quarta-feira, 24 de junho de 2020

08) - Arroz com charque



Olá meus amigos,

Vamos para a oitava crônica  cujo cenário ainda é Jaguari. 
Que coisa maravilhosa ser ainda "menor de idade" e ter o direito de cometer erros, corrigir, apreender, crescer!
Como isso é frequente nas primeiras duas décadas de Vida, como crescemos e hoje sentimos tanta saudades!

Boa leitura!



08) Arroz com charque!

Éramos três inquietos adolescentes, Rock, Cauby e eu. Vivíamos explorando o Cerro “O Belisco” de Jaguari. Numa das expedições naquela mata nativa exuberante e virgem, descobrimos um buraco, uma toca que percebemos ser uma caverna, provavelmente produzida por desmoronamento de muitos anos passados. Possuía quarenta e oito metros de extensão, rigorosamente medida por nós, não tínhamos dímetro, era com trena mesmo. Na época não se discutia nada com o INMETRO!

Difícil acesso, íngreme e infestado de morcegos. Acho que morcegos “inocentes”, pois também não se falava do Covid19 Chinês... Ninguém na cidade sabia de sua existência. Fomos precursores. Muito curioso e óbvio, está lá até hoje! Ninguém a explora. Continua exclusividade nossa!


Quando anunciamos nossa gloriosa descoberta na cidade, a gurizada ficou indignada. Mentira. Nada melhor para provocar apostas. Estabelecemos o objeto dessa disputa que era invariavelmente um “arroz com galinha”! Por quê? Ora, galinha, na época, só em galinheiro próprio, em açougue nem pensar. Pior, nenhum papai seria suficientemente sensível para dar uma galinha para seu filho moleque dividir com outros moleques! - “Se quiser comer galinha, come em casa domingo, ora bolas...” Então tínhamos apenas duas alternativas: Roubar uma galinha ou escalar a um amigo a roubar. Podia até roubar da sua própria casa. Também indiscutível e imbatível é que o sabor de galinha de “galinheiro alheio” é superior! (Como as tais de bergamotas roubadas!) 
Sempre fui o responsável a fazer essa gloriosa iguaria e dado as circunstâncias da origem da galinha, fazia às escondidas e de maneira bem primitiva. Fogo de chão preferencialmente na ilha do rio Jaguari, em meio a seculares árvores de “Salso Chorão”, que sustentam a ilha até nossos dias

A primeira vitória da disputa da existência ou não daquela caverna secreta, foi com o amigo Tuia, depois de comprovada sua existência e localização, pagou rigorosamente o combinado. Por ser Tuia um Positivista, ficou entusiasmado com a disputa em questão e foi além, agenciou nova aposta com um amigo seu, desde que fosse convidado a dividir o resultado, é claro. Esse seriam seus honorários!

Tudo acertado, partimos para a segunda disputa. Cumprido o protocolo que visava manter o segredo absoluto da localização de tão importante descoberta: - Venda nos olhos e lá foi a trinca comprovar sua descoberta. Nova incursão exitosa, entretanto depois de perder a aposta, Dado F. era o amigo dele - que tinha uma certa dificuldade de expressão vocal - contesta:

- Qui, qui, qui, eu tenho medo de roubar galinha... Não roubo!

- PQP, seu bunda mole! Agora que perdeu a aposta é que revela seu “defeito ético”?! 

Longas negociações se iniciam intermediadas pelo Tuia, o agenciador daquela disputa. Cede daqui e dali e acabamos por  flexibilizar o prêmio: 
- Concordamos com um "downgrade": - Dívida de um  arroz com galinha para um “arroz com charque”, o tal de Carreteiro. Entretanto com um adicional compensatório de cinco garrafas cerveja preta, uma para cada participante, da recém lançada Cerveja Caracu!

No sábado, depois do fechar a loja após o meio dia - meu compromisso profissional com a Família - já com fome zarpa o grupo de adolescentes para a praia, onde na ilha do rio faríamos o banquete. Cabe lembrar que todos esperavam o meu horário,  afinal, eu é quem cozinhava!

Surpresa: Rio cheio. Ilha encoberta. Com o impasse geográfico, a única alternativa era fazer à margem do rio, que embora não tendo o mesmo charme da ilha era o que restava. O espaço mínimo, mais dificuldade de coletar lenhas se tornou aventura. À beira do rio, espaço acanhadíssimos num singelo corredor entre arbustos e areia de uns 40 centímetros, fomos em frente. Resolvido o problema de falta de lenhas, acendemos o fogo, trempe, chaleira e panela de ferro fizeram exalar - duas horas depois - aquele cheiro maravilhoso de comida campeira. Com o grupo faminto, eu tinha a autoridade de servir, sempre. Evitava assim que os mais espertos passassem a colher por cima, catando a carne flutuante. Não mesmo!

