quarta-feira, 28 de junho de 2023

 117) O Mundo dos Negócios!



Na minha Terra Natal, tinha um senhor de seus quarenta e poucos anos, descendente de italianos - que poupo revelar seu nome - que se vangloriava de sua competência em negociar, graças às origens europeias e especialmente de seu sangue proveniente “da Bota”, ao extremo Sul do Continente Europeu.

O pobre filho de Imigrantes Italianos, tinha um encurtamento intelectual significativo e o raciocínio lógico um tanto emperrado, que lhe impunha severos limites cognitivos, se é que me entendem...

Era um tipo pobre, muito pobre – sustentado pelos filhos – profissionalmente dedicado a venda de produtos da colônia a trazer para a cidade, com grande sacrifício físico, já que não dispunha de veículo adequado. Na verdade, veículo nenhum.... Transporte portanto, era no lombo de um cavalo magro. Época em que as feiras e supermercados inexistiam por lá. Então, fazia uma interessante busca de produtos coloniais, que de forma direta facilitava de verdade a vida daqueles que plantavam, criavam galinhas, etc... Ajudava também trazendo oportunidade do pessoal da Cidade em ter bons e frescos produtos do Interior! Atividade muito útil e de grande valor comunitário, sobravam méritos em sua atuação comercial. Não nego!

Eram legumes, verduras, frutas, salame, mel, rapaduras, ovos, doces e até galinhas vivas. Cada semana aparecia com alguma novidade e até o de agenciar cargas de lenhas para fogão. Uma coisa, jamais deixou de trazer e atribuía seu “melhor nicho de mercado”: - Ovos frescos! Todos envoltos em palha de milho seca com a garantia pessoal de alta qualidade! Cuidava do produto com extremo zelo, não só pela fragilidade do material, mas por um amor extremo pelos tais “Ovos da Colônia”, hoje chamados de ovos caipiras!


Um dia foi questionado do resultado financeiro de suas operações com ovos, por exemplo, já que naturalmente ocorriam algumas quebras e o prejuízo era claro. Diante disso revelou a razão de seu apego comercial por aquele produto:

- É que compro os "melhores ovo" do interior! Compro e pago à vista cento e vinte pila à grosa, tchê!

- Mas péra ai um pouquinho! Paga cento e vinte pilas por doze dúzia de ovos, isso dá dez pila à dúzia e é exatamente o preço que tu vende aqui na cidade, vivente! Então não ganha nada! Que bons negócios são esses, seu burro!

Com tal advertência severa de lucro zero o fez sério, pensativo, taciturno, mas apenas por alguns segundos e assim de pensativo sem resposta, veio na sequência um largo sorriso desdentado mas absolutamente vitorioso e, com sua resposta cheia de firmeza e convicção absoluta:

- Mas é claro que eu sei disso, seu moço. No entretanto, quero é me manter no Intrincado Mundo dos Negócio! Eco!

Venceu! Difícil a vida de um Consultor, ainda mais quando gratuito! Diante de convicção tão clara, embora falsa, impossível reverter tão firme posicionamento! Resumindo: - Não se deve negar jamais, a alegria de um negociante com tão clara honestidade de propósitos!

quinta-feira, 22 de junho de 2023

 116) Coincidências e Equilíbrio entre “The Crasies!”

 

Volto a recordar os bons tempos da criação do “The Crasies Club” e sua longevidade, pois ultrapassamos meio Século de efetiva e duradoura amizade. Como já escrevi, éramos seis cuja semelhança entre as partes era nula se não considerássemos a vontade de permanecermos fortes amigos. Creio que isso se fez ser duradouro, quando temos opiniões diferentes e por conta disso boas razões para continuar conversando, literalmente trocando ideias e enriquecendo com tudo o que acontece ao nosso redor.

Por outro lado, havia um equilíbrio de sentimentos e preferências antagônicas entre nós. Até nos “sentimentos clubísticos”, nota-se num Estado como o Rio Grande do Sul, que quando se quer usar um termo de radicalização, adjetiva-se a palavra “grenalização”! Pois dos seis, três colorados e três gremistas! Entretanto sem fanatismos acordamos que o assunto futebol jamais seria discutido entre nós, até porque, todos com apenas uma exceção, não passavam de meros torcedores, por que jogar futebol para nós, a bola era quadrada... Já o Xé, jogava muito, habilidoso, chute forte e desconcertante em seus dribles mágicos!

