quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

35) Preparando um chimarrão na Feira

35) Preparando um chimarrão na Feira...


Essa é para encerrar o difícil ano de 2020. Não foi absolutamente um ano perdido, ao contrário, creio ser o mais rico, o que mais nos ensinou. Apreendemos a enfrentar dor da solidão, a saudade daqueles que a gente nem imaginava que gostava tanto e que sentiria tanta falta de seus abraços, olhares sorridentes e fraternidade explícita!

Tivemos que nos dar conta da finitude da Vida. Vivenciamos despedidas à distância. O que foi sofrido, passou como tudo na vida, nada é eterno!

Venha 2021 para continuarmos nossa caminhada com muita alegria, e apostem, vou continuar contando minhas passagens ridículas, como a que relato agora:

 

35) Preparando um chimarrão na Feira...

 

Essa eu vivenciei há pouco mais de dez anos, já um homem maduro com meus cinquenta e poucos anos. Estava acompanhado  dos amigos Garden com sua noiva Mairalyn e Anabol. Fomos ao Parque de Exposições Menino Deus em Esteio-RS, visitar a Feira Internacional de Agropecuária. O passeio transcorreu na mais absoluta normalidade, vendo cavalos, touros premiados etc., como é esperado. A Feira leva muitos fabricantes expositores de equipamentos, defensivos agrícolas e os mais diversos produtos que tem alguma coisa a ver com atividade de campo e lavoura. 

Ora, sendo exposição no Rio Grande do Sul, não podia faltar o chimarrão! Óbvio que o fabricante da matéria prima da nossa tradicional bebida, estava lá:
Ao passarmos por uma tenda de um fabricante de erva mate, despertou-me grande curiosidade com o formato com que as “meninas modelo” apresentavam seu trabalho através de desenhos ornamentando a erva em cuias. Cuias eram coberta de erva com apenas um orifício para a bomba e um infindável tipo de desenhos na superfície da erva! Muita criatividade! Na verdade – comum nesses eventos – é que lindas modelos trabalhavam aquela Arte com grande habilidade e uma gentileza encantadora!

Eu, muito interessado – estava mais para "assanhado", oferecido - pedi mais e mais informações. Em excesso fazendo com que a instrução demorasse mais que o habitual enquanto "eu babava" com elas ao meu redor. A mesura era tanta, que meus parceiros constrangidos com minha espontaneidade, se retiraram do local e me aguardaram à uma distância razoável!

Ao me dar conta do mico que “o velho babão” pagava, encerrei, agradeci e  me retirei. Ainda num misto de faceiro e convencido, sai dando uma sequência de “tchauzinho” e abanicos até sair da tenda! Tinham pelo menos três delas que ficaram me retribuindo com olhares insinuantes e sorrisos prometedores! E eu acreditando...

Saí me sentindo cheio de glória, vaidade estimulada!

Ainda olhando para trás, ao descer o degrau do passeio não percebi uma fenda no chão onde prendi o pé, perdi o equilíbrio e para não quebrar o pé preso, me lancei para a frente me apoiando com uma mão no chão, mas o piso de chão batido com cascalho fez a mão resvalar e tive que usar a outra mão - tudo em alta velocidade - a segunda mão também não resolveu nada e fui por alguns metros levantando poeira e chamando atenção de tantos que assistiam e  dei de ombro no chão e entrei de cabeça na terra. Como bom atleta que era, me recuperei e heroicamente, já quase em pé mas com o corpo inclinado para a frente, fiquei tonto perdi o equilíbrio, “tastaviei” dei ainda uns quatro passos largos a frente, tropeçando  cai de corpo inteiro no chão! Perdi a feroz batalha contra a Lei da Gravidade!

Cabeça e ombro enterrados na terra, fui levantando lentamente, com os cabelos cheios de terra cuspindo areia! Nada demais, talvez uns 100 gramas, suficientes para fabricar meio tijolo, pois areia misturada com saliva fica.... Deixa prá lá!!!

Um vexame histórico para ninguém botar defeito! Umas quarenta pessoas assistiram aquele espetáculo. Uns se assustaram, muitos riam com tamanho reboliço e baderna de um homem só!

Levantei meio grogue, assoprei um pouco o pó para enxergar alguma coisa. Não olhei para trás. Não queria nem ver a reação das meninas se divertindo com meu fiasco. Procurei retomar o prumo ainda tonto com o sacolejar que o cérebro levou, procurei ver onde estavam meus amigos, pois tinha perdido os de vista!

