quarta-feira, 30 de março de 2022

99) Um Vendedor que Começa Mal...


 


São tantas e generosas teorias que abordam as chamadas “Técnicas de Vendas” que não cabem em uma biblioteca comum. Trabalhei por diversos anos nessa atividade, muitas vezes bem-sucedido e em outras tantas sem atingir o resultado trabalhado. Como se trata de Relacionamento Humano, as variações são imensas. Se falarmos de “Venda Pessoal”, que requer o contato direto entre os dois interessados na negociação, a multiplicação se vai ao infinito. Em poucas palavras, vele dizer que uma abordagem funcional para uma determinada perspectiva de venda dá certo, para outro, o fracasso é retumbante.

Essa identificação clara, não precisa vir de um Psicólogo ou de um exímio “fechador de negócios”, ela é muito evidente e por mais que se estude – no genérico – não se obtém uma conclusão concreta. Muitos teóricos escrevem da necessidade de uma boa rede de relacionamento e mais modernamente os grupos de comunicação usadas nas tais Redes Sociais etc. Tudo é válido e o rumo ao bom relacionamento se torna mais que óbvio. O assunto negociação, trabalhei em sala de aulas para Instituições como PUCRS, SICREDI, FGV, SEBRAE, etc. Elas me ensinaram muito mais do que ensinei! A atividade docente é assim mesmo, rica e aprende-se mais...

Trabalhei o tema também em algumas Organizações Privadas, treinando equipes de venda como seu Gerente ou como Consultor. O tema mais discutido e com profundidade é de qual tipo de relação se deve manter com o futuro cliente. Amizade? Não, seguramente não. Esse sentimento amigo, deve-se reservar para pessoas comuns que nossa aproximação acontece por empatia, simpatia e até amor. Com o Cliente a seriedade, serenidade e respeito devem ser substancialmente reforçados. O Cliente é quase um “Sua Majestade” sem entretanto, dar crédito a uma antiga chamada que dizia “o cliente sempre tem razão”! É sério. Nem sempre ele tem essa razão. Toda relação respeitosa deve dar espaço de igualdade entre as partes. Sem ingenuidade e sem hierarquia.


Há ocasiões em que o “Executivo de Vendas” estará em contato com uma perspectiva a se tornar um Cliente, cuja pessoa detenha um posto, um cargo de alta relevância inclusive com cargos nominados de forma pomposa, mas que não devem oprimir, causar insegurança, medo. Pode-se superar tudo isso auto questionando e se afirmando de que sobre o produto em negociação, quem o conhece “na intimidade” é você! Definitivamente importante se sentir Autoridade no assunto e bola prá frente!

Tive um cliente governamental nos tempos de IBM, pertencente ao Poder Legislativo cuja sede suportava mais de mil funcionários. O potencial era enorme pelo seu contingente dependente da ferramenta que eu negociava, além de possuir recurso orçamentário e exigência de produtos de alta qualidade se encaixava precisamente da minha área, no meu produto. A grande dificuldade era por onde começar a abordagrem para uma venda consistente. Por onde? Comprador, gerente de compras etc. Tomei uma decisão arrojada, nenhum cargo subalterno daria a real importância ao assunto que preparei para apresentar. O ideal era falar diretamente com o Diretor! Então, foco nele! É nele que  invessti. Marcado entrevista por telefone com uns dez dias de antecedência, portando o importante documento com o Orçamento do Estado, onde as verbas estavam alocadas precisamente em área que me interessava e lá fui eu!

Tradicional "charmosa espera" por uns quinze minutos na recepção e finalmente chamado a entrar na sala do Diretor. Sala imensa, requintada, mesa enorme com o tradicional “risque-e-rabisque” todo em couro e suas páginas alvas sem anotações, um porta-canetas com diversas peças e alguns lápis muito bem apontados, alguns com o grafite para cima, sua poltrona vistosa mais as duas menores de aproximação. Ao entrar caminhei com passos firmes, batendo forte o calcanhar no chão em sua direção, com  um discreto sorriso. Ele me esperava sentado, sério e sem nenhum sinal de que levantaria para receber meus cumprimentos iniciais. Confesso que eu estava bastante tenso para tão esperada visita ao “cara”!

