quarta-feira, 26 de julho de 2023

 121) Leoa Sente Ciúme?

Uma vez ouvi de um americano, de que os EUA se preocupava em manter sua Cultura, já que a invasão à Flórida e cercanias por Latinos, fazia com que a sua Nação tivesse que assumir um segundo idioma oficial, o Espanhol! Isso os aborrecia. Quem diria, isso parecia ofender à Sociedade mais tradicional de seu País.

Setembro de 1999 estive na África do Sul, em visita a Sun City, Johanesburgo, Krüger Park e Cape Town. Por lá há o multilinguíssimo, desde a dispersão democrática de 1996, delimitaram ONZE idiomas oficiais. Mas quem tem um “inglês tolerável”, se vira muito bem obrigado, pois o idioma americano mesmo não sendo um dos oficiais, é bem aceito.

África sob todos aspectos faz valer a viagem. Tem muito para se conhecer e não fica só nas incursões às Savanas para ver animais, feras em seus "habitat natural". Cape Town - que escreverei mais sobre a cidade, logo adiante - tem uma situação geográfica curiosíssimas, pois no "mapa mundi" pode-se perceber, que há milhões de anos a África esteve colada na América do Sul, no caso de Cape Town é com o Rio Grande do Sul a identificação mais precisa: Formações rochosas à beira mar, são idênticas as que temos em Torres-RS. Ainda nessa curiosa cidade, é reservado um ponto de observação para que apreciemos a união entre Oceano Atlântico e Índico. Há distinção visual? Claro que não. Deixa-se a imaginação trabalhar e curtir o local!

Sun City é a cidade que se faz notável pelo fabuloso hotel, tido na época como o único "Seis Estrelas" do mundo! Ao chegarmos à noite, defronte suas muralhas de pedras com iluminação através de tochas imensas, faz sentir um fantástico recuo no tempo quando não existia eletricidade! Aspecto Medieval mas de um luxo interno memorável. Foi lá, em seu restaurante, que jantei um delicioso filé de girafa grelhado! Dia seguinte mesmo serviço, mas com filé de avestruz, igualmente saborosíssimo sem risco de comer algo com sabor muito selvagem ou forte. Simplesmente fantástico!

Voltemos a Cidade do Cabo (Cape Town). Durante uma corrida de taxi visitando alguns locais de atração comum, elogiamos a beleza encontrada, para orgulho do motorista, que respondeu com imensa alegria, se tratar de uma das cinco cidades mais bonitas do mundo, posto que, como “as outras quatro”, também eram banhadas pelo mar. Questionei-o das quatro: - Sidney na Austrália, São Francisco na Califórnia, Veneza e em especial, muito especial, Rio de Janeiro! Orgulhoso, assumi minha nacionalidade no que ele inicialmente me olhou desconfiado, não acreditou. Mas continuou convicto: 

- Sim. Rio, é uma Cidade com belíssimas praias de mar de águas quentes e "seus biquínis"(sorriso maroto!), clima maravilhoso e adequado, uma imensa lagoa, morros esplêndidos e a maior floresta urbana do mundo, é incomparável! Um dia ainda irei conhecê-la!

Ele conhecia, através de catálogos turísticos e leitura sobre turismo, da beleza nossa antiga Capital Federal, a Cidade Maravilhosa! Concordei plenamente e estimulei-o a um dia conhecer presencialmente, já que mostrava dominar a geografia turística, somente através de fotos!

Tratamos da tão discutida violência nas ruas, quando ele afirmou muito orgulhoso que na sua Capital Legislativa, (Cape Town é uma das três Capitais da África do Sul. Uma Cidade para  cada um dos Três Poderes!), era razoavelmente tranquila, entretanto recomendou que em Johanesburgo jamais deveríamos transitar a pé no seu Centro Histórico, pois lá acontecem um a dois assassinatos todo o dia, em plena praça pública central, com ou sem motivação aparente. As vezes até pela disputa de uma bagana de cigarro no chão!

