedoria. Sabedoria aquela que não se obtém na escola, somente na Vida em seu dia-a-dia comum e em especial aos dias excepcionais! Portanto creio que em um amor profundo, o perdão se faz presente! Então, perdão concedido, para ainda dar mais uns 30 saltos pós acidente, totalizando uns 350 para aí sim, abandonar em definitivo o para-quedismo!

Hoje quando sinto o cheiro de querosene ou da gasolina de aviação “queimando”, vem uma grande “saudade boa” de um período em que aproveitei, vivi intensamente todas as fortes emoções que fazem as nossas vidas e produzem mais valor ainda e que nos dá o direito de fechar os olhos prontos a dormir, agradecer ao Criador, por tudo o que tive e a cada passo que dei na Senda da Felicidade!  

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

70) O Envolvente e Complicado Serviço Militar!

A imprensa dos dias atuais toma a Liberdade – e ela tem direito suficiente para isso – de criticar ações Militares pelo Mundo afora. Seja no conflito que hoje eclode no Afeganistão até a provável participação política no Brasil. Nas Grandes Guerras Mundiais em seu rescaldo, Países sempre serão castigados por anos, aquele que foi derrotado, passa a ser o “bandido” da História e o vencedor o “mocinho”! Sempre foi assim e continuará sendo, gostemos ou não.

Cumpri meu Serviço Militar Obrigatório em 1967, no Quarto Regimento de Cavalaria de Santiago-RS, o Quarto RC, precisamente no período em que nossa Nação era governada por Militares, que uns chamam de Ditadura Militar. Muda o título apenas por questão de escolha que não cabe aqui discutir.

Enquanto fardado, vi claramente aos olhos do povo, o respeito, talvez o medo estampado em seus olhos.

Talvez pela idade, lembro com muita saudade daquele ano em que mais fiz trabalhos forçados, sofri as agruras de ter sob a cabeça um superior extremamente exigente e forte, entretanto foi o ano que mais ri e me diverti em toda Vida. Todo lado negativo, era amplamente superado pelo prazer do companheirismo, solidariedade, parceria, disciplina e socorro mútuo. Só vivi algo assemelhado no para-quedismo!

Incorporei como Soldado Raso e me dedicando um pouco, promovido a Cabo do Exército e aí minha vida na Caserna mudou bastante. “Hábil em datilografia”, fui trabalhar como Auxiliar do Sargenteante, o Segundo Sargento Gibelino Minuzzi. Militar sério, concentrado que nunca sorrir. “Aquele respeito” misturado com medo, se fazia presente. Mas meu trabalho, enquanto os demais faziam tarefas pesadas no campo com lides junto aos cavalos, eu estava sentado num escritório limpo e bem asseado! Que coisa boa!

Havia um certo “status” dos praças que não pernoitavam nos alojamentos. Morar em qualquer “muquiço” fora dali, dava um ar de superioridade mesmo que fosse por período bem curto!

O Cabo Carrillo me convidou a “pousar” uns dias na casa de dois Sargentos nossos conterrâneos e amigos (Celito e Itâner), ausentes por alguns dias! Isso era a glória! Claro que aceitei pelas razões já exposta, além do mais, lá havia "até" geladeira com cozinha completa etc! Um sonho!

A lembrar tempos anteriores das aventuras em Jaguari, com nosso “The Crasies Club”, clube restrito a seis amigos, ativo até hoje, que toda vez que fazíamos incursões às matas e ao rio, quem pilotava panela era eu. Aquela “bóia” invariavelmente composta de “arroz com qualquer coisa!” Época de fartura tinha arroz com galinha, desde que a penosa fosse resultante de furto! Galinha roubada sempre teve sabor especial, como nós já escrevemos aqui nesse blog,  mesmo que o delito fosse contra ao pai de algum dos participantes!

O comum, para justificar o fogo de chão, ainda que fosse no fundo do pátio da minha própria casa, era o arroz com salsichas, de lata.

