quarta-feira, 27 de outubro de 2021

77) Lentidão, foi vantajosa!


Desde que conheci os Estados Unidos da América, através de prêmios conquistados na Coorporação Internacional que trabalhei por uma década, passei a curtir aquela Organizada Nação, como minha preferida ao turismo. Na minha segunda viagem àquele País, inclui New York City na qual identifiquei a minha clara, plena predileção! Estive por lá oito vezes e muito em breve voltarei, para dessa vez me despedir, encerrar o ciclo NYC. Agora chega. Novos horizontes planejados que contarei mais adiante.

 A primeira vez foi em Junho de 1979, quando tentei engolir a cidade inteira, ver tudo em apenas quatro dias. Foi uma loucura que evidentemente não atingi o objetivo até certo ponto de vista, um tanto presunçosa, idiota. Ainda mais que era uma época em que “coisas importadas” não eram comuns ao longínquo e cheio de regras, Brasil. Isso significava um destacado interesse não turístico, as compras, embora longe de minha predileção! 


Meu foco era conhecer locais famosos e atraentes. Só fui me dedicar aos museus na outra vez em que estive na Big Apple e ainda mais adiante os shows e casas de espetáculo. O Central Park, é outra atração indispensável! Então desta feita, a primeira, as visitas obrigatórias como Estátua da Liberdade, Empire State Building, World Trade Center etc., fizeram a glória do passeio. Como podem notar, à medida em que se visita a cidade, surgem novidades e o encantamento se amplia, daí minha predileção!

Nessa viagem, fui acompanhado de três colegas: Rugg, Bicaco e Mariano, o último, colega de São Paulo. Esse, dominava o idioma inglês e tendo trabalhado no Metrô de São Paulo, tornava-o muito hábil no seu uso, que considero o melhor e mais barato meio de transporte metropolitano disponível. Isso facilitava e agilizava nossas idas e vindas para todo o lado.

Mariano sugeriu fazer um tour de helicóptero que só eu topei. Rugg e Bicaco decidiram naquele dia ir às compras. Então nos dirigimos até a doca chamada de Island Helicopter, localizada à margem do East River onde se contrata esse passeio sensacional, que recomendo com suprema ênfase.

Para fazer esse encantador reconhecimento aéreo da cidade, são disponibilizadas quatro alternativas de voo, cada uma com seu preço. Plano de voo: Imagine um desenho de um “trevo de quatro folhas” sobre o mapa de toda a Manhattan e adjacências. Cada pétala cobre um percurso de dez minutos no ar. O voo é feito em aeronave de porte médio, daquelas que se vê nos filmes de guerra do Vietname. A cabine é central do helicóptero, é composta dois bancos frente a frente, quatro passageiros em cada um deles. Metade, portanto, é privilegiada em voar com a porta aberta ao seu lado e é só se deixar inebriar com a beleza e peculiaridade da viagem. Os outros quatro ficam ao centro com visão um pouco limitada, mas não menos desafiadora! O voo é realizado a uma altura de uns dois mil pés.

Dado à natural e reconhecida escassez de dólares em nossos bolsos, compramos, eu e Mariano, uma única pétala do voo – dez minutos -  que nos daria o prazer de conhecer um voo em aeronave jamais experimentada e de um visual esplêndido! Enquanto somente nós dois aguardávamos o momento de embarque, outro grupo de sete passageiros a nossa frente, faziam seu “check in” para viagem de três pétalas, os trinta minutos.

Surpreendentemente o "manager" do heliponto veio falar conosco e dizendo algo, que com o barulho do motor e das pás do helicóptero roncando, soprando aquele cheiro forte de gasolina de aviação, não entendi nada, entretanto o rápido Mariano, sai em disparada em direção à aeronave, há uns quarenta metros de nós. Corri atrás dele como um cão perdido do seu dono, meio bobo sem saber o que ocorria, e assim me mantive vendo-o embarcar e com sorriso de orelha a orelha e se acomodar no último acento central disponível. Pronto, lotou! Quem embarcou irá voar...