Eu estava a passeio com meu amigo Álvaro. Numa noite após o jantar num restaurante no porto, ainda na Cidade do Cabo, sorvendo a brisa gostosa do mar e seu tradicional - nem tão gostoso - cheiro de peixe, foi quando ouvimos muito próximo, o roar feroz de leão! Inegável susto! Era pois um Leão Marinho, na verdade, uma Leoa. Daí se entende o porquê chamado de leão, pois “a voz” entre ele e o felino, é igual! 


 O fato: Enorme leão no píer fora da água, mantinha seu focinho para o alto, como se estivesse olhando pacientemente ao céu, fingindo que o “assunto” nem era com ele. Tinha às sua frente uma leoa furiosa, com seu focinho quase encostado ao focinho dele! Rugia ensurdecedora berrando “não-sei-o-que-lá, não-sei-o-que-lá"... A bronca era muito grande e valeu a pena observar por longos minutos aquela ruidosa “DR”! Outra leoa ao seu lado pacientemente aguardava de costas o término do Discutir Relação dos dois, por ser certamente a razão de toda aquela treta!



Isso durou bons dez minutos, quando suponho que a detratora se excedeu um pouco em sua argumentação, levou o macho ao extremo da irritação e lhe deu uma abocanhada na cabeça com um “roar” constrangedor! Ela deu um grito como um apito fino, quase um assobio e se jogou no mar se afastando humildemente. Ele espirrou umas duas ou três vezes e malandramente se aproximou daquela que o aguardava na retaguarda e se afastaram languidamente do local! Privilégio voltar para o hotel, depois de apreciar tão sonora cena de amor!

Foi a única vez na vida, felizmente, que presenciei uma tão severa discussão e agressão machista seguramente pautada em ciúme animal! Viajar nos dá essa oportunidade de testemunhar as mais curiosas cenas da Existência, até o escândalo de uma leoa ciumenta! Sim, é verdade: - Leoa sente ciúme!


quarta-feira, 19 de julho de 2023

 120) E Chamam Mula de Burro.

 

Todos meus tios paternos gostavam muito de pescar, meus irmãos também apreciavam muito essa atividade. Eu particularmente curto um acampamento rústico, dormir em barraca de lona, lampião a querosene, comida de panela à beira do fogo de chão, uma costela no espeto de pau, mesmo com aquela fumaça chata que acaba ardendo nos olhos! Entretanto, pescar, não é minha praia!

Ah! Jamais esquecer numa dessas incursões “ao desconforto”, daquela garrafa de cachaça para tomar no bico, uma coisa eu garanto por experiência própria que é só no primeiro gole que arde na garganta, ou arde na “goela”, para usar o vocabulário chulo dessas ocasiões. Depois é só aproveitar a “tonturinha” e a convicção de que no dia seguinte a dor de cabeça é garantida!

É. Tem o tal de engov, aspirina, etc... Mas dizia um velho amigo que “se não tiver dor de cabeça, então nem bebo!”  Em pescaria não é garantida a sofisticação da cachaça com butiá, pitanga, abacaxi etc, muito menos caipirinha, é canha pura mesmo, daquela transparente e que faz umas bolhas ao ser agitada, que chamam de “colarinho” e que não tem nada disso, é só para justificar que estão bebendo o álcool mais popular e barato de todos os aperitivos nacionais.

Meu Pai, por outro lado, também não era fã de pescarias e desde jovem foi caçador de perdizes e isso herdei dele, até os tempos em que essa atividade era permitida. Hoje proibida, considerada crime ambiental, porte ilegal de arma, estupro a ave indefesa etc., pode até dar cadeia... Ficam as lembranças no tempo em que de maio a julho eram liberadas as caçadas! Os almoços na sequência, da perdiz ao molho com massa ou polenta mais um radiche com rúcula, temperadas no vinagre tinto e bacon frito, socorro, água na boca!