Não imaginam o sabor desse prato "tão sofisticado". Talvez o cheiro da fumaça das lenhas recolhidas no mato com que se fazia o fogo, ou o prazer de fazer seu próprio jantar, tornava cada evento tão simples, numa delícia, um ágape de rara comparação!

Voltemos a Santiago na casa que nos acolheu graciosamente. Uma noite, olhando as reservas da dispensa, “achei” uma lata de almôndegas. Ora, aqui também se aplica o conceito de arroz com qualquer coisa... Pois fiz o tal de arroz com almôndegas e ficou excelente. Fartamo-nos com um jantar, definitivamente muito superior ao que teríamos no rancho do quartel!

Naquela noite em meio ao sono profundo, acordei abruptamente com algo no interior dos intestinos, disparado como se eu tivesse jantado um ensopado de lâminas de barbear! Talvez uma sopa de alfinetes! Corrida ao banheiro cuja descrição, me dou o direito a omitir... E assim foi o resto da madrugada, por incontáveis vezes!

Ao despertar na manhã seguinte para voltar ao Quartel, eu era um Soldado abatido, aniquilado, apenas meio vivo. Chamei o colega:

- Carrillo, diga ao Sargento Gibelino, que estou mal. Vou atrasar ao expediente!

- Má tu tá louco tchê! Te alevanta e vamo embora! Dêxa de sê preguiçoso!

- Não "Cabo Véio," impossível! Não estou em condições. Essa noite eu tive que...

Discorrida com a fiel descrição da "noitada sanitária", Carrillo se foi adiante... Lá pela metade da manhã me senti recuperado, me fardei e fui para o Quartel. Na caminhada até lá, meus pensamentos me consumiam por chegar tão tarde, que até então, jamais tinha ocorrido um minuto de atraso. Eu era “Caxias” – termo usado na Caserna a definir um Militar exemplar! – sinceramente temia alguma punição, dado a postura sempre severa do meu chefe. Mas não tinha mais o que fazer. Eu já estava condenado! No mínimo vou levar uma baita “mijada”! Se escapar de alguma punição oficial e severa, já estou no lucro

Cheguei na sua sala e ele sequer levantou seus olhos, apenas um rápido olhar sobre seus óculos e continuou escrevendo algo sem me dar a mínima. Tomei “Posição de Sentido”, respeitosa continência e me apresentei com todo vigor:

- Cabo 614 se apresentando senhor!

- Cagou?

- Caguei, sim senhor!

- Então senta aí que tua mesa tá cheia de expediente te esperando!

Suspirei fundo e feliz – acho que até ruidosamente – foi quando ele levantou o olhar e deu um largo e raro sorriso, que eu nunca tinha visto, e retomei meu trabalho sem voltar ao banheiro naquela manhã!

Cuidado ao fazer "arroz com qualquer coisa!" Pode dar errado!

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

69) O Relacionamento Comercial “Daquela Época”!


Há duas semanas escrevi um conto em minhas crônicas, historiando sobre o tipo de comércio que tínhamos em pequenas cidades do interior desse Brasil. Dos antigos balcões sobrepondo tulhas com seus produtos a vender, à balança com pesos de chumbo.

Recebi comentários – também inseridos no blog – de que já vivenciaram, trabalharam ou simplesmente lembraram daquele “modus”, depondo que bairros, mesmo de cidades grandes e até em capitais, essa prática era comum.

Minha vida acadêmica na Capital, foi em busca de desenvolvimento intelectual nessa desafiante área, o Marketing. Depois de cursar Administração de Empresas, estive na UFGRS fazendo um Pós-Graduação precisamente nessa matéria que sempre me encantou! Hoje refletindo a maneira como operavam meus avós e meu pai, vejo quanta Sabedoria tinham! Meu primeiro trabalho, não emprego, foi justamente ajudando “seu Waldemar”, meu pai no atendimento a clientes na venda de calçados e cigarros, esses, no atacado pois representávamos o fabricante gaúcho, a Cia. De Fumos Santa Cruz.