Ao tomar-lhe a mão, o fiz com firmeza dando um rápido movimento para baixo e o desastre aconteceu. Fiz com que sua mão fosse espetada naquele maldito lápis com a ponta para cima. Na fração de segundo enquanto eu lhe desejava uma “boa tarde” ele me respondia com um som gutural:

- HÃÃÃE!


Puxou sua mão velozmente, deixando um risco de sangue naquele alvo “risque-e-rabisque”. Segurou o sangramento com um lenço, sem me olhar no rosto e com sua fisionomia de dor muito clara, num semblante de ódio explícito, querendo me matar!

Senti meu batimento cardíaco subir para uma frequência “pré infarto”, a ponto de percebê-la no pescoço, garganta. A cabeça pulsava como se minhas e veias se dilatassem a ponto romper. Algumas gotas de suor correram instantaneamente da nuca até a cintura tamanha a vergonha e a total ignorância de como prosseguir! Então ele me olha e diz:

- Parece que não começamos muito bem!

E largou um amplo sorriso que até então não existia. Eu e o seu assessor imediato, que acompanhava minha entrada caímos na rizada. A minha de nervoso, é claro! Mesmo assim e Inacreditavelmente, firmamos um vínculo profissional de lealdade por mais de cinco anos, a ponto de parecer amizade, pois até para jantar em sua casa, fui convidado! Conheci sua Família e tivemos um relacionamento profissional duradouro, até quando me despedi de Porto Alegre a morar no Rio de Janeiro!

quarta-feira, 23 de março de 2022

98) Ele se expressou...


Creio ser muito claro a todos nós do “Poder da Palavra”. Durante alguns anos, fui Instrutor na IBM Brasil e SEBRAE. Os módulos de minha responsabilidade visando Desenvolvimento de Pessoal, foram precisamente nessa área, os títulos “Desinibição, Dicção & Oratória” e o “Como Falar em Público” dizem tudo. Incrível, mas a maior dificuldade na comunicação sempre se situa no falar em público, que assusta e amedronta a grande maioria daqueles que tive como estudantes em sala-de-aulas e amigos que dependiam dessa "ferramenta" para sua atividade profissional. Lembro de uma antiga estatística dos maiores medos do Homem, onde se lê medo de peçonhentos, cobras, morte por afogamento dentre tantas. Mas sempre, lá está a classificação muito expressiva, o tal medo de falar em público. Como resolver isso? Bem. Aí existem livros inteiros, cursos para se enfrentar e superar essa “neura”!  

Como afirmei no início, o poder da palavra por sua força, também entra numa área de alto risco que se deve ter muita prudência, como bem dizia Winston Churchill, um dos maiores Tribunos do Século Vinte: "Uma vez que a luz viaja mais rápida do que o som, algumas pessoas parecem brilhantes, até que comecem a falar..."

E como trabalham os políticos visando suas eleições? Certamente focados nessa área! Não dá para responder com precisão matemática de o que surgiu antes, se alguém se notabiliza pela facilidade de falar em público ou a oratória veio pelo seu bom posicionamento político! Talvez ambas. Posso assegurar que a prática desinibe e o treinamento conclui a maturação do orador. Tudo o que nos assusta ou dá maior trabalho, quando executado com êxito nos gera um imenso prazer! Trata-se do “choque” de viver momentos de tensão com a consequência de grande derramamento de adrenalina no sistema e depois a compensação edificante da endorfina! Enfim, falar em público se torna muito prazeroso, acreditem!

Nos bons tempos de viver com meus Pais, acompanhei um fato decorrente de um pequeno acidente ocorrido com o Bela. Empregados que meu pai e seu irmão mais velho tinham, quando ainda existia o curtume e fábrica de calçados de suas propriedades. O curtume, com não mais de quinze empregados de um trabalho pesado e convivência permanente com o mau cheiro que esse tipo de indústria gera. Era lá que ele trabalhava.

Numa segunda-feira, o Bela foi trabalhar profundamente queixoso, furioso, revoltado com o ataque de um cachorro, ocorrido no domingo justamente quando estava indo à Missa, seu fiel e intransferível compromisso semanal. O maldoso cão lhe mordeu a perna, causando ferimentos leves, mas com repercussão material revoltante: Rasgou sua calça nova!