Partidos Políticos a mesma proporção, 50% de Direita e 50%  esquerda. Da mesma forma assunto levemente tangenciado sem aprofundamento, até porque, de março de 1964 em diante esse assunto era muito delicado se discutir, pelo menos abertamente.

Mesmo em se tratando de adolescentes, creio firmemente que conduzíamos nossa relação com Sabedoria Madura, pois a ênfase era focada nas coisas que apreciávamos conjuntamente e as unanimidades eram muitas. Não existia parceria mais aliada às aventuras no Rio Jaguari – em especial nas épocas das ameaçadoras cheias – que não se restringia a nadar em águas revoltas e perigosas, mas o uso dos “barrancos”, pontes e árvores à margem, para saltar de alturas cada vez mais ameaçadoras.

Cabe ressaltar que saltos não eram de preferência unânime, alguns dos parceiros negavam o desafio de “voar” em direção a água... Lembrando que a física nos adverte, quanto mais alto o salto, “mais dura” se torna a água! O impacto a uns dez metros de altura, resulta como uma verdadeira paulada no coco da cabeça. Eu adorava isso e já dava para desconfiar que um dia, muitos anos mais tarde, fosse praticar para-quedismo! Incursões ao morro O Belisco e seu subsolo, quando o desafio era explorar as cavernas naturais formadas em meio a densa mata nativa.

Cabe registrar com entusiasmo, a maior, mais contundente coincidência de desejo comum: A “bóia” e os bailes, "até mesmo" os de Carnaval! Todos magros – com exceção do Gordo, que "incrivelmente" era gordo – mas todos de um apetite invejável. Interessante que nessa época não éramos afeitos ao churrasco, mas sempre a um “arroz com qualquer coisa”! Tempo em que nossas mesadas não eram milionárias – daí também a falta de prestígio do churrasco -  éramos na verdade um bando de duros. O arroz com salsichas era infalível e providencial, logicamente pelo seu baixo investimento... Fogo de chão na ilha do rio Jaguari, nas suas margens ou ainda no galpão da minha casa, que servia de garagem para o caminhão da Família.

Luxo mesmo, era o Arroz com Galinha – que aprecio até hoje sem moderação – mas só era viabilizado em raras ocasiões, geralmente dependendo de algum furto do “objeto central”, também em Família! Jaguariense que disser nunca comeu um arroz com galinha roubada, também chamada de “galinhada”, grande possibilidade de estar mentindo... Hábito comum e marcante na cidade naqueles alegres tempos. Os organizadores, não só os Crasies, mas de diversos grupos de jovens e alguns de homens maduros e até já casados adoravam essa molecagem. O fundamental era o de convidar a vítima do furto ao jantar! Sempre com muito vinho Chapadão ou Jaguari – pratas da casa - queijo ralado, salada de radiche com rúcula as vezes até temperados com bacon! Discursos no final e tão somente no encerramento a confissão e agradecimento ao dono das “penosas” furtadas ali presente!


E os bailes! Ah, os bailes! No Clube União ou Clube Sete, mas o melhor mesmo eram os inesquecíveis "Bailes da Praia! Organizadores, sem nenhum fim lucrativo e até com prejuízos, montavam um tablado sobre o rio e lá aconteciam por duas noites seguidas, com Orquestras padrão Cassino de Santa Cruz do Sul, se dançava até próximo ao amanhecer! Nestes encontros sociais onde o dançar aproximava fisicamente os casais, mesmo os mais tímidos, aconteciam os namoros, noivados e muitos casamentos! Até filhos? Definitivamente não. Época em que o namoro raramente produzia gravidez precoce... 


Assim se celebrava a forte amizade da comunidade numa pequena e fraterna Cidade, há 400 km da Capital, Porto Alegre, até 2012, enquanto o Clube era completo! Resta no meu peito uma saudade imensa da juventude e dos bons tempos vividos com familiares, amigos e conterrâneos de muito boa cepa!


quinta-feira, 15 de junho de 2023

 

115) A Onça do Borracheiro em Porto Alegre.