Acontece que nesse dia ao retirar a panela do fogo, encostei acidentalmente minha mão na borda da panela extremamente quente. Queimo a mão e deixo cair a panela emborcada na areia! Meu Deus! Suspiro geral de extrema indignação seguido de um silêncio sepulcral! Ninguém diz nada. Olhar de espanto em todo o grupo. Semblantes de choro. Não podiam me matar! Eu “ainda” era amigo deles!

Veio-me à mente num o rasgo de esperteza, inteligência, criatividade - não é por estar na minha presença, mas porque sou eu quem está escrevendo - a solução prática:

- Eis que removo a panela, com suaves movimentos circulares subindo a panela quente, a ponto de ficar ao chão arenoso, aquele belo bolo branco com matizes escuras de charque picado. Bela montanha de um apetitoso arroz com charque fumegante! Silêncio permanece o grupo aguardando qual seria a ação de agora em diante:

- Todos deitados de peito na areia e cada um com seu garfo, comendo lentamente por cima, o melhor carreteiro que fiz na vida!  Afortunadamente só ao final do Ágape da "torta de arroz", é que nossos dentes começaram a tilintar na presença de inocentes grãos de areia que vinham do “fundo”...

quinta-feira, 18 de junho de 2020

07 - Fiá-da-puta!


Meus amigos,
Nesse dia 18 de junho, eu volto às minhas memórias em Jaguari. Vou tratar de um “amigo peralta” que se envolveu comigo. Dessa vez o ridículo não fui eu, mas ele. Fiquei como o repressor na história graças ao meu posicionamento estratégico diante do risco de ser roubado (furto no caso...)! Em se tratando de furto de frutas maduras de um pomar exuberante, farto, o crime deixa de ser crime e passa a ser uma aventura!

                                                 93 anos de história




07) Fiá-da-puta!                                                                   


Foi lá por 1962, que eu estava comendo bergamotas, no fundo do pátio de casa

em Jaguari no horário da preguiça, de sesta, isto é, após o almoço. Havia uma bergamoteira no canto do terreno, na esquina muito próximo a um pé de Ipê, que existe até hoje. Uma velha cerca de tela era suportada por uma imensa carreira de ananás, que pelas suas folhas agressivas – parecidas com abacaxi - mas bem maiores e mais espinhentas, essas fechavam o terreno para nos dar segurança e encarceravam as galinhas soltas no local, pois ali além do pomar era também o galinheiro. As bergamotas eram do tipo bem comum. Algumas tão azedas, de dar inveja a “limão com azia” ....


Neste dia eu estava em baixo da bergamoteira, que fazia uma boa sombra
com suas folhas e galhos quase tocando no chão, quando ouvi de longe um sussurrar de dois guris que

vinham pela deserta “Rua do Ginásio”. Era o Kolvynco e o Carlinhos L. Quando bem próximos de onde eu estava, o Kolvynco convidou Carlinhos:


Vâmo robá umas berga do véio Waldemar?
- Vâmo!”

Sinceramente pensei que estavam querendo “inticar” comigo, pois eu estava ali, próximo, não mais que três metros deles. O Kolvynco, na maior cara de pau, mas com alguma dificuldade, subiu em parte da cerca de tela se segurando e equilibrando nos galhos da bergamoteira, começou a apanhar as frutas que alcançava, enchendo seus bolsos e conversando agitadamente com o Carlinhos recomendando-o sem cessar:

- Cuida se vem alguém!

O absurdo é que nenhum dos dois me via, talvez por minha imobilidade e o meu propósito de me manter anônimo naquela circunstância. Subitamente Carlinhos me viu entre as densas folhas! Pasmo, ficou me olhando calado, sério, pálido

, sem dizer uma só palavra. Eu só o olhava sem nenhuma expressão. Carlinhos tentou um sorriso amarelo, mas fracassou. Ele era um bom menino tímido e roxo de vergonha pelo flagrante. Manteve-se em silêncio, não movia um músculo. O Kolvynco ainda sem me ver, com seu notável entusiasmo circunstancial, continuava a encher seus bolsos. Quando cheios, começou a arremessar para suas costas sem olhar, para que Carlinhos “abaralhasse” a sua parcela no furto. O coitado já pego em flagrante, se mantinha sem reação. À medida em que as bergamotas vinham voando na sua direção, batiam-lhe do peito, pescoço, ombro, testa, caindo no chão. E ele mantinha sua constrangedora imobilidade. Não pegava nenhuma. Apenas me olhava com aquele “quase sorriso” morno, estático. Kolvynco sem entender seu comportamento, ainda o xingava severamente:


- Olha aí seu boca-aberta. Apara as berga que tão caindo no chão... Não tá vendo? Seu “abobado da enchente”!