Lá estavam eles há uns oito metros me aguardando – para minha sorte os três estavam de costas – não viram o desastre.

Fui me batendo e tirando a terra da roupa, ainda roxo de vergonha me aproximei lentamente até recuperar a respiração ofegante. Eles ainda de costas, arrisquei comentar com um tom dando pouca importância ao ocorrido:

- Olhem só o que me aconteceu: - Tropecei na saída da tenda e...

Eles explodiram em gargalhadas e assim se mantiveram por longos minutos, antes de eu falar mais uma palavra! Tinham assistidos a tudo! Com pena de mim, viraram de costas apenas para me poupar! Era tudo o que eles queriam ouvir! Que glória! Que vergonha! Que merda!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

34)-O Testicocéfalo

 34) O Testicocéfalo


Em Jaguari havia um conterrâneo alegre, descontraído e simpático rapaz de nome John Forest. Muito conhecido e reconhecido pelas suas exitosas aventuras sexuais e larga experiência no trato amoroso com as empregadas domésticas, aliás, sua especialidade! Jovens que vinham da colônia tentar a vida na cidade eram imediatamente detectadas pelo conquistador de corações e “adjacências”! Raras as que escaparam de sua abordagem libidinosa. Seu critério de seleção não era dos mais apurados. Dizem que sua exigência básica é que elas tivessem genitália feminina! Só! “Traveco”, nem pensar!

Um dia o John Forest foi acometido de apendicite. Hospitalizado teve que se submeter à cirurgia de urgência. Até aí nada demais, acontece que o Hospital de Caridade era administrado por uma Congregação Religiosa, trabalhada exclusivamente por freiras, desde funções executivas, administrativas, enfermagem etc. As auxiliares de enfermagem, que fazem a parte menos sofisticadas da saúde, eram executadas por “juvenistas”, moças que futuramente se sagrariam freiras e usariam o “Hábito Tradicional”. Como o próprio nome diz, são jovens e algumas, bem bonitas conforme a Natureza lhes agraciava.

Vamos ao que interessa: - A cirurgia: No momento em que preparavam o John para o procedimento, cuja incisão é feita próximo à virilha, veio uma “juvenista” fazer sua depilação!  Moça graciosa e com encantador sorriso:

- Bom dia seu John! Vamos depilar as partes?!

John apesar de ser o Grande Conquistador da Cidade, era encabulado acima da conta. Quando a moça se aproximou de seu leito e levantou a vestimenta do paciente - própria para cirurgia – suas partes íntimas ficaram totalmente expostas. A moça trabalha com tranquilidade e grande delicadeza, quase com carinho e naturalmente movimentando as partes íntimas do John para que a depilação fosse completa.

Nesse momento passa pela cabeça do João, como um raio, a hipótese de uma inadequada ereção! Ele pensa quase em voz alta:

- Não! Isso não pode acontecer comigo agora, pelo menos não agora! Pela-amor-de-deus, não!

Agora cá entre nós homens, sabemos que a paudurescência não é necessariamente uma ação voluntária, não há um controle que possamos acionar como se fosse um simples botão com “on/in”! Se fosse possível, mas não é.

Hummm! Está aí um útil alvo para a ciência desenvolver! Que tal?

Desculpa, foi apenas uma ilação. Voltemos à cirurgia: - John olha fixo para o canto do teto do quarto tentando pensar em outra coisa. Seu membro continua a manifestar movimentação de intumescimento. John quer evitar o provável vexame a todo custo. Morde um dedo da mão para através da dor conter seu natural impulso sexual, nada. Começa a assoviar, cantarolar. Nada dá resultado. Para seu desespero a moça pega delicadamente seu membro, dizem que de expressiva dimensão, isto é, um cara "avantajado" mesmo! Ela,  com suas frágeis e delicadas mãos, até onde eu sei, não usava luvas, algo talvez julgado desnecessário naquela época... Trocando-o de lado para outro a prosseguir a depilação. Esse toque foi muito além de qualquer controle possível ao pobre John. Em segundos está hasteada a bandeira! Impossível disfarçar sua natural manifestação erétil! John cobre seu rosto vermelho e "fervendo" com o travesseiro tamanho sua vergonha!

A moça percebendo toda aquela entusiasmada manifestação, não dá a mínima demonstração de irregularidade, não meche um músculo de seu rosto. Mantém um meigo e discreto sorriso invejavelmente tranquila! Toma um grosso volume de algodão, encharca-o em éter e passa fartamente no muito “faceiro membro” do John!

