18) Quer que eu diga?
Estimados leitores,
Não me considero uma pessoa requintada, mas tenho um mínimo de polimento que me permite frequentar lugares onde se exija etiqueta e postura elegante. Me adapto fácil e rapidamente, embora eu prefira bermudas e chinelos no Verão. Vez por outra a gente se depara com pessoas exageradamente finas cujo comportamento às vezes nos constrange, até inibem. Faz confundir com pessoas FRESCAS!
Fui criado no
interior do RS onde as coisas simples, íntimas e carinhosas predominam o que acho mais agradável de conviver. Também ocorre de algumas pessoas mais toscas cruzarem nosso caminho e nos divertir, as vezes até assustar tamanho grau de
simplicidade, se é que me entendem...
18) Quer que eu diga?
Foi numa noite de verão, que fui com a Uke jantar na Churrascaria Barranco em Porto Alegre. Sentado na área interna na ala dos não fumantes, me colocaram ao lado de um curioso casal. Ele com um bigodão imenso, grosso, preto, parecia que tinha engolido um cavalo inteiro mas só o rabo ficou de fora da boca. Bigodão que tapava parte do nariz e até o "beiço" inferior! Pele queimada do sol com marca na testa do uso de chapéu. Mostrava claramente suas origens, tipo bagual. Homem forte, aparentando uns cinqüenta anos, se lambuzava estraçalhando um churrasco de costela. Ela, a moça, mulata gordota, meio sem pescoço, bastante batom vermelho, tipo chinoca xucra que só abria a boca para enfiar o garfo, sempre bem cheio é claro. Não dizia uma palavra, só acenava com a cabeça para concordar com o que “índio véio” charlava. Com ar de desconfiada, só engolia. Não me parecia mastigar. Acho que nem tinha dentes. Só gengiva...
Com mesas lado-a-lado, ele que ficava de frente para mim falando alto, se exibindo conhecedor na Capital, que conhecia a Avenida Farrapos, não se perdia na rodoviária, sabia onde era a Santa Casa, enfim, se mostrava experiente em transitar na cidade, uma barbaridade! Como ela não reagia a nada, ele às vezes dizia coisas engraçadas e me olhava procurando apoio. Por educação e constante "pressão visual", num momento qualquer eu inventei de sorrir. Foi meu primeiro erro da noite. O cara sentiu que achou um amigo para conversar. Puxou assunto falando bem mais alto, e diretamente comigo. Quis logo saber “de adonde” eu era e se identificou como “um guasca” parido com muito orgulho no Jaguarão, !
Trabalhava na fazenda do Dr. Fulano de Tal e que além de Capataz, guasca tropeiro era também poeta e foi puxando da guaiaca uns manuscritos amassados em papel de pão, escritos com lápis e com letra quase ilegível. Linguajar chulo! Para ser mais justo: Um horror! Palavras que encabulariam até o mais vulgar dos comediantes! Uma delas contava que "ao comer uma égua a puta lhe cagou nas bombachas!" E ele continua falando cadas vez mais alto. Do "potro que lhe derrubou com o cu no chão lhe esmagando os colhão” e assim por diante... Poesias de arrepiar. Eu não tinha mais coragem de olhar para os lados, vai que tem algum conhecido a imaginar que "baita amigo que me acompanhava na churrascaria! "Grosso até para cabaré fuleiro". Esbanjava bom gosto e requinte... Interrompeu a leitura e me olhava sorridente, orgulhoso, com os olhos faiscando na busca de elogio. E aí vem a pergunta em voz de uma trovoada:
- E daí, gostou vivente?
Por educação respondi bem baixinho, um minguado sim! Segundo erro da noite! Aí ele me tasca a pergunta fatídica, letal que inicialmente não entendi:
- Qué que eu diga?
- Sim, claro! (?)
O que significava exatamente aquele “qué que eu diga”, eu não captei! Pois foi o último e definitivo erro da noite. Ele se levantou – o índio era alto e forte – o restaurante lotado e com aquele burburinho natural da sexta-feira à noite, olha para mim e diz em alto e bom tom:
- Tu que conhece essa indiada tchê, pede prá fazê silêncio aí que eu vô dizê...
Pigarreou a garganta, botou um pé para a frente, peito para fora e olhar para o alto, fez pose da Estátua do Laçador. Me olhava as vezes com o canto dos olhos aguardando minha atitude de "Mestre de Cerimônias"! Ainda fazia um sinal com o queixo, como quem diz: "Vamos, te mexe!" Meu Deus! Aquele animal queria declamar diante daquele restaurante lotado,.mirava o grande público que ali jantava. Eu entrei em pânico. Fiquei roxo, não sabia como sair daquela fria. Daí implorei, quase chorando:
- Espera só um pouco. Agora esse pessoal não vai entender nada. Estão fazendo muito barulho com talheres, copos... Espera só mais um tempinho que eu vou providenciar tudo! Senta aí por favor!
Ele se sentou. Deu uma "bufada" de touro bravio e ficou sério me esperando... Ficou brabo comigo. Certamente feri seus sentimentos poéticos! Sem outra saída, interrompi meu jantar e cochichei ao ouvido da Uke:
- Levanta, vai lá no balcão, paga a conta e me espera por lá que eu já vou...
Ela foi. Dei um tempinho, disfarcei e fiz um gracejo com ele:
- O Patrão não me leve a mal, eu já volto, mas me dá sua licença que vou ao banheiro, senão me mijo todo...
Ele deu uma gargalhada para toda a churrascaria ouvir, se “espraiou na cadeira”, voltou a sorrir e me apoiou:
- Pode ir que eu te aguardo aqui guri!
Fui rápido até a copa, sem olhar para trás, peguei a Uke pela mão e sai quase correndo porta a fora do restaurante, fugi . Entrei no carro e saí cantando os pneus! Não voltei lá por muitos dias, espero que ele – se é que "disse seus versos" – tenha sido aplaudido, porque eu estrategicamente renunciei aquela missão... Não penso ser empresário de declamador tão cedo! Aliás, nunca mais tive uma "ameça de constrangimento" tão forte! Fui!
Porto Alegre, 03 de setembro de 2020.
Querido amigo gosto muito dos teus causos kkkkk,continua é muito bom e faz bem a alma,um abraço
ResponderExcluirBagual tchê.Assim que me refiro.hehe.
ResponderExcluirCom tuas histórias me desestresso, estava aqui escrevendo um projeto, um pouco com dor de cabeça, parei para ler a história do bagual, a memória melhorou e o stress foi embora...muito bom Fausto..continue nos enviando estas lindas histórias. Abs grande amigo e conterrâneo
ResponderExcluirRi muito. Parabéns
ResponderExcluirRi muito. Parabéns
ResponderExcluirMuito bom Fausto. Continuo em sintonia.
ResponderExcluirMuito bom!! Posso imaginar vc roxo de vergonha!! Eu tenho pavor dessas pessoas escandalosas!
ResponderExcluirGrande Fausto. Ótimo conto. A vida prega peças para que passamos habilidosamente transformar os limões em limonada. Mas também é uma saída honrosa quando batemos em retirada de situação de tamanho despropósito. Kkkkkk
ResponderExcluirGrande Fausto. Ótimo conto. A vida prega peças para que passamos habilidosamente transformar os limões em limonada. Mas também é uma saída honrosa quando batemos em retirada de situação de tamanho despropósito. Kkkkkk
ResponderExcluirKkkkk muito bom
ResponderExcluirAdorei! Gostaria de ser um passarinho para assistir tudo isto.
ResponderExcluirMuito bom como sempre! ❤️
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