Pois meu velho enquanto jovem fazia sua caçada solitária, seu grupo de caça só foi criado anos mais tarde. Num domingo de frio intenso – melhor temperatura para caçar – ele levantou em alta madrugada, lá pelas 03hs, encilhou o burro, de nome “Guri”, seu meio de transporte que pertencia ao curtume, de que era sócio com seu irmão Leopoldo. Marchou rumo a uma fazenda no interior do Taquarichim, pouco mais de vinte quilômetros de casa, calculando que ao nascer do Sol, estaria lá.  

Essa mula, ou burro, tinha “atribuição profissional”, de girar uma moenda no curtume e transportar semanalmente, matéria prima a um único destino. Qualquer itinerário diferente, convence-lo de nova rota era no mínimo tarefa desafiadora. Meu velho depois de dar uns “trancos” no animal, convenceu-o a seguir o desejo de seu cavaleiro, ou “burreiro”!?

Ainda “noite alta Céu risonho, a quietude é quase um sonho”, só que não havia luar sobre a mata! Viagem no escuro total, um breu! Em alguns momentos meu velho acendia sua lanterna para rápidos reconhecimentos da estrada. E assim se foi estrada afora!

Depois de quase três horas de calma, mas rítmica cavalgada, começou a clarear, amanhecer o dia, foi quando meu pai presumiu que estava chegando ao seu destino, entretanto reconheceu sob aqueles tímidos raios de sol, uma silhueta no horizonte curiosamente semelhante a entrada na cidade de Jaguari, de onde havia saído há quase três horas passadas! Creiam-me, não se tratava de miragem, era Jaguari mesmo, involuntariamente de volta para casa!

A presunção lógica, depois de muita meditação, meu pai lembrou de que num determinado riacho que cortava a estrada, em que o burro emperrou para beber água, fez certamente enquanto bebia, um bem disfarçado giro de 180 graus e seguiu viagem. Na verdade iniciou um inteligente retorno pra casa de onde não tinha a menor vontade de ter saído... 

Em dia plenamente claro e ensolarado, meu pai estava de volta as casas, para surpresa de toda a Família, com sua caçada evidentemente abortada, frustrada, cancelada! Toda essa ocorrência me leva a uma reflexão proposta no título dessa crônica: “E Chamam a Mula de Burro! ” Será?


quarta-feira, 12 de julho de 2023

119) Chimarrão sem uso da “bomba”?

Na década de noventa eu costumava visitar meus velhos com alguma frequência em Jaguari, mesmo que para passar apenas um final de semana comum, sem os tais feriadões! A ida eu programava fazê-la às sextas-feiras logo após meu trabalho na PUCRS, onde lecionava Administração de Marketing, na Faculdade de Análise de Sistemas & Informação. Aula terminava às 22hs45min. Até voltar para casa, pegar a “patroa” e sair estrada afora, significava viajar às 23:30 hs. Um bocado tarde para viajar 420 km em plena noite, que por mais curioso que pareça, é meu horário predileto mas para fazer em estrada conhecida...

São algumas vantagens a considerar: Menor trânsito de caminhões pesados que tanto dificultam ultrapassagens, inexistência de controle de velocidade daqueles “fiscais escondidos atrás da moita”, dirigir através da luz do carro obriga concentração visual na pista da estrada. O risco de o sono tornar a viagem um pouco mais perigosa existe, mas controlo bem esse estado com dois recursos químicos: Café preto e chimarrão!

Nessas ocasiões, a “parceira” se encarregava do quesito chimarrão, montando o mate na cuia e servindo a partir de um determinado ponto da viagem, quando o sono dava seus primeiros sinais. Tudo funcionava perfeitamente, entretanto, sempre tem um entretanto, a tal parceria reincidia em esquecimento de “detalhes” como deixar a garrafa térmica deitada e vazar toda água quente. Outra, esquecer a erva e assim por diante... A mais curiosa falha aconteceu no início de uma longa viagem ao “Circuito Andino”, que envolvia três semanas de estrada.