A realidade é de que é muito mais econômico para a administradora do heliponto, colocar um passageiro que pagou dez minutos, em uma vaga sobrando no de trinta minutos, do que fazer uma decolagem especial de dez minutos só para dois “pobres latino americanos”, que pagaram dez minutos. Até aí, o óbvio!

Eu era um poço de dúvidas, me mantive com postura de menino abandonado na FEBEM, talvez com cara de choro quando o tal "manager" me aborda e  fala um pouco mais lento e pergunta se eu não me importo de ir naquele voo já lotado, na sobra de um acento na cabine junto ao Comandante, já que naquele voo não exigia Copiloto!

Oh Senhor! Respondi com o YES mais definitivo do século! Para terem ideia da minha alegria nessa inusitada e impensável experiência, a cabine do Piloto é como uma bolha de vidro, onde até o assoalho é todo de vidro, cuja visibilidade de quem está ali embarcado é global, total, glorioso! Inacreditável voo


A primeira pétala é sobre parte do Brooklin e Queens; a segunda sobre o Empire State Building, Central Park, Hudson River e New Jersey e o derradeiro sobre Estátua da Liberdade mais o Financial Distric, onde se dá forte e emocionante turbulência em especial a uma parada flutuando sobre o hoje destruído World Trade Center! Nesse ponto a turbulência é fortíssima, sacode a aeronave assustadoramente, janelas batem, treme tudo, o assoalho parece que vai quebrar! Para quem gosta de emoções fortes - meu caso - é muito legal!

Pousamos de volta extenuados e é encerrado o tour. Fora da aeronave sente-se aliviado, uma grande alegria e a sensação muito confortável de estar com os dois pés no chão, solo firme! Olhei para o Mariano, que tinha visto muito menos que eu e dessa vez o sorriso de orelha a orelha era meu, então perguntei debochado:

 - Gostou do visual do nosso voo, Mariano?

 - Tsc, tsc, tsc! O que eu tinha de sair correndo! Tua lentidão, foi privilegiada! Hehehehe... 

  Voltamos a curtir nossos quatro dias na Capital Mundial da Cultura. Sempre que eu lembrava, olhava para ele e ria largamente! Mariano apenas acenava um gesto negativo com balanço da cabeça e dizia:

 Por que eu fui correr!!!







quarta-feira, 20 de outubro de 2021

76) Diante de uma cordial e boa argumentação...

 

76) Diante de uma boa argumentação...


Já fui consultado diversas vezes por jovens cuja idade se aproximava ao cumprimento de seu Serviço Militar Obrigatório, de como se livrar dele, se isso é possível. Na verdade, nos dias atuais isso não requer nenhum esforço, pelo contrário, jovens, como meu neto William Diefenbach fazem questão de vivenciar essa experiência na Caserna e acabam sendo dispensados por excesso de contingente. Isso os frustra e entristece muito e eu lamento sinceramente!

Lamento porque esse Serviço representa o Grande Rito de Passagem na idade do Homem, que migra definitivamente da Puberdade à Idade Adulta! A razão dessa metamorfose está no fato de que enquanto vivemos com nossos Pais, na maioria das Famílias, o Mundo Externo é blindado, somos protegidos. Ainda há alguns jovens que julgam essa Primeira Etapa da Vida, como período sofrido em que nada podem decidir. São sempre “nossos Progenitores Vilões”, os carrascos impondo suas Cruéis Ditaduras (risos)! Então Quartel é uma oportunidade real de fuga e de sua ditatorial e rigorosa dependência.

Servir às Forças Armadas portanto, destrói esse primeiro mito da "Escravidão Infantil"! Daí é que recomendo entusiasmadamente aos meninos que enfrentam essa dúvida cruel: - Aproveite que está a sua disposição a real forma de independência materna da sua existência! "Custa caro", mas é real, efetiva!