Cabe aqui uma consideração extra da análise da tal calça nova: Uma calça se torna velha à medida em que sofre lavagens e mais lavagens, daí então deixar de ser uma calça nova que finalmente ficou velha... Apenas para esclarecer que a referida calça, certamente tinha muitos anos de uso e com certeza merecedor de um apego extraordinário do seu dono, o que justifica a tristeza de sua destruição, ainda que parcial numa calça "considerada nova"!

De qualquer forma, a vítima do ataque canino não estava dando a mínima para o ferimento em sua perna, mas sim ao prejuízo material com sua "Roupa de Domingo"! Insuflado por seus colegas de trabalho, decidiu ter com o dono do cão malvado, cachorro que não deveria estar solto na rua, levando perigo aos transeuntes da via pública. A calça nova, objeto de sua revolta deveria ser reparada, indenizada como um mínimo de consideração, pelo responsável pela fera...

Treinou por horas com seus colegas de como apresentar tal reivindicação – isso levou uma semana - especialmente por ser o dono do cão feroz e agressor, o Vice-Prefeito da Cidade. Depois de alguns dias com ensaio da abordagem com muitos cigarros consumidos e com alguns bons tragos de cachaça para encorajamento e determinação apropriada. Muita recomendação para não ser grosseiro nem macio demais,  lembrando Barão de Itararé com sua chamada: "O tambor faz muito barulho, mas é vazio por dentro!" Vá com cuidado...

E assim a história conta que chegou o dia fatídico da conversa com aquele proeminente político jaguariense.

Na segunda-feira seguinte, o seu Bela volta ao curtume calado, concentrado no trabalho. Sequer olhava para seus dedicados parceiros na montagem do “processo verborrágico” duramente construído por toda uma semana. Isso causou ansiedade coletiva até que um dos colegas, não suportando a pressão psicológica, largou suas ferramentas de trabalho e com as duas mãos na cintura, nervosamente inqueriu o então silencioso Bela:

- Mas e daí tchê. A gente fica toda semana te ajudando, foi lá cobrá o home e não nos conta nada?! Afinal, ele te pagou aquela merda de calça nova ou não? Qualé?!

- Não! (Secamente!)

- Como assim não?! E os teus direitos onde ficaram? O que ele disse?

- Ele "se expressou-se" muito bem! Agora me dexa trabaiá!


Ponto e basta. Certamente a boa argumentação do velho e matreiro político, foi que enrolou direitinho o pobre Bela. Passou-lhe a conversa na vítima e caso encerrado. Voltou a vigorar o mais profundo silêncio sobre tudo o que se passou naquela manhã de domingo, rumo à Igreja para a Sagrada Missa!

quarta-feira, 16 de março de 2022

97) Alcoolismo, uma Ameaça!


Por toda minha juventude meus velhos tinham extrema preocupação que eu me desviasse no alcoolismo, já que isso era muito comum na minha Terra e em especial, na minha idade. Cidade pequena sem grandes atrativos e sem opções de diversão, a tendência era a de “encher a cara” por qualquer motivo festivo ou de tristeza... Fiz isso por diversas vezes, já contei aqui de o quanto isso foi divertido, enquanto possível...

Aos vinte anos morando em Porto Alegre tendo que trabalhar para pagar aluguel, curso pré-vestibular, transporte, alimentação, lazer e outras coisas mais, o dinheiro sempre era muito curto e até então eu não tinha a menor ideia de quanto isso custava, pois sempre tive tudo morando na casa com os Pais! Lembro sem muita saudade, como a "Escola da Vida" meu deu severas lições mas com sincero orgulho vivido as tais dificuldades, superando e de como se dá valor quando a “coisa” alivia um pouco.

Minha primeira namorada na Capital, provocado por ela a ir a um barzinho – meu limite financeiro permitia apenas um cineminha – e quando visitava algum bar, eu pedia um chope e o sorvia calmamente de pequenos em pequenos goles para durar mais tempo... Ela comenta:

- Engraçado. Tomas pequenos goles e eu vejo que a maioria dos homens liquida metade do copo num primeiro gole...

- Prefiro sorver o sabor calmamente! (Mentira!)