Isso foi em 13 de dezembro de 1997, início do período de férias num belo sábado, a iniciar o desafiador percurso de 7.298 km., cruzando o Rio Grande do Sul de Leste a Oeste pela BR 290 e iniciar o tráfego internacional pelo Oeste do Uruguai, (Rivera) e depois entrar na Argentina por Paissandu seguindo - com uma parada de doze horas - até Mendoza onde fica por tr|ês noites e adiante cruzar os Andes rumando ao Sul do Chile, Puerto Varas. O retorno ocorre pela Argentina novamente, via Villa la Angostura (Neuquén), Bariloche, Bahia Blanca, Buenos Aires, Rivera e finalmente, chegar em casa.



Gasta-se alguns dias  de prazeroso planejamento, emissão de seguro pela Carta Verde (obrigatório), telefonemas para algumas reservas de hotéis do percurso, período que eu curto muito! Porta-malas com um bom estoque de erva mate, alguns enlatados, macarrão tipo Cup Neodles no copo de isopor, enjoativo, mas muito prático que quebra um galho tremendo, algumas caixas de bombom Garoto e bastante água mineral. Pode-se adicionar alguns quilos de café, que junto com os tais bombons, em alguma eventual barreira de fiscalização, fazem um "agrado" inimaginável...

Aprendi no livro “Cem Dias entre Céu e Mar” de Amyr Klink, navegando em seu barco Paraty, quando fez em cem dias a travessia do Atlântico Sul – de Cape Town na África do Sul até Porto Seguro na Bahia – ele recomenda "não se deve entusiasmar com início da viagem e percorrer longos períodos sem descanso! Viaje duas horas, uma rápida parada e assim sucessivamente!" Faço isso com fiel dedicação e o resultado é efetivo. Nessa viagem, dirigi por duas vezes 1.100 km num único dia!

Voltemos ao início dessa desafiadora viagem, quando referi como a “mais curiosa falha” no assunto chimarrão. Por se tratar de viagem muito longa, a necessidade desse recurso, é diária. Aconteceu que no primeiro dia, bem no início, rodava pouco mais de uma hora e me deu vontade de começar a Seção Chimarrão! Água quente em contato com a erva que desprende um cheiro único, provocante dentro da cabine! Foi quando ela desesperadamente exclama:

- Esqueci a Bomba!

 - O que???

- Ah, para num posto de gasolina qualquer e compre uma bomba, simples assim!

Confesso, perdi as estribeiras. Fiquei furioso. Surtei. Por uns cinquenta quilômetros de viagem, não conversamos mais, tamanho o meu mau humor!  Mais brabo ainda quando a responsável da logística simplificou tudo sugerindo sua simples frase que até me pareceu debochada. Ora bolas, onde iria encontrar uma bomba para chimarrão, em posto de gasolina? Impraticável e pior, a que preço?

- Pode deixar que eu pago!

- Mas vai pagar meeeesmo...

A beira da estrada na localidade de Pantano Grande, havia um restaurante de posto de gasolina. Desembarquei “bufando”, diante de tamanho absurdo! Ao chegar no balcão, com ares claros de incredulidade e até com pedido desculpas, para uma pedida tão absurda, tão fora do contexto para um restaurante. A moça que atendia, sem mover um músculo de seu rosto, me respondeu como se fosse algo absolutamente comum, nenhuma expressão facial de emoção ou solidariedade com minha triste postura a pedir um absurdo tão grande:

- O senhor está escorado no balcão das bombas!

Ah, é verdade! Sob meus cotovelos, tinha um desgraçado de um balcão envidraçado, cuja primeira prateleira tinha centenas de bombas de tudo o que é tamanho, tipo de metal, formato, cor, preço, etc! Pigarreei e perguntei com extrema humildade:

- Quanto custa a mais simplesinha?

