quarta-feira, 12 de julho de 2023

119) Chimarrão sem uso da “bomba”?

Na década de noventa eu costumava visitar meus velhos com alguma frequência em Jaguari, mesmo que para passar apenas um final de semana comum, sem os tais feriadões! A ida eu programava fazê-la às sextas-feiras logo após meu trabalho na PUCRS, onde lecionava Administração de Marketing, na Faculdade de Análise de Sistemas & Informação. Aula terminava às 22hs45min. Até voltar para casa, pegar a “patroa” e sair estrada afora, significava viajar às 23:30 hs. Um bocado tarde para viajar 420 km em plena noite, que por mais curioso que pareça, é meu horário predileto mas para fazer em estrada conhecida...

São algumas vantagens a considerar: Menor trânsito de caminhões pesados que tanto dificultam ultrapassagens, inexistência de controle de velocidade daqueles “fiscais escondidos atrás da moita”, dirigir através da luz do carro obriga concentração visual na pista da estrada. O risco de o sono tornar a viagem um pouco mais perigosa existe, mas controlo bem esse estado com dois recursos químicos: Café preto e chimarrão!

Nessas ocasiões, a “parceira” se encarregava do quesito chimarrão, montando o mate na cuia e servindo a partir de um determinado ponto da viagem, quando o sono dava seus primeiros sinais. Tudo funcionava perfeitamente, entretanto, sempre tem um entretanto, a tal parceria reincidia em esquecimento de “detalhes” como deixar a garrafa térmica deitada e vazar toda água quente. Outra, esquecer a erva e assim por diante... A mais curiosa falha aconteceu no início de uma longa viagem ao “Circuito Andino”, que envolvia três semanas de estrada.

Isso foi em 13 de dezembro de 1997, início do período de férias num belo sábado, a iniciar o desafiador percurso de 7.298 km., cruzando o Rio Grande do Sul de Leste a Oeste pela BR 290 e iniciar o tráfego internacional pelo Oeste do Uruguai, (Rivera) e depois entrar na Argentina por Paissandu seguindo - com uma parada de doze horas - até Mendoza onde fica por tr|ês noites e adiante cruzar os Andes rumando ao Sul do Chile, Puerto Varas. O retorno ocorre pela Argentina novamente, via Villa la Angostura (Neuquén), Bariloche, Bahia Blanca, Buenos Aires, Rivera e finalmente, chegar em casa.



Gasta-se alguns dias  de prazeroso planejamento, emissão de seguro pela Carta Verde (obrigatório), telefonemas para algumas reservas de hotéis do percurso, período que eu curto muito! Porta-malas com um bom estoque de erva mate, alguns enlatados, macarrão tipo Cup Neodles no copo de isopor, enjoativo, mas muito prático que quebra um galho tremendo, algumas caixas de bombom Garoto e bastante água mineral. Pode-se adicionar alguns quilos de café, que junto com os tais bombons, em alguma eventual barreira de fiscalização, fazem um "agrado" inimaginável...

Aprendi no livro “Cem Dias entre Céu e Mar” de Amyr Klink, navegando em seu barco Paraty, quando fez em cem dias a travessia do Atlântico Sul – de Cape Town na África do Sul até Porto Seguro na Bahia – ele recomenda "não se deve entusiasmar com início da viagem e percorrer longos períodos sem descanso! Viaje duas horas, uma rápida parada e assim sucessivamente!" Faço isso com fiel dedicação e o resultado é efetivo. Nessa viagem, dirigi por duas vezes 1.100 km num único dia!

Voltemos ao início dessa desafiadora viagem, quando referi como a “mais curiosa falha” no assunto chimarrão. Por se tratar de viagem muito longa, a necessidade desse recurso, é diária. Aconteceu que no primeiro dia, bem no início, rodava pouco mais de uma hora e me deu vontade de começar a Seção Chimarrão! Água quente em contato com a erva que desprende um cheiro único, provocante dentro da cabine! Foi quando ela desesperadamente exclama:

- Esqueci a Bomba!

 - O que???

- Ah, para num posto de gasolina qualquer e compre uma bomba, simples assim!

Confesso, perdi as estribeiras. Fiquei furioso. Surtei. Por uns cinquenta quilômetros de viagem, não conversamos mais, tamanho o meu mau humor!  Mais brabo ainda quando a responsável da logística simplificou tudo sugerindo sua simples frase que até me pareceu debochada. Ora bolas, onde iria encontrar uma bomba para chimarrão, em posto de gasolina? Impraticável e pior, a que preço?