A ação gelada do éter, faz com que aquilo que era enorme e imponente, desabe morto, anestesiado, mole, uma verdadeira “geleia de pênis”, inútil que se deita sobre sua barriga desfalecido, tornando inesquecível sua internação hospitalar!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

33) Cumi!

33) Meus estimados leitores,

Volto a falar de uma de tantas viagens para minha Terra Natal. Foram tantas e muitas com as gostosas  aventuras decorrentes desse longo trecho de estrada ruim. Hoje seleciono uma delas, que divido, além da precariedade das rodovias, algo que já estávamos até acostumado, a falta de infra estrutura adequada com os postos de gasolina, lanchonetes etc... 

O melhor de tudo isso, eram as companhias que eu escolhia a partilhar dessa aventura!


33) Cumi!      

Na primeira metade da década de 70 eu fazia Faculdade de Administração de Empresas em Porto Alegre, mas ainda tinha muita saudade de Jaguari, dos meus queridos amigos de lá, meu irmão Sérgio e em especial aos meus Velhos Pais! Sempre que fosse possível, ia a Jaguari passar o final de semana com a Família e amigos, como já contei em crônicas anteriores. Como o trabalho exigia dedicação permanente, as escapadinhas para “casa” se davam em breves finais de semanas, cujo sacrifício de sair em viagem, para cumprir 404 quilômetros, metade asfalto e metade buracos e pedras de estrada de chão, só poderia ocorrer após as 23h00min nas noites de sexta-feira, após a Faculdade!

Nandinho, já incluído em contos anteriores, além de velho amigo, morava junto comigo. Também era colega de faculdade e na mesma situação, adorava visitar seus velhos em Jaguari. Dupla perfeita com a mesma vontade, mesma grana – que era pouca – e mesmos ideais sonhadores!

Fazíamos essa aventura de mais de seis horas de estrada, como disse, sofridas e poderia piorar ainda mais com chuva, que aí beirava a loucura, mas sempre com muita alegria. Habitualmente fazíamos um lanche frugal antes da aula e o jantar, aquele de encher o bucho de um pós-adolescente, acontecia depois da aula, , em plena estrada é claro!

Em viagem esse jantar, que nos pegava faminto, era retardado ao máximo com o objetivo de lá adiante distrair o cansaço e nos manter sem sono. Isso acontecia bem mais tarde que o habitual, porque a inegável emoção da saída em viagem nos abrandava o apetite. Lá pela uma ou duas da madrugada a fome vinha furiosa, então jantávamos a bordo. Não era bem um jantar, mas sanduiche talvez uns pastéis faziam o renascer em meio à estrada. No período em que Nandinho foi militar da aeronáutica, trabalhava no cassino dos oficiais e aí o lanche vinha de lá!

Restaurantes abertos no meio do percurso eram raríssimos e implicava em investimento provavelmente pouco suportado pela dupla, se é que me entendem...

Numa destas oportunidades, Norbi, meu sobrinho de uns cinco anos, foi junto. Por essa razão, minha cunhada Su fez um “farnel” para levarmos, pelo que agradecemos entusiasmadamente! 

- Norbi já jantou. Fiz uns sanduiches e uns pasteizinhos para vocês lancharem durante a viagem! Espero que gostem!

Um pacote enorme com uma bela quantidade de sanduíches – pareciam muito gostosos, presumi – e outros quitutes! Lá pela madrugada, quando a fome apertou, o Fernando olha pra trás, vê o Norbi, que ouvia tudo atentamente viajando o tempo todo em pé, com suas mãos apoiadas nos nossos bancos, que eram de sua altura, e ordena:

- Dá o lanche Norbi!

Ao que ele responde com uma adorável voz meiga, fininha, própria de criança tão amada que era. Criança nessa idade nos deixa inebriado de carinho e ternura:

- Cumi!

- Tá legal! Que bom que já comeu guri! Agora nós vamos comer, dá daí os sanduíches!

Norbi responde novamente com tom de voz mais fininho ainda, quase um miado:

- Cumi!

Nandinho incrédulo, enlouquecido examina o banco traseiro desesperado e não vê vestígio algum do pacotão de sanduíches! Talvez alguns farelos de pão espalhados junto com o pano de pratos e papeis da embalagem do NOSSO farnel.

- Comeu tudo seu bosta?

- Hum, hum!

Ele assentiu com a cabeça!

