terça-feira, 12 de janeiro de 2021

37) Dificuldade com troco...

37) Dificuldade com troco.

Meus amigos,

A Crônica de hoje relata algo acontecido há quase meio Século. Custei a ter coragem de escrevê-lo, pois em virtude do “ perfil ignorante”, procurei ocultá-lo.

Hoje me revelo, tenham paciência comigo e me desculpem pela grosseria perpetrada contra um cobrador de ônibus!

O que pode suavizar minhas crônicas, é a exposição de figuras que ilustram de forma inteligente – agora posso elogiar porque não sou eu que as produzo – com a criatividade de Dirceo Stona, que desde a primeira crônica esteve me estimulando, incentivando e garimpando as figuras que ilustram tão bem as histórias! Obrigado meu amigo, amizade de mais de sessenta anos! 



- Dificuldade com troco.



Entre 15 de maio de 1970 e 28 de fevereiro de 1986, nossa moeda brasileira era o Cruzeiro, padrão empreendido pela reforma monetária que vinha dos Cruzeiros Novos. Na metade de 1971 a maior nota era de 100,00 cruzeiros, um valor muito alto na época e semelhante na relação com o Dólar Americano nos dias atuais de 2020, isto é, uns US$ 20.00.

Certo dia saquei 100,00 para pagamento de uma conta no dia seguinte. A nota de “enorme valor” ficou na carteira. Ao ir para a Faculdade, pegava ônibus na Praça XV no centro de Porto Alegre. Antes de embarcar tomei uma “batida de morangos”! Ao pagar, verifiquei que tinha exato o valor daquele lanche e me restou aquela única nota para o ônibus, que custava centavos, nem chegava a um cruzeiro. Fiquei preocupado com a reação que o cobrador teria diante da dificuldade com o troco da época. Pior, preocupação crescente!


Ao embarcar no ônibus lotado, observei que o Cobrador de aspecto rude, muito sério tinha cara de brabo. Que azar. Estou condenado. Fiquei em pé sem passar na roleta imaginando o que ele me dirá em função da falta de troco. Ficará furioso. O cara era forte, tinha mãos enormes e imaginei que discutiríamos. Vou apanhar feito um cachorro ladrão desse monstro! Qual a razão de ele ser tão estúpido, grosseiro “dessa forma” comigo só porque não tenho dinheiro trocado? Deve ser um ignorante recalcado que vendo minha pasta "de Faculdade", deve imaginar que eu sou esnobe com intenção de humilhá-lo. Não é nada disso, apenas fiquei involuntariamente com essa cédula de alto valor...

Li casos em colunas policiais de jornais, sobre brigas com final trágico nessa situação. Não tenho alternativa diante de sua tamanha falta de educação. Terei que “engrossar” – sei que a melhor defesa é o ataque - para que não perceba que estou com medo. Respirei fundo e botei o peito para cima para mostrar musculatura (inexistente) e fui para a roleta. Larguei aquela maldita nota disfarçando a mão trêmula de medo no que, como esperado, ele retruca:

- Não tem nota menor?

Eu sabia que ele ia implicar comigo, me provocar para depois justificar sua ação tão violenta! Vou determinado e não vou mostrar medo, é assim que devo agir:

- CLARO QUE NÃO, PORRA! Não tá vendo que só tenho essa nota? Se tivesse é óbvio que não usaria, né?! Tem cada pergunta!

Eu nunca tinha dado um “pataço” tão perfeito, tão forte! Cavalo nenhum me superaria! Pudera, eu tinha que ser forte diante de tamanha ameaça que aquele perigoso cobrador representava! Sem exagerar nem um pouco, o cara podia até me matar!

- Sem problema. Arrumo troco!

Surpreendentemente falou bem baixinho e baixou-se para pegar “algo”. Desconfiei. Fiquei preparado, pois há casos de cobradores usarem uma chave-de-fendas como se fosse estilete que produz perfurações letais no abdômen de seu oponente! Um horror! Assassinos frios e cruéis! Entretanto, ainda que me parecesse falso, tomou de uma sacola cheia de dinheiro e pegou um pacote com 100 notas de um Cruzeiro, tirou uma nota para descontar o valor da passagem e ainda apanhou as moedas para completar o troco corretamente.

Notas velhas formam um “bolo de grana” que não cabe em nenhuma carteira, joguei tudo na pasta sem contar, ainda furioso e passei a roleta. Ao passar, uma moça que sentava ao lado do cobrador, se levantou e disse :

- Sente-se aqui, que vou desembarcar!

 Está tudo dando certo, pois até essa menina ficou com medo de mim, entretanto era tudo o que eu NÃO queria: - Sentar ao lado do cobrador.  

Mas com cautela e com o canto dos olhos fiquei cuidando o cara e notei - eu estava muito esperto, alerta -  que ele me olhava a toda hora. Estava me observando. Continuo me sentindo ameaçado, mas prevenido. Finalmente cheguei ao destino. Levantei pensando em não mostrar medo nem ficar muito de costas para ele. Fiz-lhe ainda um olhar ameaçador de muito brabo e sai. Dois passos e ele fala:

- Boa aula, seu Fausto!

Parei. Olhei para trás e o moreno estava com um largo sorriso, estampando uma bela dentadura alva e uma simpatia inigualável! Derreti! Senti que até minhas orelhas murcharam! Vontade de olhara no espelho e dizer: "Seu idiota!"

Desci no ônibus sentindo um calor muito intenso no rosto. Dei uma olhada para a sua janela e lá estava ele sorrindo e me abanando. Simplesmente tapei o rosto com uma mão e com a outra abanei pra ele! Ele percebeu que eu estava muito envergonhado (ainda estou) e me fez um sinal de positivo com o polegar!

Nesse momento, se deu um fenômeno interessante em toda a pele que cobre o meu rosto, além de quente, sentia nitidamente meu batimento cardíaco! Interessante, né?!

A dúvida que fica: - Será que ele me achou ignorante? Talvez não! Apenas um grosso mal-humorado!

Eu nunca soube quem era aquela “Graça de Pessoa” e nem de onde me conhecia! Por sorte nunca mais peguei viagem com ele. Fiquei devendo para sempre um pedido de desculpas ajoelhado! Que vergonha. Sentir-se um animal é o pior dos sentimentos de "auto estima”!

8 comentários:

  1. Muito bom como sempre Fausto! Não consegui te imaginar assim tão grosso e ignorante. Esse não era tu..... Abração!

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  2. Hehehe,algum conterrâneo,que não quiz se identificar.

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  3. Fiquei imaginando o “demonstrar dos músculos (inexistentes)”. Hahaha. Ah, se o Mestre Suzuki estivesse vendo isso no ônibus!!!!

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  4. Kkkk esse não é o Fausto que conheço!

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  5. Fausto, com certeza não era tu esse cara, foi o medo que te fez macho no momento..kkkk..abs e obrigado por compartilhar historias para alegrar meu dia..

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  6. Fausto, essas memórias de coisas que fazemos e dizemos , nos acompanham, pode ter certeza que não és o único. Mas o cobrador tinha estilo hein?????
    Marco Aurélio já dizia: "A maior parte das coisas que falamos ou dizemos não e necessária, quem as eliminar da própria vida será mais tranquilo e sereno"

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  7. Fiquei curiosa.... será que o cobrador era de Jaguari? Não duvido....😂😂😂😂😂😂

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