Impaciente, Kolvynco se dá conta do interesse curioso do amigo que mantinha seu olhar fixo-unidirecional: - A mim, é claro. Ao conferir a direção de tão concentrado olhar, viu que lá estava entre as folhas, o filho do “véio Waldemar”. Eu no caso! Eu fazia apenas um suave e silencioso aceno de negação com a cabeça! Ao me ver, olho no olho, tão próximo e tão sereno, derreteu!  Tive a sensação de que suas orelhas murcharam como as de um cão perdigueiro que apanha do dono. Seu olhar perdeu o brilho. Deu pena. Mas valeu toda minha paciente espera ao desenlace da situação criminal, quando ouvi sua sincera, eloquente e triste exclamação:

- Fiá-da-puta, tu tá aí!

Encerrou a colheita, desceu da cerca lentamente, recolheu as bergamotas que Carlinhos tinha involuntariamente desprezado e tomou o rumo de sua casa de cabeça baixa – mas comendo bergamotas - sem olhar mais para a cena do crime. Carlinhos manteve o mesmo olhar – acho que esperava um xingamento, que não veio - enquanto eu procurava manter apenas um “olhar de peixe morto”!

Sei que nos dias seguintes, continuaram roubando nossas bergamotas. Inevitável diante do lindo colorido que essas frutas de “amarelo provocante” dão aos nossos olhos adolescentes e gulosos em meio às folhas verdes que decoram aquele belo arbusto!
O melhor de tudo foi que esse fato gerou o início de uma grande amizade com o Kolvynco. Já contei história dele. É ele que chamo de “Velho Amigo” em outros contos. Amizade que existe e se mantém por bem mais de meio século!

Vista aérea da cidade de Jaguari-RS ao fundo Obilisco


















Observação: As imagens ilustrativas são disponíveis da Internet e não protyegidas pela Lei 9.610

quinta-feira, 11 de junho de 2020

06 - Deixa que eu chuto.

Meus queridos leitores, 
Nessa quinta-feira [11/jun/2020] vou contar na sexta crônica, um fato vivido, que na verdade considerando o “politicamente correto”, não teria crédito para o riso. No entanto, como o humor negro tem lá sua validade, me encorajo contar (o que fiz a poucos, pela cábula...) me “autoconcedo um perdão provisório! ” 
Saio um pouco dos meus bons tempos de Jaguari e vou para bem longe, New York City. Considerando que o objetivo central desse blog vem do seu título, “Crônicas de um Ridículo”, e como realmente me senti ridículo, passo a contar o “Deixa que eu Chuto!”:

06 - Deixa que eu chuto.                                                                                                 

Em fevereiro de 1995 eu acompanhava em Nova Iorque ao Patrô, meu amigo e antigo colega de uma Multinacional Americana, para um encontro com um executivo de um Banco Brasileiro, cuja Diretoria de Educação era na “Big Apple”!
Fomos apresentar um Programa de Educação através de Treinamento em Negociação para seus Executivos de Negócios. Estávamos, como diz na gíria, fazendo uma “cerca Lourenço”. Os americanos preferem chamar isso de “lobby” que é bem mais bonitinho! Pois reservamos uma semana para fazer a aproximação e abordagem, e finalmente um jantar de negócios com o futuro cliente.
Afortunadamente, o que mais nos sobrava era tempo a aguardar a oportunidade do encontro. Ótimo para quem está naquela exuberante e encantadora “City“, uma das minhas preferidas, talvez a melhor do mundo para jogar tempo fora em passeios dos mais variados gostos. Já perceberam o quanto gosto de NYC!
Numa tarde vagávamos a pé entre o Litlle Italy e China Town, bairros peculiares de Manhattan que misturam culturas latinas com orientais e também com bastante sujeira. Nada americana. 
Caminhávamos em uma calçada, que por razão de obras num prédio, havia um tapume de madeira com tela até o limite da calçada. Por questão de segurança os gringos constroem um estreito caminho – onde passa apenas uma pessoa por vez - com corrimão e tudo, paralelo ao meio-fio para o trânsito de pedestres daquele local, meio interditado. Como é construído na pista de rolamento, isto é, na rua muito estreito dando espaço como disse, para apenas uma
pessoa por vez. Naquele momento vinha no sentido contrário outro pedestre que possuía deficiência física e arrastava acentuadamente uma de suas pernas. Este defeito, algumas pessoas adeptas ao “humor negro”, maldosamente apelidam “deixa que eu chuto”. Patrô tinha essa frequentes brincadeiras. O jocoso apelido vem por parecer o movimento de atleta de futebol ao cobrar uma falta... Patrô, por educação - não se espantem, o brasileiro fora de seu país fica muito educado - cedeu à vez ao homem que vinha na nossa direção e como eu estava distraído, ele me segurou o braço e me chamou a atenção:

- Fausto, espera o “deixa que eu chuto” passar...