- Pode deixar que eu pago!

- Mas vai pagar meeeesmo...

A beira da estrada na localidade de Pantano Grande, havia um restaurante de posto de gasolina. Desembarquei “bufando”, diante de tamanho absurdo! Ao chegar no balcão, com ares claros de incredulidade e até com pedido desculpas, para uma pedida tão absurda, tão fora do contexto para um restaurante. A moça que atendia, sem mover um músculo de seu rosto, me respondeu como se fosse algo absolutamente comum, nenhuma expressão facial de emoção ou solidariedade com minha triste postura a pedir um absurdo tão grande:

- O senhor está escorado no balcão das bombas!

Ah, é verdade! Sob meus cotovelos, tinha um desgraçado de um balcão envidraçado, cuja primeira prateleira tinha centenas de bombas de tudo o que é tamanho, tipo de metal, formato, cor, preço, etc! Pigarreei e perguntei com extrema humildade:

- Quanto custa a mais simplesinha?

Ela disse. Comprei, paguei. O preço, pasmem, era algo como dois dólares! Provável valor de dois cafezinhos de baixa qualidade! Voltei para o carro apressado. Segui viagem com intenção de fazê-lo em total silêncio. Havia um clima de baixa pressão atmosférica na cabine, como se fosse chover forte temporal! Faltava ar respirável! Um sentimento de que minhas orelhas aquecidas e rubras, derretiam. Eu não tinha a menor vontade de falar sobre o assunto, aliás, nenhum assunto! O silêncio prevaleceu por dez segundos. Absoluto e plácido. Interrompido, não por minha  vontade:

- Muito bem! Então encontrou o utensílio tão raro! Meus cumprimentos! E daí? Quanto foi? Fala que eu quero reembolsar!

- Podexá. Já paguei! Assunto encerrado!                    

- Não senhor, faço questão de pagar, o erro foi meu! Quanto foi? Vamos, diga!

Juntei coragem suficiente e balbuciei com a voz fina como uma criança chorosa, aquele valor ridículo! Ela soltou uma gargalhada frouxa, quando eu esperava uma merecida xingada! Na sequência, todos os outros dias na hora do chimarrão, me era solicitada a nota fiscal para reembolso do tão importante “apetrecho chimarrônico”! 



14 comentários:

  1. Graças a Deus foi resolvida a situação... Viajar sem chima é qse impossível! Bela descrição! Abraço!

    ResponderExcluir
  2. Somos cauchos viajar sem o mat nao da

    ResponderExcluir
  3. Eita... esse é o nosso Kayser Fausto, sempre com suas envolventes histórias 👏👏👏

    ResponderExcluir
  4. Respostas
    1. Queria ver tua cara escorado no balcão cheio de bombas kkkk muito bom

      Excluir
  5. Pois é, eu particularmente sou contra o motorista ficar tomando chimarrão, não custa nada, caso venha o desejo, tomar um gole D’agua, tende sono, para o carro e durma cinco minuto. Já ouvi fala em muitos desastres pela prática do chimarrão no carro em movimento. Mas respeito que usa este artifício

    ResponderExcluir
  6. Muito boa essa meu irmãozinho Fausto!!!! Sem mate e sem a prenda a viagem não é completa!

    ResponderExcluir
  7. Lembrando do Sérgio e suas histórias, já passaste por momentos melhores !

    ResponderExcluir
  8. Hahaha até imaginei o tamanho da brabeza do cidadão naquele Civic, sobre a 290

    ResponderExcluir
  9. Muito boa. Imagino o clima da viagem depois da compra do fatídico instrumento faltante! 💙🤭🤭🤭

    ResponderExcluir
  10. Muito bom Fausto. Falando em viagem, nunca esqueço quando eu estava almoçando em uma das tantas "parilleras" do porto em Montevidéo, quando chego no carro e vou abrir a posta do carro, na maçaneta tinha um cartão de visita... advinha de quem???? ele mesmo, FAUSTO DIEFENBACH... fiquei muito feliz.... não imaginem quando a gente tá viajando em um outro país e encontra um amigo... muito bom...

    ResponderExcluir
  11. o comentário acima saiu como anônimo, mas foi meu Caio Jordão hehehehe

    ResponderExcluir