quarta-feira, 19 de julho de 2023

 120) E Chamam Mula de Burro.

 

Todos meus tios paternos gostavam muito de pescar, meus irmãos também apreciavam muito essa atividade. Eu particularmente curto um acampamento rústico, dormir em barraca de lona, lampião a querosene, comida de panela à beira do fogo de chão, uma costela no espeto de pau, mesmo com aquela fumaça chata que acaba ardendo nos olhos! Entretanto, pescar, não é minha praia!

Ah! Jamais esquecer numa dessas incursões “ao desconforto”, daquela garrafa de cachaça para tomar no bico, uma coisa eu garanto por experiência própria que é só no primeiro gole que arde na garganta, ou arde na “goela”, para usar o vocabulário chulo dessas ocasiões. Depois é só aproveitar a “tonturinha” e a convicção de que no dia seguinte a dor de cabeça é garantida!

É. Tem o tal de engov, aspirina, etc... Mas dizia um velho amigo que “se não tiver dor de cabeça, então nem bebo!”  Em pescaria não é garantida a sofisticação da cachaça com butiá, pitanga, abacaxi etc, muito menos caipirinha, é canha pura mesmo, daquela transparente e que faz umas bolhas ao ser agitada, que chamam de “colarinho” e que não tem nada disso, é só para justificar que estão bebendo o álcool mais popular e barato de todos os aperitivos nacionais.

Meu Pai, por outro lado, também não era fã de pescarias e desde jovem foi caçador de perdizes e isso herdei dele, até os tempos em que essa atividade era permitida. Hoje proibida, considerada crime ambiental, porte ilegal de arma, estupro a ave indefesa etc., pode até dar cadeia... Ficam as lembranças no tempo em que de maio a julho eram liberadas as caçadas! Os almoços na sequência, da perdiz ao molho com massa ou polenta mais um radiche com rúcula, temperadas no vinagre tinto e bacon frito, socorro, água na boca!

Pois meu velho enquanto jovem fazia sua caçada solitária, seu grupo de caça só foi criado anos mais tarde. Num domingo de frio intenso – melhor temperatura para caçar – ele levantou em alta madrugada, lá pelas 03hs, encilhou o burro, de nome “Guri”, seu meio de transporte que pertencia ao curtume, de que era sócio com seu irmão Leopoldo. Marchou rumo a uma fazenda no interior do Taquarichim, pouco mais de vinte quilômetros de casa, calculando que ao nascer do Sol, estaria lá.  

Essa mula, ou burro, tinha “atribuição profissional”, de girar uma moenda no curtume e transportar semanalmente, matéria prima a um único destino. Qualquer itinerário diferente, convence-lo de nova rota era no mínimo tarefa desafiadora. Meu velho depois de dar uns “trancos” no animal, convenceu-o a seguir o desejo de seu cavaleiro, ou “burreiro”!?

Ainda “noite alta Céu risonho, a quietude é quase um sonho”, só que não havia luar sobre a mata! Viagem no escuro total, um breu! Em alguns momentos meu velho acendia sua lanterna para rápidos reconhecimentos da estrada. E assim se foi estrada afora!

Depois de quase três horas de calma, mas rítmica cavalgada, começou a clarear, amanhecer o dia, foi quando meu pai presumiu que estava chegando ao seu destino, entretanto reconheceu sob aqueles tímidos raios de sol, uma silhueta no horizonte curiosamente semelhante a entrada na cidade de Jaguari, de onde havia saído há quase três horas passadas! Creiam-me, não se tratava de miragem, era Jaguari mesmo, involuntariamente de volta para casa!

A presunção lógica, depois de muita meditação, meu pai lembrou de que num determinado riacho que cortava a estrada, em que o burro emperrou para beber água, fez certamente enquanto bebia, um bem disfarçado giro de 180 graus e seguiu viagem. Na verdade iniciou um inteligente retorno pra casa de onde não tinha a menor vontade de ter saído... 

Em dia plenamente claro e ensolarado, meu pai estava de volta as casas, para surpresa de toda a Família, com sua caçada evidentemente abortada, frustrada, cancelada! Toda essa ocorrência me leva a uma reflexão proposta no título dessa crônica: “E Chamam a Mula de Burro! ” Será?


10 comentários:

  1. Bah!.. E o burro deu um olé no tio Waldemar... Pena q a família ficou sem o delicioso jantar de perdizes.

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  2. Burro quando vira a cabeça pro lado de casa, ninguém segura,hehe.

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  3. Caso engraçado! Parabéns! Bidart

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  4. Muito bom. Com a riqueza de detalhes fico viajando na história. Seu Waldemar saindo cedinho e chegando em casa com as mãos vazias.
    Lembrei dos tempos que meu pai caçava perdizes. Chegava em casa e nos colocava a depenar os bichos. Era um fujindo, outro escapando, outro se escondendo... Mas na hora de comer todos apareciam.

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  5. Isso foi o pior de tudo, teu pai ficar sem as perdizes. Bela crônica

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  6. Eita burro esperto!! Por essa seu pai não esperava! Muito bom recordar!

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  7. Adorei essa parte,Depois é só aproveitar a “tonturinha” e a convicção de que no dia seguinte a dor de cabeça é garantida!

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  8. Sensacional. Fausto!
    Mula. De burro não tinha nada....

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  9. Sensacional. Tempo burro que obedecia, graças a deus, andava, cruz credo parava. Na beira de um precipício o cavaleiro (burreiro) disse graças a Deus. Ambos estão sendo procurados kkkkkkk

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  10. Muito boa história. Imagino a "satisfação " do seu Waldemar...

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