114) Se tem Marcas no Corpo, tem Histórias para Contar!
Período
mais forte da minha vida, das maiores emoções e vibração, aconteceram no
excitante paraquedismo por meia década. Minha iniciação, contei na Crônica
anterior, número 113, com o título Paraquedismo: - Emoção sem Limite!
Esporte
inebriante, mas que “custa caro”, não só pelas despesas de viajar até onde há
uma área adequada – geralmente pequenos aeroportos – no meu caso, relativamente
próximo, em Sapiranga-RS há 62 km da minha casa. Obter um equipamento completo e novo, o investimento é de uns U$ 5,000.00. Depois os custos de uso como dobragem, despesa do voo em pequenas aeronaves que sobem até 10.000 pés, taxa do
aeroporto e por aí vai.
Em
contrapartida nunca frequentei um esporte com tamanho espírito de solidariedade
entre os atletas. A preocupação com o outro é permanente e de invejável fraternidade.
As vezes se está voando e isso acontece numa cabine de mínimo espaço. Fica-se
literalmente amontoado dentro da aeronave, pois a exigência de melhor ocupar
cada espaço é fundamental. As vezes se sente que alguém está mexendo no seu
equipamento pelas costas. É uma presilha solta ou mal colocada que o colega
está arrumando. Nem olha para trás para ver quem ou oque está fazendo, nem agradecer,
tão natural é tal procedimento...
Em
12 de setembro de 1999, eu era Diretor de Marketing do Grêmio Futebol
Porto-alegrense e essa data, comemoração dos 96 anos do Clube, tinha Grenal pelo
“Brasileirão”. Em meio aos festejos, programei uma festiva demonstração de paraquedismo no Estádio Olímpico. A ideia era simular a entrada em campo dos atletas, através de onze paraquedistas fardados como os atletas do jogo. Matéria alvo de reportagem da RBS TV, aqui divulgado há duas semanas nesse canal.
Foi num belo domingo ensolarado, mas que alguns problemas ocorreram: Primeiro lá em Sapiranga de
onde decolaríamos, a bordo de uma aeronave Bandeirante Embraer, com os onze paraquedistas - um time completo - até nosso alvo, o centro do gramado do Estádio Olímpico. Essa aeronave viria de Cachoeira do Sul, mas o danado não apareceu. Teve uma pane qualquer o que me deixou furioso, muito estressado pois nem me avisou de seu imprevisto.
Sem avião adequado contratei um Cessna 180, (trem de pouso não retrátil),
sempre disponível na Área, mas com lugar para apenas quatro paraquedistas. Convidei Padado, Vídeo e Chimenez a me acompanharem!
Documentação
em dia com NOTAN para sobrevoo a 7.000 pés até às 16:00 hs. sobre o bairro Azenha,
permissão para pousar no campo de jogo pela CBF até 15hs45min. Acertado entre
nós uma separação vertical na queda com comando de abertura de 500
pés entre um e outro, a evitar risco de colisão e lá fomos nós!
Voamos até o estádio. Eu com a terceira posição para comandar abertura e saltamos! Caindo a 250 km por hora, comandei a abertura aos 4.000 pés. Velame aberto, voo
limpo, mas eufórico com tamanha beleza ao ver lá de cima tantos encantos! O prateado rio
Guaíba, à minha esquerda bem abaixo a uns três km, voava a Esquadrilha da Fumaça
em demonstração no Hipódromo do Cristal. Privilégio único de ver a Esquadrilha de cima! Visão encantadora! Aos meus pés, um Estádio lotado com curioso rugido grave das torcidas! Cheiro de “churrasquinho" assado às dezenas ao redor
do Estádio! Momentos deslumbrantes que me entorpeceram de tamanha euforia, indescritível! Aí veio o salto do maior custo:
Entorpecido?
