quarta-feira, 6 de outubro de 2021

74) E a “Alma do Outro Mundo”?!



Algumas Crendices Populares ligadas ao Folclore de diversas Regiões assustam, outras nos provocam risos, mas todas, no mínimo merecem nosso respeito, ainda que sejam para dar trote aos menos avisados: - Comer uva depois de comer melancia faz mal! Passar em frente de um Cemitério à meia-noite dá azar! Dormir com fome, tira o sono! (Esse eu acredito!) E assim por diante.

Cumprindo uma frase magnífica de Mário Quintana: " O passado não reconhece o seu lugar, está sempre presente!" Então retrocedendo novamente à minha infância feliz, volto a Jaguari. Minha Família era composta do casal, pai e mãe, e cinco filhos. Uma menina e quatro varões. Os cinco concebidos em apenas 14 anos. Isso significa uma numerosa molecada barulhenta e muito ativa, entretanto o rigoroso sistema de educação acontecia sob rigor que a Época exigia. O olhar do meu pai derretia até tijolo refratário, no entanto era o “chinelo da mãe” que fazia a parte prática da didática reinante! Não havia ameaça do tipo “se fizer isso de novo”... Nada disso, o pau comia na hora. Pagamento da pena à vista. Não tinha recurso para segunda instância.

Morávamos em uma casa ampla de arquitetura antiga, na Rua Sete de Setembro em Jaguari, com um amplo pátio com pomar de muitas frutas, horta da mais variada espécie de legumes, galinheiro sempre com mais de quarenta penosas, parreiral e jardim, cujo destaque era o orquidário com mais de mil espécies, sendo que algumas delas, foram criadas pelo meu velho pai! Enfim, espaço glorioso para infância e juventude! Lembrando que o rio que empresta o nome à Cidade, estava há menos de 200 metros de casa, com sua água limpa e refrescante para todo o Verão.

Além disso, herança do meu avô paterno tínhamos, há seis quilômetros da cidade, um sítio que chamávamos de “Colônia”. Sem nenhuma edificação. Também banhada pelo rio Jaguari. Lá, com algumas cabeças de gado, pequenas lavouras e uma mata nativa de dar inveja! E as pitangueiras! Ah as pitangueiras faziam a euforia da gurizada em meio à perfumada Primavera! Graças às pitangueiras, os sabiás orquestravam com seu canto o alvorecer e o entardecer mais belo do mundo!

Era lá que acampávamos em barracas e dormíamos sobre pelegos, curtidos no Curtume também da Família. Os finais de semana que por lá passávamos, eram nossa glória! Amanhecer toda Família dentro de uma barraca ao som do canto daqueles sabiás, não tem preço... Sonho até hoje vendo aquele recanto bucólico, como o verdadeiro Paraíso!


Em algumas ocasiões de feriados, finais de semana prolongados, Carnavais, se juntavam três – às vezes mais – titias com suas Famílias, sempre acompanhadas de instrumentos musicais e a farra entrava madrugada adentro! “Hó quanta alegria! ”

Seu Waldemar, meu pai, tinha muitas ligações sociais, políticas e com seu trabalho no curtume da cidade. Foi Prefeito e alguns mandatos de Vereador, sócio dos dois clubes e ao CTG, filiado a um partido político mais um Time de Bolão e por aí vai! Cheg, já era demais. Sempre muito ocupado. Valorizava e gostava muito disso, felizmente!

A cidade, sob responsabilidade da Prefeitura, produzia a energia elétrica, antes de ser encampada pela CEEE em 1961. Para economizar combustível, o fornecimento de eletricidade se encerrava à meia noite, retomando ao amanhecer do dia seguinte . 

Numa sexta-feira que acampamos, meu Velho retornou à cidade pois tinha seu compromisso profissional durante o dia e na noite, torneio de bolão no Clube União.

Como bom escoteiro que fora no passado, apreciava caminhadas longas e com alguns trechos improvisados - pela via férrea por exemplo - por conta disso nos deixava no acampamento com o “caminhãozinho”, um Opel alemão ano 1951, que servia como recurso em caso de qualquer emergência.

Nessa sexta-feira ao voltar para a Colônia, caminhando solitário, portando apenas uma lanterna de pilhas para lhe iluminar o caminho – percurso que incluía passar defronte ao cemitério municipal – acontece que, ao aproximar em uns cinquenta metros do portão principal do Campo Santo, parou para olhar para trás e ver a cidadezinha toda iluminada. Curtiu esse momento por segundos, mas que subitamente, como era de costume, a cidade toda se apaga e tudo mergulha numa intensa escuridão, um breu. Sem luar nem céu estrelado. Pois esse apagar das luzes, marcava precisamente a hora local: - Meia noite em ponto!