- Fausto, eu não acredito que esse monstro do teu sobrinho tenha comido todo nosso jantar. Puta-qui-pariu! Não podia ter feito isso conosco! Que merda tchê!

O danado ANTES tão amado, tinha devorado tudo! Não dava para acreditar mesmo que um menininho tão pequenino, tão franzino, mesmo que já tivesse jantado - conforme sua própria mãe nos afirmou - tinha “agasalhado” todo aquele pacotão de lanche feito para  todos nós! Nosso jantar se foi. Ficamos completamente na mão, famintos. Pior: Àquela época – como já disse - não havia nenhum recurso de lanchonetes à beira da estrada, restaurante, muito menos um “general store” de hoje em postos de gasolina.

Paramos de falar. Silêncio sepulcral na cabine. Acabou a alegria da viagem. Com fome e calados até chegar às casas na alta madrugada! 

Esse Norbi ainda me paga!

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

32) Essa é a tal de Tecnologia!

Meus estimados amigos e leitores,

A crônica de hoje eu não a vivenciei, como as que de costume relato. Também não li. Me foi relatado por um dos componentes da "roda de assuntos diversos", de uma boa e honrada Família do interior de Jaguari, na qual dou total crédito, caso contrário sequer publicaria!

Durante essas "rodas", saem pérolas preciosas no diálogo, na discussão e a boa dose de Sabedoria, quando um Ancião se pronuncia. Enquanto o assunto não entra em pescarias ou caçadas, a verdade permeia os assuntos de forma generosa. Ouve-se histórias que se perpetuam em nossos pensamentos e se tivermos atitude de bom ouvinte, obtém-se Sabedoria Pura, pelo que eu acredito fazer parte na crônica a seguir!

Aprecio muito comentários dos que me prestigiam com suas pacientes leituras!


32) Essa é a tal de Tecnologia!

Me revelaram - jurando verdade - que lá por setembro de 1969 no Chapadão, distrito de Jaguari e área de produção de muita uva e portanto, vinhos coloniais, estava reunida uma numerosa família de italianos, obviamente debaixo de um parreiral após o almoço num bom domingo de primavera.

A conversa corria solta entre os mais jovens – todos os homens – porque as mulheres ficavam lá dentro da casa terminando os afazeres da cozinha. Afirmar que aquele mundo era machista, é chover no molhado!

Pois o assunto do dia era a chegada do Homem a Lua, que fora presenciado há poucos dias pelos raros aparelhos de televisão – em preto & branco – da Região. Não precisa ter a imaginação muita apurada, para antever que um grupo de italianos, depois de muito vinho qualquer assunto se torna polêmico, seja ele qual for.  Os da ala da esquerda, afirmavam com toda a veemência possível que era pura invenção e gritavam:

- Truque de cinema! Invenção mentirosa dos americanos, porco dio!

 Diziam aos berros, emparelhando o pescoço com os ombros e rosto vermelho como tomate maduro! O grande mérito das acaloradas discussões "Ítalo-etílicas", é de que jamais ultrapassam a divisória da gritaria com o "vias de fato!" Podem encerrar o domingo DE MAL  com o irmão, primo, cunhado... No domingo seguinte o Abençoado Almoço de Domingo se repete com o mesmo calor humano, fraternidade e entusiasmo de todos. O encontro é quase um movimento Religioso e por algumas vezes no ano, o Padre responsável pela Paróquia é o principal convidado! E para tanto, semanas antes a contribuição para construção da Capela é reforçada e não se fala absolutamente nada que desabone o Pároco! Pelo menos nessa época...

O polêmico assunto da chegada na Lua de Neil Armstrong e Edwin Aldrin volta à pauta:

- Toca tu lá vê no cinema que os bandido dê-lhe tomá tiro pelas venta e não acontece nada, tudo mentira!

Os mais conscientes defendiam a evolução da tecnologia e que a chegada do Homem a Lua era um fato verdadeiro e consumado e só um burro não aceitava...

-  Burro é a tua nona!

A discussão ia aquecendo cada vez mais e mais como toda a boa discussão entre italianos e seus descendentes.  “Mama,  nona, il culo”, já incluídos na troca de elogios! Ameaças do tipo “te cago a pau” já tinha rolado.

Até Brizola já tinha sido lembrado como prova de que americano mente! Foi então que um pacificador, prevendo que o pau ia correr, chamou a intervenção do Chefe da Clã, que até aquele momento, só ouvia!

- O que o senhor acha disso tudo, nono? Não são tudo uns mintiroso fiá-da-puta?!