Ela disse. Comprei, paguei. O preço, pasmem, era algo como dois dólares! Provável valor de dois cafezinhos de baixa qualidade! Voltei para o carro apressado. Segui viagem com intenção de fazê-lo em total silêncio. Havia um clima de baixa pressão atmosférica na cabine, como se fosse chover forte temporal! Faltava ar respirável! Um sentimento de que minhas orelhas aquecidas e rubras, derretiam. Eu não tinha a menor vontade de falar sobre o assunto, aliás, nenhum assunto! O silêncio prevaleceu por dez segundos. Absoluto e plácido. Interrompido, não por minha  vontade:

- Muito bem! Então encontrou o utensílio tão raro! Meus cumprimentos! E daí? Quanto foi? Fala que eu quero reembolsar!

- Podexá. Já paguei! Assunto encerrado!                    

- Não senhor, faço questão de pagar, o erro foi meu! Quanto foi? Vamos, diga!

Juntei coragem suficiente e balbuciei com a voz fina como uma criança chorosa, aquele valor ridículo! Ela soltou uma gargalhada frouxa, quando eu esperava uma merecida xingada! Na sequência, todos os outros dias na hora do chimarrão, me era solicitada a nota fiscal para reembolso do tão importante “apetrecho chimarrônico”! 



quarta-feira, 5 de julho de 2023

 118) Escotismo: “Seu Waldemar” Orientava!

Não é tão difícil fugir da depressão – mal do Século XXI, tão presente na nossa Sociedade atual – isso se mantivermos o firme propósito nessa direção. Sim, ainda tem o reforço da Indústria Farmacêutica que fatura milhões em medicamentos antidepressivos e não é evitando-os, que nos safaremos desses ataques que a mente insiste em nos surpreender. Muito raro encontrar alguém que um dia não foi atacado por uma profunda tristeza justificada ou ainda pior, tristeza “não justificada”! 

São coisas guiadas pelos nossos pensamentos involuntários e eles são autônomos, não os controlamos. Já estou me contradizendo quando escrevi “não é tão difícil fugir da depressão!” É difícil sim, e muito.  Assim são algumas as partes do nosso Organismo que nos dão um banho de autoritarismo. Lembro uma observação da Renata, minha sobrinha Dentista, de quando se tem uma fratura de um dente e esse fica com uma face “afiada”, até que se busque socorro ao dentista, ficamos com a língua a desafiar aquele “fio de navalha” a nos agredir. O que fazer para sossegar essa língua atrevida? Nada. Aí que Renata afirma: “Não adianta, a língua tem vida própria”! Procure imediatamente um Dentista de sua confiança!

Pois saibam, que minha decisão de publicar  essas crônicas, há uns três anos, se iniciaram na sequência de pensamentos dos bons e divertidos momentos vividos no passado. Experimentem substituir pensamentos negativos pelos bons, agradáveis. Escrevê-los é ainda mais eficiente, isso posso garantir, mesmo sem trabalhar na Área da Saúde! Povoando nossa mente com as lembranças dos momentos divertidos da nossa Vida, é seguramente o melhor de todos os caminhos!

Pois hoje pensava numa passagem da minha doce juventude em Jaguari, com o “The Crasies Club”! Já contei, cidade pequena e de poucas opções para diversão e sem os recursos de tecnologia de hoje, o viver momentos no meio do mato, era uma das melhores e mais divertidas atividades!

Meu velho tinha uns cem hectares de mata nativa, um pouco de campo e principalmente banhado pelo rio que empresta o nome à cidade, Jaguari. Chamávamos aquelas terras de “Colônia”! Acampar em barraca rudimentar no meio do mato de angicos e outras árvores, era a gloria para todos nós! Lá acontecia o fogo de chão com lenhas colhidas no mato – cheiro de fumaça que não me sai da memória - com panelas e chaleira de ferro, eram as melhores refeições de todos os anos. Quando calor, o banho no rio profundo e saltos das árvores nos barrancos, faziam o lado aventureiro dessas incursões!

