Sempre que viajo, que me exponho a outras culturas fico nos primeiros dias muito atento para não cometer gafes ou até mesmo provocar situações indesejadas preocupado sim "do que os outros vão pensar"! Afinal de contas, quando estamos visitando outra Nação, temos no mínimo que procurar adaptação e aceitação dos costumes locais. Uma delas por exemplo, em território americano, é de que devemos evitar o olho no olho com desconhecidos, ao menos que estejamos preparados para ouvir um O QUE FOI indignado de um gringo ou da gringa que estamos observando... Se respondermos, certamente estaremos provocando uma discussão inútil e de repercussão inimaginável!
O fato que vou narrar, aconteceu no Chile e não contempla nenhum diálogo com nenhum chileno que me assistia ocasionalmente ao telefone, mas que despertou atenção unilateral deles comigo!
27) Troca de ouvido, mãe...
Final de 1993 eu
comentava com meu irmão, pouco mais velho, o Maninho, que estava difícil
ligação de Porto Alegre para Jaguari a falar com a mãe. Ele comentou:
- Pobre da mãe está com um problema em um dos ouvidos.
Quando isso ocorrer, diz a ela para trocar de ouvido, aí ela vai te ouvir normalmente.
Apreendi! Final do
ano viajei de carro a Argentina e Chile visando fazer pela primeira vez, o cobiçado “Circuito
Andino”! Depois da travessia de toda a América, via Uruguai, Argentina, a fantástica passagem pelos Andes chegamos a Santiago. Como planejado, tirei uns dias de descanso na Capital chilena. Em um dia qualquer ainda em Santiago, deixei o carro no hotel e fui via aérea a Puerto
Varas, no Sul do Chile, Região dos Lagos. Havia me “batido a preguiça” de dirigir mais 2.000 km (ida e volta) mesmo com a Rodovia Pan-Americana, moderna e de muito bom piso asfáltico. Chamou-me atenção uma promoção de pacote aéreo para a Região, muito interessante, comprei!
No dia da partida, ainda no aeroporto doméstico de Santiago bateu a saudade dos meus Velhos
e fui telefonar para casa! Não havia cabine telefônica, nem
orelhões. Os telefones públicos eram instalados nas paredes do saguão, um ao lado do
outro sem nenhuma proteção acústica. Liguei para Jaguari e a mamãe atendeu. Sempre com muita alegria, mas
pediu para eu falar mais alto porque estava difícil me ouvir. Lembrei da recomendação do Maninho:
- Troca de ouvido, mãe!
Ela não entendeu. Ouvi-a
ainda comentar com o Papito:
- É o Fausto! Está telefonando de longe, que pena, não dá
para ouvir direito...”
Ouvindo isso, fiquei angustiado e repeti um pouco mais alto a recomendação para trocar de
ouvido, mas sem resultado. Novamente quase gritando. O mesmo. Mais uma, desta
vez não era quase gritando, era gritando mesmo. Outra vez, gritando mais forte. Outra a todo pulmão e novamente já me esganiçando e mais uma que eu me
curvava as costas para o som sair mais alto. Minha persistência tinha um grande impulso, porque apesar da ligação ruim, eu a ouvia perfeitamente, e ela se lamentava chorosa de que sabia que era eu que estava falando, mas não conseguia me entender! A emoção toma conta de mim de tal forma, que me dava ânimo renovado. Reconstituía respiração e coragem de seguir em frente com gritaria plena.
Eu já não expelia só a voz, me
cuspia todo e meu pescoço parelho das orelhas aos ombros de tanto esforço vocal e nada. Aumentei o que deu o volume repetindo sempre a mesma
recomendação, aquelas quatro palavras mágicas:
- Manhê, troca de ouvido...
Fui sentindo um
calor intenso no corpo, mas não desisti, não me entrego tão fácil e continuei
repetindo com o volume de voz que me era possível, embora a garganta já em
pandarecos. Interrompia por alguns segundos para tossir um pouco, respirar
fundo e voltar no mesmo tom!
A ligação era cara, tinha que aproveitá-la. Novamente aos berros e assim
me mantive por alguns minutos, até que exausto, molhado em suor, me rendi! Pus
o fone no gancho ofegante e me escorei no próprio aparelho para recuperar o
fôlego por algum tempo. Paciência. Não há o que se fazer! Não deu! Fui derrotado. Ponto final!
Virei-me para comentar o triste insucesso com a Ukê que aguardava ao meu lado. Cadê ela? Sumiu! Desapareceu. Me abandonou covardemente em um telefone público.
Fiz um "olhar de varredura" no saguão da sala de embarque e finalmente avistei-a na outra
extremidade do aeroporto, meio escondida com seu rosto num vermelhão incrível. Parecia um tomate maduro. Segurava a barriga de tanto rir! Obviamente com vergonha do meu show! Inicialmente não entendi sua
atitude. Olhei ao meu redor e ENTENDI: - Belo escândalo! As pessoas no saguão no maior silêncio a me olhar com espanto. Alguns rindo, crianças
chorando, outros com olhos arregalados e ar de medo, outros procurando se
afastar de mim recolhendo a Família... Estavam definitivamente diante de um louco a berrar palavras incompreensíveis...
Bem, foi a vez de eu avermelhar de vergonha! Tossi discretamente para disfarçar não sei bem o que, fiz um sinal como que pedindo
desculpas, simulei procurar algo nos bolsos e sai de mansinho direto ao banheiro onde permaneci por alguns minutos esperando que “me olvidassem”... Esses chilenos têm dificuldade de entender um brasileiro ao telefone, só porque apresentava sinais de loucura! Monumental fiasco internacional! Que orgulho!