Uma única palavra define com precisão, o conceito de Marketing e seu foco no ponto mais relevante: Relacionamento! Meu “Velho” era um mestre nisso. Muitas vezes eu me irritava com sua paciência e tranquilidade no atendimento do mais chato dos clientes. Hoje uma verdade da época é muito contestada que se traduz na frase: "Cliente sempre tem razão!”

Volto a Jaguary, minha Terra Natal, para uma Crônica tratando daquela primeira metade do Século Vinte.

O transporte era majoritariamente animal, com seus cavalos, carroças e carretas às vezes tracionadas até por bois, dependendo do peso a ser carregado. Transportes entre cidades, esse sim, via trem, pois nosso modal ferroviário era muito superior ao atual, lamentavelmente!

Uma característica interessante, é que em toda a “Casa Comercial” disso ou daquilo, é que defronte ao prédio, diferente das sinalizações para estacionamento de carros de hoje, eram afixadas algumas traves de madeira, onde se amarravam os animais em trânsito. O comprador amarrava a rédea de seu animal ali e ia às compras. Isso poderia levar horas, então lá onde os animais ficavam por todo esse período, era o lugar de “suas necessidades”, o que gerava uma inconfundível “fragrância” de esterco por demais conhecido. A higienização do local, ficava por conta de próxima chuva...

Meu “Tio José”, cujo estabelecimento comercial – diziam ser forte -  focava tecidos, roupas, calçados e mais algumas coisas para uso pessoal. Da mesma forma como o armazém do meu avô, relatado há duas semanas, a ritualística de atendimento do pessoal do interior era a mesma, as vezes até mais completa, incluindo um “quartinho”, separado da Família, entretanto com banheiro comum, de todos!

Pois Tio José teve um cliente vindo de longe, que obrigado a ficar na cidade até o dia seguinte, por lá se hospedou! O delicioso dessa ocasião, (delicioso unicamente de ser

contado, não o de ser vivenciado...) foi quando ao amanhecer, surge o hóspede sorridente que dá seu tradicional “bom dia” ao tio José, fazendo com a boca aqueles ruídos de pressão interdental! Aquele ruído que conhecemos quando alguém nada discreto palita os dentes e ajuda a remoção dos restos da mastigação, com o repugnante som dessa pressão exercida...

- Buenas, seu José!

- Bom dia senhor Fulano de Tal!

 Meu tio era muito polido e respeitoso, tratava todos, mesmo sendo mais jovens do que ele, com o “senhor” usando o nome completo da criatura! Digamos, mantinha um distanciamento apropriado, para a evolução dos negócios, que é sempre recomendado.

- Seu José, muito boazinha sua escova!

- Como?

- Eu disse que é muito boazinha a sua escova de dentes!


- Ah! Muito obrigado! Gostou é?! Podes ficar com ela, é sua, um presente da Casa!

- Não seu José, eu não queria abusar da...

- Já disse: A escova é sua!

A despeito de todo o constrangimento do meu tio, o cliente aceitou o mimo ainda sorrindo, contente! Digamos que o custo daquela hospedagem não foi muito agravado, afinal uma escova de dentes cedida exige baixo investimento. Valeu para a riqueza do folclore e da inocência das pessoas da época!

Concluindo e para regozijar meu enriquecimento cultural, pois fui por doze anos Professor de Marketing na Faculdade de Análise de Sistemas da PUCRS, ocasião em que praticamente decorei o livro “Marketing Básico – Fundamentos”, de Cundiff, Still & Govoni, que foca intensamente no dever do Professor: “Antecipar ao aluno aquilo que lhe será ensinado, proceder ao ensino e, subsequentemente, repetir a síntese dos ensinamentos ministrados! ” Entretanto, creio que ficou para trás uma recomendação que faço HOJE: “Tenha sempre uma escova de dentes de reserva! ”