Num final de semana nos programamos acampar por lá. Viajar logo após o almoço do sábado para voltar no domingo à tardinha, afinal eu trabalhava até esse horário. Lá pelas 13hs os guris começaram a chegar a minha casa, onde partiríamos usando o ”caminhãozinho” da Família, um Opel verde, ano 1951 com carroceria de madeira e rodado duplo na tração traseira. Acontece que a meteorologia se mostrava contrária ao nosso passeio. Vigorosa formação de nuvens ameaçadoras e prenúncio convincentes de temporal! Atração só aumentava pelo desejo do desafio!

Dona Olga, minha mãe, sempre foi absurdamente zelosa e prevenida aos riscos que qualquer um de seus cinco filhos poderiam se expor... Se ela percebesse esse perigo eminente, era certo o súbito cancelamento de tudo! Veto da minha mãe era real e poderoso! Cauby, foi o primeiro a chegar, afoito e nervoso me chamou atenção:

- “Pelamordedeus”, vâmo saí logo que tá vindo um baita temporal lá do Chapadão, se a dona Olga vier aqui, e enxergar aquelas nuvens pretas, tá tudo cancelado!

Logo chegaram os demais parceiros e a correria foi estabelecida e o dispositivo para aquela pequena viagem – não mais que 6 km – estava pronto! Entretanto e sempre tem um entretanto, dona Olga que eu supunha ainda nas lides do "pós almoço", surge calma e serena a nossa frente para o terror de todos. Olha para o céu com aquelas grossas nuvens negras, (cumuloninbus ou plumbum) em ameaçadora movimentação e determina com exuberante autoridade:

- Podem descarregar o caminhão. Nada de Colônia! Com esse temporal, mas nem pensar em acampamento! Fica para outro dia...

A tristeza tomou conta de todos! Ombros caídos, pálpebras se derretendo foi geral! Só não teve lágrimas porque todos acreditavam no adágio popular da época:“Homem não chora”! Eis que para nossa salvação, veio o seu Waldemar, meu pai, que nós o chamávamos de “Papito”, quando minha mãe sentenciou direto:

- Wáldema: (era assim que ela chamava meu velho) Olha a loucura que esses guris ESTAVAM querendo fazer!

- É? E o que que tem? Por causa da chuva? Bobagem. Não tem problema. É só eles montarem a barraca afastada de algum angico seco, para evitar raio. Cavem uma valeta ao redor da barraca para não entrar água. Mantenham o fogo aceso e pronto!

E assim meu querido Velho seguiu dando instruções de como obter lenha e gravetos secos, mesmo durante a chuva, como acender o fogo usando um único palito de fósforo, onde deixar o lampião a querosene aceso, reservar uma garrafa de cachaça "a mão" para desinfetar eventual picada de inseto ou réptil, dentre tantas outras recomendações extremamente úteis, que guardo até hoje! Uma aula de sobrevivência na selva!

Pobrezinha da minha mãe querida. Foi desautorizada em público, que a chateou muito. Virou as costas e voltou para dentro de casa muito contrariada! A gurizada voltou a sorrir feliz, o acampamento estava garantido, vai acontecer e aconteceu! Meu velho tinha muita Sabedoria Acumulada. Quando jovem, foi responsável por um Grupo de Escoteiros e essas lidas de campo e mato, era Mestre e entusiasmado motivador!

 

Caminhãozinho pronto e lá fomos nós! De todas incursões à Colônia, e foram muitas, essa foi a mais divertida, agitada e francamente inesquecível. Por óbvio, no meio da madrugada baixou um “puta temporal” com raios, ventania, quebra de galhos e muita chuva! Tomamos um invejável banho de chuva cavando a tal valeta recomendada pelo Velho Escoteiro, mas renegada no seu devido tempo, o que tornou tudo, absolutamente tudo mais interessante e a convicção de que valeu a pena! Sem arrependimento algum, muito antes pelo contrário! Se não acontecesse aquela tormenta, não teria sido tão legal! Diria, que fora um acampamento comum, até meio sem graça...