 

Lá pelo início dos Anos Setenta, havia um borracheiro em Porto Alegre, que tinha como animaizinhos de estimação um Leão e uma Onça Pintada, o Leopardo, ambos animais Adultos! Ele andava pelas ruas da cidade num Jeep antigo sem capota, com seus dois amigos domesticados a bordo. A Onça tranquilamente sentada no banco do carona e o Leão, por ser maior, no compartimento traseiro do veículo, ambos na maior tranquilidade do mundo a passear como dois adolescentes faceiros, com aplauso de quem os via no trânsito!

Um dia eu passava na avenida Júlio de Castilhos de carro, vendo um grupo de curiosos à beira da calçada, percebi que era ali a tal borracharia! O povo estava atraído pela presença dos animais acorrentados naquele local. Parei, estacionei e fui lá para ver de perto aquela curiosa atração! Afinal de contas tirando o Jardim Zoológico ou Circo, não é tão fácil se aproximar desses felinos tão raros e ferozes!

O dono dos bichinhos trabalhava concentrado desmontando uma roda com pneu furado, enquanto havia um senhor cujo filho de uns dez anos queria tocar na Onça e o borracheiro dizia:

- Não tenha medo. Ele é bem mansinho!

No entanto o menino não levava muita fé naquela afirmação! Ameaçava tocar e recuava, o isso não dava confiança ao animal. Eu, cheio de coragem e determinação vendo o animal deitado a se lamber a perna sem dar a mínima para o menino, encorajei o garoto:

- Não faça movimento que pareça ameaça. Se quer tocá-lo, tem que fazer com decisão firme e forte!

E mostrei na prática de como se faz e dei um corajoso toque de carinho na cabeça da onça! Ao ser tocada, ela respondeu na velocidade da luz virando sua cabeça e abraçou meu antebraço abocanhando-o por inteiro, envolveu "o alvo" num abraço por completo sem chance de qualquer movimentação de fuga; – esse felino tem ampla articulação nas patas dianteiras compostas de dois pulsos ou dois cotovelos –  a "mordida" foi sem força, digamos uma mordida suave. Sem me ferir, entretanto ficou movimentando sua mandíbula como se estivesse me mastigando... 

Minha única reação – eu acho – foi o de arregalar os olhos ao extremo da cavidade ocular! Na época eu não era careca, pois não só os cabelos da cabeça, mas do corpo inteiro ficaram em pé. Um arrepio gelado percorreu a espinha dorsal da nuca até lá onde a coluna perde a vergonha....

Diante da presença de umas quinze pessoas que riram a vontade da minha “reação capilar” e instantânea coloração pálida! Olhei para o menino e balbuciei vitorioso:

- Viu como se faz?

Na sequência, com a garganta seca, não emiti mais nenhum som vocal! Tirei lentamente o braço de dentro da boca do felino e tentei falar mais alguma coisa mas balbuciava apenas um chiado de garganta seca. Voltei para o carro e resolvi o probleminha com a voz ao tomar alguns goles de água! Braço com inesquecível "riscado” em vermelho, mas sem nenhum sangramento que preocupasse. 

Depois dessa gloriosa experiência, valorizo cada vez mais a inteligente separação que a grade impõe à exposição desses interessantes animais, mas no Zoológico! Ah! Aprecio muito vê-los em filmes também, garanto que é significativamente mais seguro!




 

 

quinta-feira, 8 de junho de 2023

 114) Se tem Marcas no Corpo, tem Histórias para Contar!


Período mais forte da minha vida, das maiores emoções e vibração, aconteceram no excitante paraquedismo por meia década. Minha iniciação, contei na Crônica anterior, número 113, com o título Paraquedismo: - Emoção sem Limite!

Esporte inebriante, mas que “custa caro”, não só pelas despesas de viajar até onde há uma área adequada – geralmente pequenos aeroportos – no meu caso, relativamente próximo, em Sapiranga-RS há 62 km da minha casa. Obter um equipamento completo e novo, o investimento é de uns U$ 5,000.00. Depois os custos de uso como dobragem, despesa do voo em pequenas aeronaves que sobem até 10.000 pés, taxa do aeroporto e por aí vai.

Em contrapartida nunca frequentei um esporte com tamanho espírito de solidariedade entre os atletas. A preocupação com o outro é permanente e de invejável fraternidade. As vezes se está voando e isso acontece numa cabine de mínimo espaço. Fica-se literalmente amontoado dentro da aeronave, pois a exigência de melhor ocupar cada espaço é fundamental. As vezes se sente que alguém está mexendo no seu equipamento pelas costas. É uma presilha solta ou mal colocada que o colega está arrumando. Nem olha para trás para ver quem ou oque está fazendo, nem agradecer, tão natural é tal procedimento...