Silêncio de todos. O nono, muito bem sentado, só escutando, mastigando a própria dentadura – chapa no caso -  no lento balançando sua cadeira de vime, estava impávido! Com seus quase noventa anos de vida e uns cem quilos de porte físico, preparava seu cigarro de palha esmagando fumo crioulo com seus "dedões grossos como parafuso de patrola", unhas bem crescidas e pretas - imundas na verdade – continuava amassando aquele fumo rançoso e velho que acabara de picar. Com essa interpelação, após aquele silêncio que preanunciava resposta bem pensada, trovejou afinal a Voz da Sabedoria:

- Ah vá lá porco Judas! Essa é a tal de tecnologia! Depois que inventaram a máquina de debulhá milho, eu não duvido de mais nada, éco!

 Diante da tamanha Sabedoria, contestação invariavelmente vetada, afinal de contas o velho sabia tudo,  se encerra a discussão e voltam a falar de como gosta de uma polenta  e como está gorda a prima Maria do Escapulário!

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

31) O Trem Noturno.

31) O Trem Noturno

Meus amigos,

Um pouco do passado distante: - Nosso Brasil foi muito expressivo e avançado nesse modal de transporte. Conta do Século XIX o primeiro trecho - Tempo do Império - de quatorze quilômetros a iniciar na "Guia Pacobaiba", estação preservada até hoje. Essa destacada posição foi em especial graças ao arrojo de Barão de Mauá que com financiamento e riscos pessoais, fez o transporte ferroviário evoluir e ganhar destaque mundial! 

Lamentável que em algum momento da História recente, o transporte de passageiros foi abandonado e o de carga de certa forma sucateado. 

As viagens de trens que fazíamos, guarda grande saudade. A que contarei agora, em especial, trata de uma viagem que fiz com um grupo de amigos em 1970 e foi tristemente a última viagem de trem que fiz no Rio Grande do Sul.  Doze anos mais tarde foi a vez de conhecer e utilizar esse transporte entre Rio e São Paulo.


31) O Trem Noturno.                                            


O "Noturno", como o chamávamos, era um trem que saia na noite de Porto Alegre e passava por Jaguari lá pelas 10:00 hs do dia seguinte, numa viagem pitoresca de umas doze horas de duração. Havia um carro leito, com custos mais elevados, que se podia tirar uma boa soneca. Nunca tive este privilégio, mas ouvi falar que era bom. Absolutamente incompatível com o poderio econômico que meu bolso representava!

Ao completar meu primeiro ano na Capital, em 1970, fui de trem curtir o Carnaval em Jaguari. Formamos um memorável grupo de amigos: O Gordo, Tadeu, Léo, Gilseu, Tono, Edgar "o cunhado", Campanher o "Santiagua" e eu compúnhamos essa ruidosa trupe. Podem imaginar a alegria de oito “pós adolescentes” fazendo provavelmente sua primeira viagem sem os “cuidados da mamãe”. Melhor ainda, voltando para casa a curtir uma festa de Carnaval! Euforia solta e sem controle!

Na saída, o trem lentamente pela Rua Voluntário da Pátria diminuiu ainda mais seu ritmo e parou. Foi o que bastou para o Santiagua descer e pegar num boteco qualquer, um litro de canha “Fronteira”, cachaça mais conhecida da época, . A festa começou: Gilseu tinha uma vitrola portátil e fazia a música. Uma chamada especial com um disco cantado pelo "Topo Gigio"! Sucesso absurdo da TV naqueles dias! Tínhamos somente uma poltrona de dois lugares para todos, então todos em pé! A baderna era tanta que vinham passageiros sem sono, de outros vagões só para se divertir com a nossa bagunça!

Acontece, o que é natural, é que havia dezenas de passageiros do nosso vagão, que queriam dormir e começaram a reclamar e foram tantas as reclamações, sem que déssemos a menor importância até que o Chefe-de-Trem fosse chamado a intervir:

    

Também não demos a mínima. Fomos ameaçados. Nos mantivemos surdos às reivindicações de silêncio. Enfim a ameaça derradeira:

- Em Cachoeira vou chamar a Brigada Militar!

Ao som romântico do "ta-clac-ta-clac" dos trilhos o entusiasmo da fuzarca só aumentava ! 

E não é que em Cachoeira ele chamou a polícia mesmo?! O trem para na gare e lá veio ele bufando sobre seu grosso bigode acompanhado de dois policiais da Brigada Militar grandes, ambos com cara de mau, bem fardados, cassetetes em punho, revólver na cintura capacete e todo preparo para  guerra! Sinceramente, cagaço anunciado! Então ele vociferou:

- Agora todo mundo prá Delegacia! Acabou o Carnaval nesse vagão!