Dessa forma, por razões econômicas, eu estava afastado da ameaça do alcoolismo... No segundo emprego, já em vendas externas para um banco – banco gaúcho, que nem existe mais – eu visitava clientes a bordo do meu Ford Corcel preto, sem ar condicionado... Teve um dia que ao deixa-lo estacionado ao sol, retornando, o termômetro marcava 57 graus centígrados! A indumentária exigida pelo banco era paletó e gravata... Calor insuportável fazia derreter em suor, especialmente nas costas, contra um banco superaquecido. Resultado: Camisa encharcada de suor.

Descobri um meio químico de aliviar esse desconforto: Carregava um frasco com álcool 70 e pulverizava nas costas molhadas, sentia o alívio gerado pelo frescor daquela química barata. A evaporação era rápida e logo podia vestir novamente o paletó. Ao voltar para o carro novamente, a operação se repetia e assim ia levando o Verão!

Tive três Irmãos, todos mais velhos que sempre foram meus Orientadores. Um dia, Danilo, o mais espontâneo da tríade, me chamou, mas curiosamente veio me “falar algo” com extrema cautela, parecia estar caminhando sobre ovos:

- Guri. Preciso te falar uma coisa bastante delicada, mas tenho que te falar e é agora antes que seja tarde!

- Vai. Desembucha!

- O que tu anda bebendo?

- Como?

- Qual é o trago que tu andas tomando, tchê?!

- Nenhum! Não bebo. No almoço nem refrigerante, água é o suficiente. Mas por que vivente?

- Por diversas vezes que passo por ti, o cheiro de cachaça é muito forte. Parece um alambique!

Com tanta sutileza, cai na risada e confirmei que não tomava refrigerante no almoço, não por não aprecia-lo, mas falta de grana mesmo... Bebida alcoólica então, nem pensar...  Então aventei a hipótese de ser resultado da minha “invenção de refrigeração etílica!”



- Má tu tá louco! Tá fedendo a canha como um borracho!

Foi a vez de nós dois cairmos na risada e fui absolvido da acusação de gambá, bêbado contumaz! Para preservar a imagem de cidadão sóbrio, abandonei a refrigeração química! 

quarta-feira, 9 de março de 2022

96) Quando a Atitude Supera a Argumentação.


No início da Década de sessenta, General Duílio Lena Berni fundou o Colégio Comercial de Jaguari, com a primeira turma do Curso Noturno Técnico Ginasial de Contabilidade. Em se tratando desse horário, a movimentação de aceite predominante foi a de todos aqueles que por alguma razão haviam abandonado seus estudos na sua juventude. Um dos raros meninos, era o Décio e eu, os demais, inclusive meu irmão Sérgio fazia parte num total de uns trinta novos alunos. Eram homens maduros beirando aos trinta anos. Por essa razão e também pela Boa Cultura reinante na época, o respeito ao Professor era pleno. Silêncio em sala de aulas e a reverência ao Mestre fazia-se notar a maravilha da Autoridade do Saber vigorando firmemente. Lógico, isso incomodava os dois meninos acostumados a um pouco de fuzarca!

O que aliviava, era quando no intervalo, que chamávamos de “recreio”, a alegria dos novos estudantes tornava a vida estudantil mais descontraída! Tínhamos um expoente, o sr. Trônio, cavalheiro de um humor refinado e inteligente. Até seu tamanho, um italiano vigoroso e careca total, fazia de suas piadas ainda mais engraçadas!

Não há quem não sinta saudades da época em que a sala de aulas tinha um “quadro negro” de cimento, que na verdade era verde onde o Mestre usava giz branco e apagador de feltro produzindo uma poeira de deixar todos grisalhos; os que ainda tinham cabelos, é claro. Embora que no primeiro ano só tinha uma turma, o intervalo era anunciado por um sino badalado pelo próprio Diretor da Escola! À medida em que os anos foram passando, novas turmas foram agregadas à primeira, formando um grande grupo de estudantes da noite.

Por ser noturno, minha mãe reservava o privilégio de na manhã seguinte ser poupado de levantar cedo! Lá estudei por sete anos, até me preparar, nem tão bem preparado, para o desafiante vestibular para Administração de Empresas.

Nesses tempos, o meu sonho dourado era ter um carro. Tínhamos na Escola o Professor de Biologia – Médico recém-chegado à Tribo – que tinha um “Fusca” azul claro, que ao chegar defronte ao prédio fazia uma redução no motor, gerando um “ronco” em que eu e Décio babávamos de inveja! Nenhum dos nossos colegas tinha carro, então esse sonho parecia inatingível!