Em 12 de setembro de 1999, eu era Diretor de Marketing do Grêmio Futebol Porto-alegrense e essa data, comemoração dos 96 anos do Clube, tinha Grenal pelo “Brasileirão”. Em meio aos festejos, programei uma festiva demonstração de paraquedismo no Estádio Olímpico. A ideia era simular a entrada em campo dos atletas, através de onze paraquedistas fardados como os atletas do jogo. Matéria alvo de reportagem da RBS TV, aqui divulgado  duas semanas nesse canal.

Foi num belo domingo ensolarado, mas que alguns problemas ocorreram: Primeiro lá em Sapiranga de onde decolaríamos, a bordo de uma aeronave Bandeirante Embraer, com os onze paraquedistas - um time completo - até nosso alvo, o centro do gramado do Estádio Olímpico. Essa aeronave viria de Cachoeira do Sul, mas o danado não apareceu. Teve uma pane qualquer o que me deixou furioso, muito estressado pois nem me avisou de seu imprevisto. Sem avião adequado contratei um Cessna 180, (trem de pouso não retrátil), sempre disponível na Área, mas com lugar para apenas quatro paraquedistas. Convidei Padado, Vídeo e Chimenez a me acompanharem!

Documentação em dia com NOTAN para sobrevoo a 7.000 pés até às 16:00 hs. sobre o bairro Azenha, permissão para pousar no campo de jogo pela CBF até 15hs45min. Acertado entre nós uma separação vertical na queda com comando de abertura de 500 pés entre um e outro, a evitar risco de colisão e lá fomos nós! 

Voamos até o estádio. Eu com a terceira posição para comandar abertura e saltamos! Caindo a 250 km por hora, comandei a abertura aos 4.000 pés. Velame aberto, voo limpo, mas eufórico com tamanha beleza ao ver lá de cima tantos encantos! O prateado rio Guaíba, à minha esquerda bem abaixo a uns três km, voava a Esquadrilha da Fumaça em demonstração no Hipódromo do Cristal. Privilégio único de ver a Esquadrilha de cima! Visão encantadora! Aos meus pés, um Estádio lotado com curioso rugido grave das torcidas! Cheiro de “churrasquinho" assado às dezenas ao redor do Estádio! Momentos deslumbrantes que me entorpeceram de tamanha euforia, indescritível! Aí veio o salto do maior custo:

Entorpecido? Sim! Emocionado a perder o fôlego e perigosamente perdendo o foco. Erro grave, imperdoável. Me dei conta tardiamente do afastamento exagerado do alvo, o círculo central do campo. Retorno rápido sobre a Rótula do Papa e início da "rampa", último trajeto de navegação ao pouso em que não se muda mais a direção de voo. Estava baixo demais. Deveria estar a 500 pés e não estava. Não olhei mais para o altímetro. Concentrado na muralha do Estádio que subia ameaçadoramente, ele emergia diante dos mim. Prenúncio de desastre se deu ao não avistar mais o gramado do interior do Estádio. Somente sua cobertura. Me dei conta de que perdera a altura suficiente para chegar até lá! Que merda!

Sinceramente, dado a velocidade dos acontecimentos, nem tive tempo para pânico! Curva radical para pouso alternativo no campo suplementar, mas curva tão radical que o velame "estolou"! Vazio, sacolejou como um lençol ao varal, todo enrolado sem sustentação despenquei! Voando acima dos holofotes, direto ao chão! Lembro exclamar Meu Deus, um grito desesperado! Tudo ficou absolutamente escuro! Como num sono profundo!

Segundos de silêncio, nem sei quanto tempo se passou mas acordei feliz, contente e sem qualquer dor, ainda! Ao ver socorristas correndo em minha direção, me dei conta de que tinha pousado sim e de que estava vivo! Daí a alegria toda, mas de conclusão vexatória. Um pouso desastrado e digno de uma vergonha no nosso meio, impagável. Para que o vexame não fosse tão chamativo, decidi levantar rapidamente a disfarçar a má habilidade do pouso de um “manicaca”! (Termo pejorativo de paraquedista pouco hábil, como “barbeiro” para motoristas!) 