Sei que todos aqueles meninos que me ouviram, já na primeira semana de caserna, me odiaram! Trocaram sua doce mamãe - se dá conta quando isso já é tarde - por um Sargento que pune mesmo... Mudanças de um terno “não faça isso, meu filho” por um padrão de contestação, semelhante a porrada no meio da testa!

Agora te tratam como um homem, não uma criança mimada. Ficou clara a diferença? Pois é, mamãe não tinha percebido, ou não queria perceber aquilo que o Sargento vê: - "Agora, és um homem e como tal será tratado!"

É chegado o momento de viver toda dificuldade que se apresenta na vida, não transfere mais aos pais. Assume-se!  Do tipo, te vira...

Em meu período de Soldado, a tarefa diária de limpar os cavalos, recolher seus dejetos,


cuidá-los carinhosamente é obrigação. Ajudar no adestramento também e depois, muito tempo depois, montá-los! Creiam-me, o animal é amado, reverenciado por toda a Tropa, muito mais que ao "pobre Soldado". Entretanto, desenvolve-se uma relação de afeto e carinho entre o homem e o animal, inimaginável!

Minha primeira experiência em montaria no lombo de Sua Majestade, o meigo cavalo, foi em marcha noturna de umas sete horas montado em animal “encilhado”, pronto para esse fim. Atividade é muito tranquila, calma! Mas não é a mais desafiante de todas. O desafio, foi levar os animais a um banho dado no rebanho em que cada “milico” vestindo apenas um calção de brim, tipo bermudas, uma corda enlaçada no focinho do cavalo e a montagem “em pelo” no animal, a cavalgar por longos cinco quilômetros!

Éramos cento e poucos Soldados sob o Comando de um Sargento e observação de alguns Cabos. Lá fomos nós ao banho dos animais em uma reserva de água um pouco afastada da cidade de Santiago. Tratava-se de um córrego mixto de água limpa com um dos esgotos da cidade... Não descrevo seu odor, para evitar que meus leitores interrompam suas leituras aqui!

Meu cavalo vinha como os demais, num trote forte, fazendo com que sua espinha dorsal, que é saliente por uns dez centímetros, martelasse impiedosamente os fundilhos da vítima, ou melhor, minhas partes íntimas. Imaginem o resultado dessa artilharia constante para quem sem experiência, que fica literalmente sentado no osso do lombo daquele animal desgraçado! A pele humana que reveste a região superior de onde se encontram as duas cochas, é vagarosa mas persistentemente e impiedosamente removida ao atrito da aspereza, do duro lixamento do seu lombo em mim, resultando um rego depauperado, pelado a levar dias e mais dias para recuperação, cicatrização. Dói por muitos dias, "apenas" para caminhar, sentar, montar ou se deitar. Resumindo, desconforto enquanto acordado! Acabou meu amor e admiração pelo equino! A partir daquele dia, nunca mais consegui olhar nos olhos de um cavalo com alguma simpatia... Cavalos, vão a merda!

Curiosamente nessa trilha, uns trinta metros antes do primeiro córrego daquela “água espetacular”, o meu matungo filho-da-puta se assusta, não imagino com o que e dispara e desabalada corrida rumo ao nada. Flutuei ao longo do dorso em desespero crítico. Escorregava do lombo ao pescoço sem cair e nem imaginar o que poderia fazer. Avistei adiante um volume de água na trilha, que supus, pelo choque térmico iria pará-lo ou pelo menos diminuir a alucinante velocidade galopava e então me mantive ainda corajosamente montado, segurando pelas orelhas, mordendo a crina e gritando por socorro!

Pois o danado bate na água e renova seu ímpeto com maior velocidade ainda! Sem pestanejar, convicto empurrei-o para baixo, isto é, com impulso das mãos saltei para cima, ele passa e me enterrei de cara no barro!