O cara estranhamente fez um olhar de brabo ao Patrô e se manteve com olhar fixo nele. (Cabe lembrar que americano não faz “olho- no-olho”, isso é tido como um atrevido desafio). Pois o cara veio caminhando em nossa direção, por aquele estreito corredor de uns seis metros, enquanto “educadamente” aguardávamos sua passagem. Penosamente mantinha aquele seu caminhar rengo e ao chegar a centímetros da nós, diz em alto e bom português:

- “Deixa que eu chuto é a puta que te pariu, porra! Educação não faz mal a ninguém né, o caralho! “

- Certamente senhor! Respondeu Patrô, já cabisbaixo...
Caímos no mais profundo silêncio por tudo o que ali tinha se passado! Retornamos ao hotel sem olhar um para o outro! Nova Iorque é mesmo sensacional. A gente encontra brasileiro onde menos espera, ou ainda, onde jamais gostaria de ter encontrado ou ser reconhecido. Só conseguimos rir da gafe cometida, quando de volta ao Brasil...

11/jun/2020

Observação: As imagens são meramente ilustrativas disponíveis na internet.

quinta-feira, 4 de junho de 2020

05 - Depende

Meus estimados Leitores,

Minha “Quinta Crônica” traz mais um conto dos bons tempos da minha Juventude em Jaguari, quando se tornou público na nossa “Rede de Amigos”, de que o Adão “andava aprontando”, na época em que a maioria dos amigos ainda virgens, provocava uma certa inveja o fato dele – tão feio - ter um “causo” com uma viúva!


PAlegre, 04/jun/2020.





05 - Depende...                                                                                   


Em Jaguari acompanhei a história de uma viúva de um pobre lenhador alcoólatra em último grau, se é que existe graduação para alcoólatra...
viúva se chamava Mary S., coitada, moravamiseravelmente num rancho ao pé do morro O Belisco. Adão, o “Peito de Pomba” era um moleque pós-adolescente, com o externo pronunciado - daí seu apelido – era um magrão, alto, feio uma barbaridade (também um coitado!), profissão engraxate. Pois o Adão era o “sortudo” garanhão, que comia a dita cuja! Aliás, acho que além do já falado externo bem pronunciado, tinha também um estômago privilegiado, porque a dona Mary era realmente algo difícil de se encarar, mesmo não sendo Adão, uma peça de “rara beleza”...
Até aí nenhuma novidade, personagens comuns. O inusitado era o rumo “sedutor” do idílio amoroso conduzido por Adão na abordagem de seus encontros e o charme do “contraposto” que ela jogava para cima dele se fazendo de difícil, toda a vez que ele a procurava para o ato em si. Bom, não era do tipo que iria desperdiçar carícias propostas por um guri disponível. Entretanto, por uma questão de autoproteção, valorização, charme, enfim, fazia seu ponto de dificuldade próprio dela para não se fazer “fácil”, pelo menos na resposta verbal.


Também muito criativo, romântico, sensual e inteligente era a sua aproximação, que exporei todo no diálogo pré-sexo logo a seguir. Mas quando o gajo chegava - deveria ter uns dezessete anos -contra uns sessenta e alguns indefinidos anos dela, ainda bem judiados e maltratados, diga-se de passagem. Ao chegar na porta do rancho, ele lançava seu olhar maroto, sorriso nos lábios e seu palito-de-dentes (imundo) em meio de seus poucos e amarelados dentes dizia cheio de si, seguro e em alto e bom tom:
-         E aí, Dona Mary, como é que eu tô neste corpo? Não lhe faço nada hoje?

A resposta, com firme segurança e invejável determinação:

-         Depende!


Nenhuma palavra mais. Assunto encerrado. Acontece, que quando ela pronunciava a palavra depende, supostamente exigia um misterioso “quid pro quó”. Entretanto já fazia com suas mãos levantando seu vestido, e onde estivesse se deitava de costas ao chão mesmo... Pronta para o que der e vier. Mais para dar do que qualquer outra coisa. Não importava se estava cozinhando próximo ao fogão, onde for. Simplesmente se jogava ao chão, voando panelas, bacias para tudo o que é lado se necessário fosse. Mesmo ao condicionando ao conquistador com aquela resistência resumida em uma única palavra, mais nada dizia, sequer justificava de que eventualmente dependia. Apenas agia. Creio que nem conhecia o que era uma calcinha. Totalmente livre para a “batalha”! Mas sempre lembrando a condição inicial, pois não se considerava uma mulher fácil. O que significava exatamente aquele “depende”, Adão nem ninguém nunca descobriu! A resistência toda estava na aquela palavra mágica e já de pernas abertas dava asas ao vilipêndio sexual!
- Depende!
  



Porto Alegre, 04/jun/2020.