Entretanto, minhas pernas muito leves, não me atendiam! Diante disso, percebi uma lasca do meu fêmur esquerdo para fora da perna ensanguentada. Meu calcanhar direito também cheio de sangue com fratura exposta. Depois no hospital, constatado que também no fêmur direito uma fratura cominutiva, quebrado em dezoito peças.

Resultado de uma batida forte numa pequena área de areia fofa, onde atletas fazem fisioterapia. Haviam sim algumas “alternativas involuntárias” de pouso fatal ao bater num automóvel, no muro e até em fios de alta tensão da região. Aí, pura sorte ou Salvação que o Criador me Abençoou!

Em caso de três fraturas graves, perde-se uns três litros de sangue, por conta disso, falta sangue no cérebro o que ocasiona lapsos mentais. André, meu sobrinho postado dentro do campo de jogo, a recolher meu equipamento após o pouso, me telefonou enquanto deitado na areia, (foto jornal acima) e por alguns momentos não o reconhecia, questionando idiotamente "quem era"! A grande ameaça era daquela hemorragia,  causar uma parada cardíaca...

O trânsito até o Pronto Socorro foi outra epopeia. Homero Bellinni me acompanhou segurando uma das portas do veículo, já que a maca, incrivelmente MAIOR que seu espaço no interior do ambulância. Novos lapsos de memória, mais de uma vez questionei o que tinha acontecido...

Resultados: 1) Meu dia de fama, com reportagem em dois jornais da Capital e uma aparição na TV!  2) Vinte e dois dias hospitalizado no Hospital Mãe de Deus, colocação de uma placa intrafemural de 48 cm. [tenho-a até hoje], dois pinos de 20 cm. no pé, uma haste no fêmur direito e treze parafusos. Três meses de convalescência em casa, cadeira de rodas, muletas, bengalas e dezoito meses de fisioterapia. Marcas? Sim. São cicatrizes "tatuadas" pelas pernas e no pé direito!

Finalmente recuperado, passei a contar o tempo de reabilitação, como contam os que deixam de fumar: - "Três anos, dois meses e três dias depois do acidente", subi a 14.000 pés  em Salto no Uruguai, sem parafusos e pinos e voltei a saltar! Trouxe de volta a emoção e alegria de viver intensamente, ainda que reprovado pelos amigos e parentes de bom senso! Mas como “todo o alemão”, sou muito teimoso... Hoje, aposentado das desafiadoras alturas e nessa crônica encerro o assunto do paraquedismo!

quinta-feira, 1 de junho de 2023

 113) Paraquedismo: - Emoção sem Limite!


Numa tarde qualquer do Verão de 1995, recebi a habitual ligação do meu mano Percy,  quando comentou indignado e pesaroso de que seu filho mais novo, o rebelde Waldemar, tinha feito uma bobagem sem tamanho, incrível: - "Matriculou-se num Curso de Paraquedismo!" Interrompi logo a conversa pedindo a falar imediatamente com ele:

- Walde! Que legal! Onde é o curso? Posso fazer o curso contigo?!

Decepção monumental do meu irmão com minha irresponsável atitude! Coitado do pai zeloso e apreensivo! Esperava um discurso a demovê-lo da tal loucura. Pois na sequência, fizemos o louco, desafiante curso na Área de Paraquedismo da cidade de Sapiranga-RS, na Escola Evolução de Paraquedismo, comandada pelo Professor e amigo Lasiê, num discreto aeroporto com pista de grama para pequenas aeronaves! No curso, após a cuidadosa fase teórica, veio a desafiante e temida fase prática: - Primeiros sete saltos foram os "enganchados", cuja abertura do velame se dá por conta de uma fita enganchada na aeronave que tira o pilotinho e faz a abertura do velame. 

Foi o viver de uma fase das maiores emoções e derramamento de adrenalina da minha vida! Repeti muitas vezes: Quem já saltou, não encontra palavras suficientes para descrever o que é o "abandonar" uma aeronave num imenso vazio! Abrir a porta e voar livre, leve e solto a mais de 250 km por hora rumo ao solo!