Muitos anos foram passados, eu já morando na Capital, em dois anos consegui ter meu “próprio fusca”! Primeiro sonho realizado. Muitos anos depois tive um encontro ao acaso com o ex-colega, o carismático Trônio. Ele me contou que também sonhara no passado com o tal fusca da época, isso me aconteceu lá no início da Década de Setenta onde os “desejos automobilísticos” também evoluíram bastante. Surgia o conforto de automóveis com ar condicionado. Até então tínhamos apenas um aquecedor interno, muito bom no inverno que vinha do aquecimento do motor, como disse, muito prestigiado no Inverno, entretanto nos dias quentes o recurso era abrir o “quebra-vento”, para ter pelo menos um vento morno na cara!

Num início de Verão, já se anunciando muito quente, Trônio bem de vida, me contou que decidiu que na próxima troca de carro naqueles dias, adquiriria com o desejado ar condicionado. 

Soube mais adiante, que acompanhado da esposa para ajudá-lo a escolher a cor do novo carro, etc. Foi a Santa Maria para fazer a negociação em alguma revenda. Em lá chegando, anunciou ao vendedor que queria o modelo com o ar condicionado, e para sua surpresa, foi frontalmente contrariado pela esposa!? Chegaram a discutir. Como ele era um Homem de “boa paz”, mas astuto, simplesmente não evoluiu a discussão nem a compra. Assunto encerrado, voltaram para casa no carro velho sem trocar uma só palavra. Os dois emburrados! Nem se olhavam!

Ao sair de Santa Maria, Verão se fazendo presente nos termômetros, carro todo fechado, Trônio liga sorrateiramente o aquecimento interno, aquele vindo diretamente do motor. Viagem que seque por uns cinquenta quilômetros ao sol, o interior da cabine do pequeno veículo com um calor insuportável, equivalente ao interior de uma chaleira ao fogo, quando se rompe o silêncio com ela tomando a iniciativa:

- Benhê!

- Fala! (Responde secamente!)

- Quando voltarmos a Santa Maria num outro dia, se tu realmente queres ter um carro com ar condicionado, acho que tens razão, deves comprar. Vai ser mais confortável, né?

- Tá bem. Se é o que tu queres. Semana que vem tenho que voltar, aí eu compro!!!

Carro novo com ar condicionado

Semana seguinte voltou e comprou finalmente o confortável e bom carro, equipado com ar condicionado! Atitude, ação sempre é "mais convincente"!

 

quarta-feira, 2 de março de 2022

 95) Cuba Libre, Samba ou "Gin Fizz"?


Nem foi num passado tão distante que a Cuba Libre e o Samba faziam o charme dos drinques que tomávamos em nossos bailes. O primeiro, uma mistura de Coca-Cola com Rum e o segundo a mistura era com cachaça. Naturalmente a hierarquia era estabelecida de acordo com o salário ou a “mesada” do cliente em questão. O aspecto era idêntico o sabor e a velocidade da resposta etílica tinham algumas diferenças, mas ambas muito efetivas, sabor bem agradável, eu gostava muito...

Comecei a frequentar os bailes muito cedo na minha juventude, antes dos quatorze anos. Tinha que ir para casa à meia noite, não ia, ficava escondido junto à mesa dos meus velhos, que não faltavam aos bailes! Após esse período da tenra idade passei a frequentar esses bailes de peito estufado, afinal, um dia depois de fazer quatorze anos, já era um Homem com idade adequada de "quase quinze anos"! O problema era de onde trazer coragem para convidar ou “tirar uma guria para dançar”! Isso era muito complicado e foi difícil administrar até que um amigo MAIS VELHO me ofereceu um gole de Cuba Libre! Aí a cábula se foi e passei a ser um “pé de valsa” e na dança encontrei os melhores momentos da minha Vida, até aquela idade!

Na década de sessenta, bailes ou reuniões dançantes aconteciam em todos finais de semana. Tínhamos dois clubes sociais em Jaguari e um enorme “Galpão do CTG”! Nessas Sociedades a civilidade, os bons modos e costumes, eram severamente observados pelo Diretor Social. Qualquer postura tida como inadequada era advertida implicando severas punições, se é que me entendem... Eu era um menino bem comportado, quase sempre, registre-se aqui!!!

