Olá meus amigos,
Vamos para a oitava crônica cujo cenário ainda é Jaguari.
Que coisa maravilhosa ser ainda "menor de idade" e ter o direito de cometer erros, corrigir, apreender, crescer!
Como isso é frequente nas primeiras duas décadas de Vida, como crescemos e hoje sentimos tanta saudades!
Boa leitura!
08) Arroz com charque!
Vamos para a oitava crônica cujo cenário ainda é Jaguari.
Que coisa maravilhosa ser ainda "menor de idade" e ter o direito de cometer erros, corrigir, apreender, crescer!
Como isso é frequente nas primeiras duas décadas de Vida, como crescemos e hoje sentimos tanta saudades!
Boa leitura!
08) Arroz com charque!
Éramos três inquietos adolescentes, Rock, Cauby e eu. Vivíamos explorando o Cerro “O Belisco” de Jaguari. Numa
das expedições naquela mata nativa exuberante e virgem, descobrimos um buraco, uma toca
que percebemos ser uma caverna, provavelmente produzida por
desmoronamento de muitos anos passados. Possuía quarenta e oito metros de
extensão, rigorosamente medida por nós, não tínhamos dímetro, era com trena
mesmo. Na época não se discutia nada com o INMETRO!
Difícil acesso, íngreme e infestado
de morcegos. Acho que morcegos “inocentes”, pois também não se falava do
Covid19 Chinês... Ninguém na cidade sabia de sua existência. Fomos precursores. Muito curioso e óbvio, está lá
até hoje! Ninguém a explora. Continua exclusividade nossa!
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Quando anunciamos nossa gloriosa
descoberta na cidade, a gurizada ficou indignada. Mentira. Nada
melhor para provocar apostas. Estabelecemos o objeto dessa disputa que era invariavelmente um
“arroz com galinha”! Por quê? Ora, galinha, na época, só em galinheiro próprio,
em açougue nem pensar. Pior, nenhum papai seria suficientemente sensível para dar uma galinha para seu filho
moleque dividir com outros moleques! - “Se quiser comer galinha, come em casa domingo, ora bolas...” Então
tínhamos apenas duas alternativas: Roubar uma galinha ou escalar a um amigo a
roubar. Podia até roubar da sua própria casa. Também indiscutível e imbatível é que o sabor de galinha de
“galinheiro alheio” é superior! (Como as tais de bergamotas roubadas!)
Sempre fui o responsável a fazer essa gloriosa iguaria e dado as circunstâncias da origem da galinha, fazia às escondidas e de maneira bem primitiva. Fogo de chão preferencialmente na ilha do rio Jaguari, em meio a seculares árvores de “Salso Chorão”, que sustentam a ilha até nossos dias!
A primeira vitória da disputa da
existência ou não daquela caverna secreta, foi com o amigo Tuia, depois de comprovada sua existência e localização, pagou rigorosamente o combinado. Por ser Tuia um Positivista, ficou entusiasmado com a
disputa em questão e foi além, agenciou nova aposta com um amigo seu, desde que fosse
convidado a dividir o resultado, é claro. Esse seriam seus honorários!
Tudo acertado, partimos para a segunda disputa. Cumprido o
protocolo que visava manter o segredo absoluto da localização de tão importante
descoberta: - Venda nos olhos e lá foi a trinca comprovar sua descoberta. Nova incursão exitosa, entretanto depois
de perder a aposta, Dado F. era o amigo dele - que tinha uma certa dificuldade de expressão vocal
- contesta:
- Qui, qui, qui, eu tenho medo de roubar galinha... Não roubo!
- PQP, seu bunda mole! Agora que perdeu a aposta é
que revela seu “defeito ético”?!
Longas negociações se iniciam intermediadas pelo Tuia, o agenciador daquela disputa. Cede daqui
e dali e acabamos por flexibilizar o prêmio:
- Concordamos com um "downgrade": - Dívida de um arroz com galinha para um “arroz com charque”, o tal de
Carreteiro. Entretanto com um adicional compensatório de cinco garrafas cerveja preta, uma para cada participante, da recém
lançada Cerveja Caracu!
No sábado, depois do fechar a loja após o meio dia - meu compromisso profissional com a Família - já com fome zarpa o grupo de adolescentes para a praia, onde na ilha do rio faríamos o banquete. Cabe lembrar que todos
esperavam o meu horário, afinal, eu é quem cozinhava!
Surpresa: Rio cheio. Ilha encoberta.
Com o impasse geográfico, a única alternativa era fazer à margem do rio, que embora não tendo o mesmo
charme da ilha era o que restava. O espaço mínimo, mais dificuldade de coletar lenhas se tornou aventura. À beira do rio, espaço acanhadíssimos num singelo
corredor entre arbustos e areia de uns 40
centímetros , fomos em frente. Resolvido o problema de falta de lenhas, acendemos o fogo, trempe, chaleira e panela
de ferro fizeram exalar - duas horas depois - aquele cheiro maravilhoso de
comida campeira. Com o grupo faminto, eu tinha a autoridade de servir, sempre. Evitava
assim que os mais espertos passassem a colher por cima, catando a carne
flutuante. Não mesmo!
Acontece que nesse dia ao retirar a panela do
fogo, encostei acidentalmente minha mão na borda da panela extremamente quente. Queimo a mão e deixo cair a panela emborcada na areia! Meu Deus! Suspiro geral de extrema indignação seguido de um silêncio sepulcral! Ninguém diz nada. Olhar de espanto em todo o grupo. Semblantes de choro. Não podiam
me matar! Eu “ainda” era amigo deles!
Veio-me à mente num o rasgo de
esperteza, inteligência, criatividade - não é por estar na minha presença, mas porque sou eu
quem está escrevendo - a solução prática:
- Eis que removo a panela, com suaves
movimentos circulares subindo a panela quente, a ponto de ficar ao chão arenoso, aquele belo bolo
branco com matizes escuras de charque picado. Bela montanha de um apetitoso
arroz com charque fumegante! Silêncio permanece o grupo aguardando qual seria a ação de agora em diante:
- Todos deitados de
peito na areia e cada um com seu garfo, comendo lentamente por cima,
o melhor carreteiro que fiz na vida! Afortunadamente só ao final do Ágape da "torta de arroz", é que nossos dentes
começaram a tilintar na presença de inocentes grãos de areia que vinham do
“fundo”...