Quem nunca saltou, jamais entenderá o que significa esse desafio enlouquecedor, de cair nesse imenso vazio que há entre a aeronave e o solo! Se abandona a segurança dos pés firmes de dentro de um avião e voar! É inebriante! Nos primeiros sete saltos, encara-se uma saída a 4.000 pés de altura ao despencar rumo ao chão com um incrível, gelado e vento na cara!

Nesses primeiros saltos, curte-se o voar com o paraquedas aberto que é sensacional. Sai-se portanto, aos 4.000 pés – uns 1.333 metros de altura - que ao olhar para o chão, não dá para distinguir, lá em baixo, se é um ônibus ou uma Kombi na estrada, tamanha distância/altura desse início de voo! São uns oito minutos de deleite e gloriosa sensação de alegre liberdade!  

O silêncio durante esse voo com velame aberto, é um espetáculo! O ruído da aeronave que nos lançou vai sumindo, e a Natureza nos brinda com sons únicos, quase imperceptíveis no nosso dia-a-dia na cidade. Ao navegar, escuta-se o chiado do velame cortando o ar e do solo, ouve-se curiosamente latido e o cantar de galos! Só isso. Momentos inesquecíveis de uma beleza monumental!

A iniciação é cautelosa, segura, lenta que evolui aos poucos. Só depois desses saltos enganchados, é que começam os saltos em QUEDA LIVERE!

A altura da saída aumenta gradualmente com o tempo em queda cada vez maior. É a partir do oitavo salto que o atleta comanda abertura, e o desafio é em cada salto. A evolução que nos leva aos saltos em queda-livre, se dá e se perde o sentido lúdico daquela navegação com paraquedas aberto.

Corre-se os riscos do esporte radical, nos saltos das grandes alturas e seus longos segundos de queda até a desafiante decisão da hora de comandar abertura, que deve ser lá pelos 4.000 pés, rigorosamente controlado pelo altímetro afixado no pulso. Abertura é violenta. Forte choque pela redução da velocidade de queda e então se volta à paz e tranquilidade do voar com velame aberto! 

Esses saltos se dão – dependendo do porte da aeronave – aos dez, quatorze e até dezessete mil pés de altura, com cinquenta a setenta segundos dessa desafiante queda-livre. Isso sim é um absurdo. Não tem como descrever! Para entender, tem que ir lá e saltar!

Tudo isso é realmente perigoso? Não. É mais assustador do que perigoso, em especial quando “se vê de fora”! Os equipamentos de hoje são muito seguros e há dispositivos que até “dormindo” a abertura do velame ocorrerá. Óbvio que o dormindo, é em caso - ainda que raro - de algum desmaio,  por conta de algum choque com outro atleta, aí é o Cypress, dispositivo eletrônico com altímetro que controla a velocidade de queda, que "sente" que não foi  acionada abertura até uns 1.200 pés, ele o faz com segurança e precisão!

Foram muitos saltos das minhas experiências, mais de trezentos. Tive a alegria, em parceria com Álvaro, até de viajar aos EUA, Deland – Flórida, localidade próxima a Orlando, a saltar durante dez dias na Área considerada a Capital Mundial do Paraquedismo. Lá, suas potentes aeronaves com turbo hélice, decolam com mais de vinte atletas a subir até 14.000 pés! É a glória!

Foi apenas em um dia em Sebastian, ao norte de Miami, onde tivemos o glorioso voo a 17.000 pés e creiam-me, quando se está caindo, não há as chatas limitações visuais que se tem em uma janela de avião de carreira! Nesse salto a percepção de Pitágoras de que a terra é redonda, aqui se encerra, a gloriosa visualização é clara: A terra é redonda, sim!

A beleza do Planeta lá de cima é inebriante. Vê-se com incrível clareza o azul do infinito em contraste com o branco das nuvens e o verdejante Planeta com seu Mar também azul! É um encanto só. Foi num único salto aqui nessa altura. Foram setenta segundos até comandar o choque e a barulhenta abertura do paraquedas. Parece pouco tempo para um viver normal, mas voando assim, naquela velocidade, é uma eternidade com registro perpétuo em nossas mentes!

Além do alto custo, são poucas coisas, inclusive o medo, que podem fazer abandonar esse esporte tão dinâmico! Entretanto o mais comum, é de o aluno fazer seu primeiro salto e "se dar por satisfeito", não voltando mais a Área de Saltos... Alguns outros percalços aparecem, mas isso contarei na próxima crônica da semana que vem!