Cem metros adiante o animal foi contido e trazido de volta  pelo Sargento que me olhava com cara de nojo, como se tivesse me extraído de seu próprio nariz!

- Monta!

- Ah não monto! Mas não monto nem a pau! Esse desgraçado enlouq...

- MONTA AGORA ou eu te coloco na montaria a relho?!

Diante dessa cordial, compreensiva, meiga e amiga argumentação, me convenci de que de fato que era uma ótima ideia! Então montei novamente e seguimos em frente! Há uma sentença militar que diz: "Superior nunca se engana, raramente erra e quando erra, é por culpa do subordinado!" Acho linda, empolgante e humilde afirmação!

Final do dia todos exaustos de volta ao alojamento onde como resultado daquele dia fatídico, permaneci por umas três semanas caminhando meio de pernas abertas, a dar liberdade às partes púdicas em não ter contato direto com a dolorosa e agressiva cueca!

Quanto sofrimento, no entanto foi o ano em que mais ri de toda minha vida!  Havia um colega Aimoré dos Santos Peixoto, que ao seu lado era impossível se manter sério, nunca! Amadureci muito e sem "pagar com envelhecimento", pois incorporei um jovem e ainda jovem dei baixa mas com uma carga de Sabedoria e tolerância adquirida extremamente rica! Que saudades!


quarta-feira, 13 de outubro de 2021

75) Carioca tem um Marcante Sotaque!



Retorno ao meu decisivo e mais importante momento de mudança, metamorfose mesmo, quando abandonei a adolescência e me tornei jovem adulto, construído durante onze meses e alguns dias de Serviço Militar, no ano de 1967.

O fato que narro agora, aconteceu numa celebração pela minha promoção a Cabo do Exército. Na noite daquele honroso dia, fui me encontrar com amigos no bar “Cavalo Branco” - inspirado numa conhecida marca de Scotch Whisky - no centro de Santiago-RS. Eu era só alegria! Fui fardado orgulhosamente ostentando pela primeira vez o Sinal da Graduação, na manga do jaleco! Finalmente deixara de ser apenas um Soldado Raso!

Apesar de ser em “dia de semana”, o barzinho lotou cedo, burburinho típico da jovial alegria coletiva, muita fumaça onde todos fumavam, desprendendo aquele cheiro típico, hoje tão odiado e proibido em ambientes fechados. Nesse dia, ou nessa época isso não só era permitido, de certa forma obrigatório, afinal de contas, embora as damas também fumavam – e bastante – o gesto de fumar nos fazia sentir mais macho!

Já estava na minha segunda “Cuba Liebre” – o velho rum com Coca-Cola – quando chegou outro jovem, amigo daqueles que compunham a minha mesa e ali se sentou. A alegria quase eufórica se renovou, pois o novato na mesa, era um carioca que há pouco chegou em Santiago, vindo da ESA – Escola de Sargento das Armas, “Escola Sargento Max Wolf Filho”! Estabelecimento de ensino Superior (Nível tecnólogo) do Exército. Ele, recém formado e promovido a Sargento o que animou mais a conversa com o cara. Seu sotaque era carregadíssimo o que claramente o identificava como um Carioca da Gema, “chiava mais do que locomotiva no cio”!

Contaram-me tempo depois, de que ele quando chegou em Santiago, de trem, avistou em um verde campo, algumas ovelhas pastando, no que o provocou questionar:

- Que animaix são essex pequenuix, que vextem pulovehhhr?

Na Caserna – onde rola a chacota sem perdão - passaram a chama-lo de Sargento Pulôver, é claro!!!