O Tono, que havia acabado o CPOR (lembrando que nesse ano, o Governo Federal Militar tinha uma força extraordinária) como Segundo Tenente, falou do alto de sua Exuberante Autoridade Militar:

- Sou um Oficial do Exército Brasileiro, e brigadiano não tem autoridade suficiente para me tirar deste trem e muito menos aqueles de quem eu sou responsável! Agora, só um Oficial da Polícia do Exército tem poder para discutir esse assunto comigo! Eu falei DISCUTIR!!!

Dou ênfase, a esse breve e valente discurso, proferido em nossa defesa e a tamanha repercussão Nacional que estava por se provocar: - Ora, nessa época de Repressão da Revolução de 1964, o Exército mandava com voz grossa e com muita autoridade em nosso País! O Tono com apenas dezenove anos, encarnava a própria figura do Poder Nacional. Impostação e elegância de um Oficial do Exército ele teve de sobra! Nunca me senti tão importante e protegido por um guri, quase um ano mais novo que eu, mas que agora rocou grosso e bonito! Afinal, todos nós - teoricamente - fazíamos parte daquele grupo que ele assumira responsabilidade espontaneamente. Que emoção ao ouvir um sonoro e empolgante discurso de um Verdadeiro Representante das Forças Armadas Nacional. Soaram efusivos aplausos e delírio de todos aqueles que não tinham sono e queriam continuar a fuzarca!

No entanto O Chefe-de-Trem, com seus dois Soldados, se manteve inabalável e o Tono ainda os peitou encerrando o caso: 

- Podem sair daqui, agora!

- Sua identidade militar senhor, por favor.

- Um minutinho! Onde está? Cadê? Acho que esqueci em casa...”

Tono tinha deixado a bendita identidade em casa. Quase me mijei nas calças. Bem, aí o Brigadiano cresceu pelo menos três metros em altura e dois para os lados, ficou um gigante e lascou sem ao menos um "sorrisinho" prá nós:

- Todo mundo pra fora do trem agora. Já pra delegacia, todos!

Pânico generalizado. Quem seriam esse tal de "todos" que seriam levados à Delegacia?! Nós! Tono, eu calculo que voltou aos sete anos de idade. Vamos perder o Carnaval em Jaguari. Que desgraça. Já era madrugada de sábado e ficaríamos no merecido cárcere até a quarta-feira de Cinzas! Ah se arrependimento matasse! Nossa valentia sofre um "derretimento" assombroso. Vexame absurdo e reduzida a um "estado de cagaço" invejável! 

Gilseu em silêncio até aqui, escondeu seu toca-discos e assumiu a defesa. Subiu num banco, ajustou voz de seminarista e orou, ou melhor falou em tom Franciscano:

- Perdão! Clemência! Uma toleranciazinha para um humilde grupo que ficará em total silêncio para o resto da viagem! Juro!

Não teve crédito algum. A decisão estava tomada. Uns choramingavam, todos muito humildes com semblantes da Madre Thereza de Calcutá sob chuva! Tono com a voz bem, mas bem mais fina ainda que seu primeiro valente pronunciamento, fez seu último comovido apelo:

- Deixem eu ficar. Não posso abandonar minha prima de nove anos, que está sozinha no vagão leito! O que será dela?

Isso complicou a vida dos policiais. Havia uma menor de idade, criança envolvida. Mas eis que Gilseu volta e arremata com nova e emocionada intervenção, milagrosa! Sábia frase digna de um Monge Tibetano:

- Errar é humano senhores, perdoar é Divino! Perdoe-nos senhor Chefe-de-Trem! Lhe suplico com toda humildade!

Chefe-de-Trem que não era burro, sabia que prender um monte de adolescentes e até uma criança que certamente dormia em outro vagão, ia dar um trabalho enorme na Delegacia, além de ter que acompanhar o "pelotão de presos"... O trem ficaria esperando na gare? Claro que não!

Perdoou! Nos abraçamos felizes e seguimos viagem com o rabo entre as pernas em absoluto e religioso silêncio até Santa Maria para dali aguardar “baldeação” para o outro trem que nos levaria ao destino final: Jaguari!

Tivemos um sossegado Carnaval cheio de gratidão ao inesquecível e bondoso Chefe-de-Trem!