Sim! Emocionado a perder o fôlego e perigosamente perdendo o foco. Erro grave, imperdoável. Me dei
conta tardiamente do afastamento exagerado do alvo, o círculo central do campo. Retorno rápido sobre a Rótula do Papa e início da "rampa", último trajeto de navegação ao pouso em que não se muda mais a direção de voo. Estava baixo demais. Deveria estar a 500 pés e não estava. Não olhei mais para o altímetro. Concentrado na muralha do Estádio que subia ameaçadoramente, ele emergia diante dos mim. Prenúncio de desastre se deu ao não avistar mais o gramado do interior do Estádio. Somente sua cobertura. Me dei conta de que perdera a altura suficiente para chegar até lá! Que merda!
Sinceramente, dado a velocidade dos acontecimentos, nem tive tempo para pânico! Curva radical para pouso alternativo no campo suplementar, mas curva tão
radical que o velame "estolou"! Vazio, sacolejou como um lençol ao varal, todo enrolado sem sustentação despenquei! Voando acima dos holofotes, direto ao chão! Lembro exclamar Meu Deus, um grito desesperado! Tudo ficou absolutamente escuro! Como num sono profundo!
Segundos de silêncio, nem sei quanto tempo se passou mas acordei feliz, contente e sem qualquer dor, ainda! Ao ver socorristas correndo em minha direção, me
dei conta de que tinha pousado sim e de que estava vivo! Daí a alegria toda, mas de conclusão vexatória. Um pouso desastrado e digno de uma vergonha no nosso meio, impagável.
Para que o vexame não fosse tão chamativo, decidi levantar rapidamente a
disfarçar a má habilidade do pouso de um “manicaca”! (Termo pejorativo de paraquedista pouco hábil, como “barbeiro” para motoristas!)
Entretanto,
minhas pernas muito leves, não me atendiam! Diante
disso, percebi uma lasca do meu fêmur esquerdo para fora da perna ensanguentada. Meu calcanhar direito também cheio de sangue com fratura exposta.
Depois no hospital, constatado que também no fêmur direito uma fratura cominutiva, quebrado em dezoito peças.
Resultado de uma batida forte numa pequena área de areia fofa, onde atletas fazem fisioterapia. Haviam sim algumas “alternativas involuntárias” de pouso fatal ao bater num automóvel, no muro e até em fios de alta tensão da região. Aí, pura sorte ou Salvação que o Criador me Abençoou!
Em caso de três fraturas graves, perde-se uns três litros de sangue, por conta disso, falta sangue no cérebro o que ocasiona lapsos mentais. André, meu sobrinho postado dentro do campo de jogo, a recolher meu equipamento após o pouso, me telefonou enquanto deitado na areia, (foto jornal acima) e por alguns momentos não o reconhecia, questionando idiotamente "quem era"! A grande ameaça era daquela hemorragia, causar uma parada cardíaca...
O trânsito até o Pronto Socorro foi outra epopeia. Homero Bellinni me acompanhou segurando uma das portas do veículo, já que a maca, incrivelmente MAIOR que seu espaço no interior do ambulância. Novos lapsos de memória, mais de uma vez questionei o que tinha acontecido...
Resultados: 1) Meu dia de fama, com reportagem em dois jornais da Capital e uma aparição na TV! 2) Vinte e dois
dias hospitalizado no Hospital Mãe de Deus, colocação de uma placa intrafemural de 48 cm. [tenho-a até hoje], dois pinos de 20 cm. no pé, uma haste no fêmur direito e treze parafusos. Três
meses de convalescência em casa, cadeira de rodas,
muletas, bengalas e dezoito meses de fisioterapia. Marcas? Sim. São cicatrizes "tatuadas" pelas pernas e no pé direito!
Finalmente recuperado, passei a contar o tempo de reabilitação, como contam os que deixam de fumar: - "Três
anos, dois meses e três dias depois do acidente", subi a 14.000 pés em Salto no Uruguai, sem parafusos e pinos e voltei a saltar! Trouxe de volta a emoção e alegria
de viver intensamente, ainda que reprovado pelos amigos e parentes de bom senso! Mas como “todo
o alemão”, sou muito teimoso... Hoje, aposentado das desafiadoras alturas e nessa crônica encerro o assunto do paraquedismo!