Voltemos ao inebriante festejo no “Cavalo Branco”: Assunto correu solto sobre o Exército, as mulheres, em especial às que NUNCA PEGAMOS, sobre bebidas e finalmente sobre as comidas típicas de cada lugar e que nos provocam gula. Primeiro o carioca se esbaldou merecidamente, falando das deliciosas feijoadas do Rio de Janeiro, muqueca de camarão e peixes, bacalhau dentre tantas. Foi o carioca que provocou o momento gaúcho de comidas típicas, quando quis saber de como era o tal de chimarrão. Dado algumas instruções primárias veio a hora de falar no carreteiro de charque, feijão mexido, churrasco e foi quando um dos gaúchos falou de "picanha gorda ao ponto", com sua capa de gordura amarela coberta de sal grosso que o carioca com água na boca, inadvertidamente exclamou:

- Bah!

- Opa! Tu disse bah?!

- Eu? Não! Claro que não rapá! Cê tá ouvindo dimaix!

- Falou sim! Todos ouviram. Carioca não fala bah! Bah é “nosso”! Só gaúcho fala...

Para a desgraça e desmoronamento do “carioca” todos confirmaram o que tinham ouvido e ele foi obrigado a se render!

Era gaúcho nascido e criado em Passo Fundo que até para apreender a dançar, foi em CTG -


Centro de Tradições Gaúchas! Depois de uma gargalhada geral, demos um festivo voto de bom retorno ao Rio Grande do Sul!

Dali em diante o ambiente ficou muito descontraído e ele passou a nos chamar de “tchê”, quando milagrosamente parou de chiar e perdemos de ouvir o charmoso e Marcante Sotaque Carioca!!!

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

74) E a “Alma do Outro Mundo”?!



Algumas Crendices Populares ligadas ao Folclore de diversas Regiões assustam, outras nos provocam risos, mas todas, no mínimo merecem nosso respeito, ainda que sejam para dar trote aos menos avisados: - Comer uva depois de comer melancia faz mal! Passar em frente de um Cemitério à meia-noite dá azar! Dormir com fome, tira o sono! (Esse eu acredito!) E assim por diante.

Cumprindo uma frase magnífica de Mário Quintana: " O passado não reconhece o seu lugar, está sempre presente!" Então retrocedendo novamente à minha infância feliz, volto a Jaguari. Minha Família era composta do casal, pai e mãe, e cinco filhos. Uma menina e quatro varões. Os cinco concebidos em apenas 14 anos. Isso significa uma numerosa molecada barulhenta e muito ativa, entretanto o rigoroso sistema de educação acontecia sob rigor que a Época exigia. O olhar do meu pai derretia até tijolo refratário, no entanto era o “chinelo da mãe” que fazia a parte prática da didática reinante! Não havia ameaça do tipo “se fizer isso de novo”... Nada disso, o pau comia na hora. Pagamento da pena à vista. Não tinha recurso para segunda instância.

Morávamos em uma casa ampla de arquitetura antiga, na Rua Sete de Setembro em Jaguari, com um amplo pátio com pomar de muitas frutas, horta da mais variada espécie de legumes, galinheiro sempre com mais de quarenta penosas, parreiral e jardim, cujo destaque era o orquidário com mais de mil espécies, sendo que algumas delas, foram criadas pelo meu velho pai! Enfim, espaço glorioso para infância e juventude! Lembrando que o rio que empresta o nome à Cidade, estava há menos de 200 metros de casa, com sua água limpa e refrescante para todo o Verão.

Além disso, herança do meu avô paterno tínhamos, há seis quilômetros da cidade, um sítio que chamávamos de “Colônia”. Sem nenhuma edificação. Também banhada pelo rio Jaguari. Lá, com algumas cabeças de gado, pequenas lavouras e uma mata nativa de dar inveja! E as pitangueiras! Ah as pitangueiras faziam a euforia da gurizada em meio à perfumada Primavera! Graças às pitangueiras, os sabiás orquestravam com seu canto o alvorecer e o entardecer mais belo do mundo!

Era lá que acampávamos em barracas e dormíamos sobre pelegos, curtidos no Curtume também da Família. Os finais de semana que por lá passávamos, eram nossa glória! Amanhecer toda Família dentro de uma barraca ao som do canto daqueles sabiás, não tem preço... Sonho até hoje vendo aquele recanto bucólico, como o verdadeiro Paraíso!


