quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

82) A História Continua.


 
Reconhecemos que ao longo da História da Humanidade os fatos acontecem, geram novos fatos e assim o desdobramento da História de cada um de nós acontece. Picos e vales ocorrem e é muito claro que o valor dos “picos”, vamos chamar assim, aos bons momentos em que sorvemos a felicidade e alegria, que só serão valorizados – via de regra - se antes vivenciarmos algum “vale”! Quando temos uma saúde boa nem a reconhecemos como o verdadeiro presente de Deus, mas por outro lado, como damos valor quando enfrentamos uma doença!

Nos dias de hoje, início da segunda década do Século XXI, a Pandemia gerada pelo Covid19, nos tirou o sossego, tirou Vidas, a Liberdade de ir e vir e nos deu a presença do medo a cada vez que respiramos, em especial em “recintos suspeitos”.... Quanta saudade das pessoas que amamos e que subitamente deixamos de ver, visitar, viajar, apreciar o sorriso daquela criança que cresce tão rapidamente, confraternizar, aglomerar ou trocar um fraterno abraço! Ah, que falta nos faz esse abraço!

Imaginávamos um dia acabar tudo isso. Não. Simplesmente inimaginável! Assim, depois de tantas ameaças superadas, o que vem na sequência nos recompensa com a tamanha alegria que volta! Volta?

 Então apostemos naquele adágio popular que diz: - Tudo passa! A vida volta ao normal, doenças se curam e o Sol volta a brilhar para todos nós. “A História Continua” para todos e hoje trago de volta, da crônica 80) "Como o Brasil é Grande”, ao contar outra história verdadeira sobre o Adão Martins de Souza. Conterrâneo humilde, analfabeto e muito pobre. Estaria, como afirmam aos moldes modernos, abaixo da linha da pobreza! Lá, naquela crônica, contei que esse pobre indivíduo, sequer soube avaliar o tamanho geográfico da nossa Pátria, achando o Brasil enorme em apenas vinte km de viagem rodoviária!

Adão vivia de migalhas que lhe davam e uma delas proveniente do seu trabalho na Estação Ferroviária. Em Jaguari tínhamos talvez uns dois “carros de praça” na década de cinquenta. O nome de táxi veio muito tempo depois!

 Na chegada do trem no meio da manhã proveniente de Santa Maria e em extensão de Porto Alegre com a saudosa ”Maria Fumaça” e seu envolvente cheiro fumacento da queima de carvão Desembarcavam muitos “potenciais clientes” para carregar as malas. À tarde vinha de São Borja alternado com São Luiz Gonzaga. Esses, traziam passageiros com suas pesadas malas e carregá-las até seu destino final de algum passageiro, era o que produzia a renda do Adão! Sempre solícito com seu tímido olhar e voz fanhosa, caminhava rapidamente sem sentir o rigor do peso daquelas malas e pacotes.

Nem Adão e nem um outro brasileiro dessa época, contava com qualquer apoio do Estado em problemas de saúde como temos hoje, ainda que moroso e às vezes tardios. Haviam Institutos para cada linha profissional que só foram “unir pobreza” com a fundação do INPS lá por 1966, que concentrava dentre tantas coisas, a aposentadoria e assistência Médico Hospitalar.

 Felizmente em nossa Cidade, havia o Dr. Agost, que com sua bondade infinita e suprema sensibilidade social, atendia aos menos afortunados sem cobrar um centavo. Símbolo fiel e representante de Asclépio. (deus da cura e da medicina da Mitologia Grega).

Um dia Adão se sentiu adoentado e foi consultar com esse Médico, que nesses casos atendia no final do dia em sua própria casa,como disse, sem cobrar um centavo. Para diagnosticar o que se passava com Adão e sua dor abdominal, iniciou a consulta – já um tanto cansado daquele dia - com o protocolo básico de primeira consulta seguindo o vocabulário apropriado, como todos Médicos o fazem, respeitosamente:

 - Adão, tens ido aos pés?

 - Como dotôr?

 - Tens evacuado?

 - O que que tem?

 - Tens defecado, Adão?

 - Senhor?

 Dr. Agost então com a voz mais alta e com paciência no limite:

 - Tu cagou?


- Ah eu caguei!!!

 Adão meio assustado, mas já pedindo que não desse injeção para o caso... A elogiável sensibilidade e habilidade em adotar o vocabulário adequado na hora certa é coisa de gênio! Adão retornou para casa medicado!

 Como prometi ao iniciar essas crônicas de que faria sem censura, nenhuma crítica literária, sem vigilância ao vernáculo, da pureza de estilo da fala na boca dos analfabetos e menos iluminados, preservo a autenticidade dos diálogos, pois palavra “chula” não soa, no meu entendimento, como palavrão de mau gosto. Mesmo assim, peço desculpas por usar o verbo “cagar”!

9 comentários:

  1. Dr.Agostinho,o Adão,fazem partes da nossa história , lembranças passadas,da parte de cima da rua 7 de setembro.

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  2. Muito bom!! Pessoas simples não entendem o linguajar dos médicos. Valeu vc usar palavras chulas para narrar o diálogo entre eles!

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  3. Como sempre, genial! A simplicidade do Adão e a generosidade do dr. Agostinho ornaram a crônica sempre bem escrita...

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  4. Mais uma vez uma narrativa com vocabulário de estilo muito usual em nossa querida Jaguari, Fausto e sua verve de escriba muito bem traduz fatos e estórias de época. Dr. Agostinho ouvi falar, não o conheci, como também não lembro de Adão Martins de Souza, mas ao ler as crônicas do Fausto me imagino por lá com eles...Parabéns

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  5. Mais uma bela crônica amigo, que faz a gente voltar no tempo.
    Lembro bem do Dr. Agostinho e inclusive de sua filha Olga Rita. A dedicação e a generiosidade do Dr. Agostinho deixaram marcas em Jaguari. Assim como o saudoso Dr Húngaro, que tinha dedicação quase que total ao assistencialismo gratuito.
    Quanto ao Adão, quem o conheceu não esquece. Figura simples, pura e querido por todos na cidade.

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  6. Desculpem a falha minha. Escrevi errado Dr. Húngaro. O nome correto é Dr Ongaro. Umberto Ongaro.

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