Sem mais para curtir aquela parada lúdica, segue em frente rumo à Colônia, no entanto ouve surpreendentemente às suas costas um bater de palmas. Isso mesmo, “alguém" aplaudia! Ele pensa:

- Na minha frente, o portão de entrada do cemitério, às minhas costas aquele "alguém" bate palmas, justo à meia noite! A dúvida é para onde correr!

Sem alternativa de direcionamento encorajador de fuga da provável da Alma do Outro Mundo, decide fingir que não deu bola e seguiu seu caminho. Mais uns quatro ou cinco passos e a aclamação se repete, só que com maior intensidade, talvez resultado do silêncio absoluto daquele momento mágico, afinal de contas era a tal de meia noite em ponto! Momento trágico, contou-nos muito tempos depois!


Sua Sabedoria ditava que o medo é importante, mas que deve ser investigado, para não lhe dar um valor ainda mais forte que o real! Então parou – não adianta correr para lado nenhum, pois a fuga duraria muito tempo e sem resultado prático – então se deteve novamente e procurou com seu "foco de pilhas", observar ao seu redor! Avistou, na direção do fatídico aplauso, um grupo de mulas. Mudou a direção da luz da lanterna quando se repete o  aplauso assustador se repete exatamente de onde estavam as tais mulas!

Manteve o foco por alguns minutos até que uma delas sacode a cabeça – talvez para afastar insetos – que ocasionava o choque entre suas longas orelhas fazendo o som de aplauso, dessa vez mais discreto do que antes de sua identificação! Certamente o medo, ou com o CAGAÇO - como dizem os gaúchos - motivou a amplificação do som!

Um suspiro longo de pulmão bem cheio, seu Waldemar segue agora sua trilha tranquilo, sorridente a louvar o descanso em paz daquela ameaçadora “Alma do Outro Mundo”! Contou-nos, muitos anos depois!


14 comentários:

  1. Que calma do senhor Waldemar eu iria correr muito.

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  2. Que infância maravilhosa que vc teve! Seu pai foi muito corajoso. No lugar dele teria saído correndo.

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  3. Bom dia , uma bela narrativa sobre o dia a dia do povo e brasileiro que herdou dos seus ancestrais

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  4. Infância como toda a criança mereceria ter. Para depois poder contar essas histórias.
    Muito bom.

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  5. Bom dia Fausto, como sempre muito interessante teu conto. Retrata muito bem um situação que deve ter acontecido com muitos, mas poucos teriam a reação que teve o seu Waldemar!!!🤗

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Fico imaginando o medo que ele teve... Por falar em medo, quando a gente era criança, passava as férias na casa de campo de Petrópolis. Não tinha nada de campo, era apenas uma casa na beira da subida da serra, quase no cume. Depois dela só tinha uma curva e depois era plano até chegar a Petrópolis. Pois bem, quando caíam as chuvas de verão era um tal de pipocar raios a torto e a direito. Uns até caíram nas árvores de estavam ao redor da casa. E a única superstição da mamãe era acender uma palma benta e ficar dizendo "protegei-nos Santa Bárbara e São Jerônimo! E não podia ter nenhum espelho descoberto nem tesoura à vista... Ainda bem que eu não tinha estudado eletricidade ainda. Porque se já tivesse, ali era um lugar que um para-raios seria essencial! E eu ficaria aterrorizado até poder entrar dentro do carro para me proteger. Não que eu não tivesse fé nos santos, mas acho que Deus deu inteligência para a gente usar, ainda mais quando se sabe do risco. O fato é que funcionou e não fomos chamuscados por raio!

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  8. Muito boa história !Assim se criam os mitos assustadores.

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  9. Acampei diversas vezes na Colônia do "Seu" waldemar, na beira do rio e em meio àquele mato ciliar maravilhoso. Ainda menino e sempre pescando acompanhando meu pai e minha mãe. Guardo na lembrança momentos mágicos de minha infância naquele local fantástico Além dos sabiás, era rotina a presença dos bandos de Jacús e dos barulhentos Bugios.
    Parabéns Fausto pela bela crônica e obrigado por me fazer retornar no tempo.
    Forte abraço.

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    1. Então, José Antônio, meu querido Tono estamos vivenciando através das nossas memórias os bons tempos da infância na nossa Jaguari!

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  10. Bons tempos aqueles, belas lembranças da infância! E o seu Valdemar, homem corajoso, se tivesse acontecido ia morrer de medo.

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  11. não li este post, por ter muito numero 13 e é contra os meus princípios!

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  12. Grande Fausto!!
    Excelente crônica. Me fez relembrar os meus tempos de Infância.
    Tirando o número 13, o resto ficou muito bom… kkkk
    Abração ao amigo

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