Em algumas ocasiões de feriados, finais de semana prolongados, Carnavais, se juntavam três – às vezes mais – titias com suas Famílias, sempre acompanhadas de instrumentos musicais e a farra entrava madrugada adentro! “Hó quanta alegria! ”

Seu Waldemar, meu pai, tinha muitas ligações sociais, políticas e com seu trabalho no curtume da cidade. Foi Prefeito e alguns mandatos de Vereador, sócio dos dois clubes e ao CTG, filiado a um partido político mais um Time de Bolão e por aí vai! Cheg, já era demais. Sempre muito ocupado. Valorizava e gostava muito disso, felizmente!

A cidade, sob responsabilidade da Prefeitura, produzia a energia elétrica, antes de ser encampada pela CEEE em 1961. Para economizar combustível, o fornecimento de eletricidade se encerrava à meia noite, retomando ao amanhecer do dia seguinte . 

Numa sexta-feira que acampamos, meu Velho retornou à cidade pois tinha seu compromisso profissional durante o dia e na noite, torneio de bolão no Clube União.

Como bom escoteiro que fora no passado, apreciava caminhadas longas e com alguns trechos improvisados - pela via férrea por exemplo - por conta disso nos deixava no acampamento com o “caminhãozinho”, um Opel alemão ano 1951, que servia como recurso em caso de qualquer emergência.

Nessa sexta-feira ao voltar para a Colônia, caminhando solitário, portando apenas uma lanterna de pilhas para lhe iluminar o caminho – percurso que incluía passar defronte ao cemitério municipal – acontece que, ao aproximar em uns cinquenta metros do portão principal do Campo Santo, parou para olhar para trás e ver a cidadezinha toda iluminada. Curtiu esse momento por segundos, mas que subitamente, como era de costume, a cidade toda se apaga e tudo mergulha numa intensa escuridão, um breu. Sem luar nem céu estrelado. Pois esse apagar das luzes, marcava precisamente a hora local: - Meia noite em ponto!

Sem mais para curtir aquela parada lúdica, segue em frente rumo à Colônia, no entanto ouve surpreendentemente às suas costas um bater de palmas. Isso mesmo, “alguém" aplaudia! Ele pensa:

- Na minha frente, o portão de entrada do cemitério, às minhas costas aquele "alguém" bate palmas, justo à meia noite! A dúvida é para onde correr!

Sem alternativa de direcionamento encorajador de fuga da provável da Alma do Outro Mundo, decide fingir que não deu bola e seguiu seu caminho. Mais uns quatro ou cinco passos e a aclamação se repete, só que com maior intensidade, talvez resultado do silêncio absoluto daquele momento mágico, afinal de contas era a tal de meia noite em ponto! Momento trágico, contou-nos muito tempos depois!


Sua Sabedoria ditava que o medo é importante, mas que deve ser investigado, para não lhe dar um valor ainda mais forte que o real! Então parou – não adianta correr para lado nenhum, pois a fuga duraria muito tempo e sem resultado prático – então se deteve novamente e procurou com seu "foco de pilhas", observar ao seu redor! Avistou, na direção do fatídico aplauso, um grupo de mulas. Mudou a direção da luz da lanterna quando se repete o  aplauso assustador se repete exatamente de onde estavam as tais mulas!

Manteve o foco por alguns minutos até que uma delas sacode a cabeça – talvez para afastar insetos – que ocasionava o choque entre suas longas orelhas fazendo o som de aplauso, dessa vez mais discreto do que antes de sua identificação! Certamente o medo, ou com o CAGAÇO - como dizem os gaúchos - motivou a amplificação do som!

Um suspiro longo de pulmão bem cheio, seu Waldemar segue agora sua trilha tranquilo, sorridente a louvar o descanso em paz daquela ameaçadora “Alma do Outro Mundo”! Contou-nos, muitos anos depois!