No período pré-maioridade, o acesso a uma bebida alcoólica, só com “contrabando” em algum frasco trazido no bolso de casa, para a mistura mágica com Coca-Cola! Alegria ainda que fosse artificial, estava garantida!

Depois dos dezoito anos, com permissão paterna até para fumar, tudo ficou mais fácil! Aliás, fumar era uma afirmação de que tinha finalmente me tornado um Homem! Hoje soa ridículo, mas se fumava até no intervalo dos bailes, em que a orquestra parava entre uma e outra música. Era comum acender um cigarro e fumá-lo por alguns segundos e ao iniciar a música, jogá-lo ao chão e pisar para extinguir a brasa e seguir dançando!

Uma vez – já maior de idade – estava o “The Crasies Club” [outro dia revelo esse poderoso grupo de seis amigos] num baile no CTG Invernada do Chapadão, em meio a música muito alta e a poeira levantando no salão, quando o garçom veio nos atender. Detalhe: Tínhamos na parceria o Luiz Fernando, de folga do Serviço Militar na Aeronáutica em Canoas como S2 em que sua atividade na Caserna era como Taifeiro no Cassino dos Oficiais. Lá, aprendera técnicas a fazer coquetéis e outras atividades de Copa. Era muito mais que um garçom por sua rica habilidade e entusiasmo em tudo o que fazia! No momento de começar a beber, e o moço que nos servia, na verdade um QUASE garçom sem um fino trato, tendência mais a lides no campo e lavoura, mas que ali estava para ganhar uns trocados, como todos os outros garçons e ordena:

- Quero um Gin Fizz com bastante gelo!

- Como?

- Quero um Gin Fizz com bastante gelo, por favor? 

- Hein?

- Já sei. Não sabe o que é né?! Eu te ensino: Uma dose Gin, suco de limão siciliano, xarope de açúcar. Depois adiciona uma clara de ovo e bata por muito tempo na coqueteleira. Põe gelo picado, casca de limão e sirva... Entendeu?!

- Hã hãn!

Por incrível que pareça, aquele tosco rapaz, trouxe a pedida! E eu que até duvidava. E não é que ficou muito bom?! Docinho, aroma de limão e forte presença de álcool! Bebemos muito! Isto é, bebemos muito mesmo! O resultado foi fulgurante! Só fomos entender a ação dessa alquimia no dia seguinte quando o dono da copa perguntou a alguém do grupo, de onde tínhamos inventado aquela bebida, que o garçom pedia:

- Duas doses de Gin e mistura com uma caipirinha de cachaça!

Nessa simplicidade que merecia aplauso, não preciso jurar que o pileque foi estupendo! Entretanto o curioso é que não me senti verdadeiramente bêbado! Talvez por ter caminhado após o encerramento do baile, por uns cinco quarteirões para voltar às casas! Óbvio que não tinha automóvel!

A única coisa curiosa mesmo, cujo o efeito que me lembro tão claramente. Ao entrar em minha casa, onde havia entre meu quarto e o resto da residência, um pátio florido onde se apoiava uma grande árvore de Três Marias, e essa a um poste de madeira onde se localizava a chave de luz para seguir adentrando na casa. Pois ao me aproximar, a questão de um metro de distância, esse agressivo, covarde e maldoso poste, se aproveitando de minha fraqueza mental por bombardeamento etílico, fez uma movimentação impressionante em direção da minha testa. Foi como se ele não tivesse me reconhecido como morador eventual daquela casa e me bateu como um flexível chicote no meio da testa, e voltou para sua posição inicial como se nada tivesse acontecido!

Permaneci em pé e por um longo tempo a observá-lo, tentando entender a razão daquela estúpida agressão gratuita! Permaneci em silêncio passando suavemente a mão minha testa reconhecendo a presença de um “galo” comprido da raiz do cabelo até o nariz! Eu não disse nada, afinal de contas falar com um poste, só se estivesse completamente bêbado né?! 

Até hoje não entendi a agilidade, velocidade e precisão daquele golpe certeiro. Retiro a acusação de covarde, pois estávamos frente e a frente! A mágoa ficou estabelecida por anos, minha incredulidade, eterna!