quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

35) Preparando um chimarrão na Feira

35) Preparando um chimarrão na Feira...


Essa é para encerrar o difícil ano de 2020. Não foi absolutamente um ano perdido, ao contrário, creio ser o mais rico, o que mais nos ensinou. Apreendemos a enfrentar dor da solidão, a saudade daqueles que a gente nem imaginava que gostava tanto e que sentiria tanta falta de seus abraços, olhares sorridentes e fraternidade explícita!

Tivemos que nos dar conta da finitude da Vida. Vivenciamos despedidas à distância. O que foi sofrido, passou como tudo na vida, nada é eterno!

Venha 2021 para continuarmos nossa caminhada com muita alegria, e apostem, vou continuar contando minhas passagens ridículas, como a que relato agora:

 

35) Preparando um chimarrão na Feira...

 

Essa eu vivenciei há pouco mais de dez anos, já um homem maduro com meus cinquenta e poucos anos. Estava acompanhado  dos amigos Garden com sua noiva Mairalyn e Anabol. Fomos ao Parque de Exposições Menino Deus em Esteio-RS, visitar a Feira Internacional de Agropecuária. O passeio transcorreu na mais absoluta normalidade, vendo cavalos, touros premiados etc., como é esperado. A Feira leva muitos fabricantes expositores de equipamentos, defensivos agrícolas e os mais diversos produtos que tem alguma coisa a ver com atividade de campo e lavoura. 

Ora, sendo exposição no Rio Grande do Sul, não podia faltar o chimarrão! Óbvio que o fabricante da matéria prima da nossa tradicional bebida, estava lá:
Ao passarmos por uma tenda de um fabricante de erva mate, despertou-me grande curiosidade com o formato com que as “meninas modelo” apresentavam seu trabalho através de desenhos ornamentando a erva em cuias. Cuias eram coberta de erva com apenas um orifício para a bomba e um infindável tipo de desenhos na superfície da erva! Muita criatividade! Na verdade – comum nesses eventos – é que lindas modelos trabalhavam aquela Arte com grande habilidade e uma gentileza encantadora!

Eu, muito interessado – estava mais para "assanhado", oferecido - pedi mais e mais informações. Em excesso fazendo com que a instrução demorasse mais que o habitual enquanto "eu babava" com elas ao meu redor. A mesura era tanta, que meus parceiros constrangidos com minha espontaneidade, se retiraram do local e me aguardaram à uma distância razoável!

Ao me dar conta do mico que “o velho babão” pagava, encerrei, agradeci e  me retirei. Ainda num misto de faceiro e convencido, sai dando uma sequência de “tchauzinho” e abanicos até sair da tenda! Tinham pelo menos três delas que ficaram me retribuindo com olhares insinuantes e sorrisos prometedores! E eu acreditando...

Saí me sentindo cheio de glória, vaidade estimulada!

Ainda olhando para trás, ao descer o degrau do passeio não percebi uma fenda no chão onde prendi o pé, perdi o equilíbrio e para não quebrar o pé preso, me lancei para a frente me apoiando com uma mão no chão, mas o piso de chão batido com cascalho fez a mão resvalar e tive que usar a outra mão - tudo em alta velocidade - a segunda mão também não resolveu nada e fui por alguns metros levantando poeira e chamando atenção de tantos que assistiam e  dei de ombro no chão e entrei de cabeça na terra. Como bom atleta que era, me recuperei e heroicamente, já quase em pé mas com o corpo inclinado para a frente, fiquei tonto perdi o equilíbrio, “tastaviei” dei ainda uns quatro passos largos a frente, tropeçando  cai de corpo inteiro no chão! Perdi a feroz batalha contra a Lei da Gravidade!

Cabeça e ombro enterrados na terra, fui levantando lentamente, com os cabelos cheios de terra cuspindo areia! Nada demais, talvez uns 100 gramas, suficientes para fabricar meio tijolo, pois areia misturada com saliva fica.... Deixa prá lá!!!

Um vexame histórico para ninguém botar defeito! Umas quarenta pessoas assistiram aquele espetáculo. Uns se assustaram, muitos riam com tamanho reboliço e baderna de um homem só!

Levantei meio grogue, assoprei um pouco o pó para enxergar alguma coisa. Não olhei para trás. Não queria nem ver a reação das meninas se divertindo com meu fiasco. Procurei retomar o prumo ainda tonto com o sacolejar que o cérebro levou, procurei ver onde estavam meus amigos, pois tinha perdido os de vista!

Lá estavam eles há uns oito metros me aguardando – para minha sorte os três estavam de costas – não viram o desastre.

Fui me batendo e tirando a terra da roupa, ainda roxo de vergonha me aproximei lentamente até recuperar a respiração ofegante. Eles ainda de costas, arrisquei comentar com um tom dando pouca importância ao ocorrido:

- Olhem só o que me aconteceu: - Tropecei na saída da tenda e...

Eles explodiram em gargalhadas e assim se mantiveram por longos minutos, antes de eu falar mais uma palavra! Tinham assistidos a tudo! Com pena de mim, viraram de costas apenas para me poupar! Era tudo o que eles queriam ouvir! Que glória! Que vergonha! Que merda!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

34)-O Testicocéfalo

 34) O Testicocéfalo


Em Jaguari havia um conterrâneo alegre, descontraído e simpático rapaz de nome John Forest. Muito conhecido e reconhecido pelas suas exitosas aventuras sexuais e larga experiência no trato amoroso com as empregadas domésticas, aliás, sua especialidade! Jovens que vinham da colônia tentar a vida na cidade eram imediatamente detectadas pelo conquistador de corações e “adjacências”! Raras as que escaparam de sua abordagem libidinosa. Seu critério de seleção não era dos mais apurados. Dizem que sua exigência básica é que elas tivessem genitália feminina! Só! “Traveco”, nem pensar!

Um dia o John Forest foi acometido de apendicite. Hospitalizado teve que se submeter à cirurgia de urgência. Até aí nada demais, acontece que o Hospital de Caridade era administrado por uma Congregação Religiosa, trabalhada exclusivamente por freiras, desde funções executivas, administrativas, enfermagem etc. As auxiliares de enfermagem, que fazem a parte menos sofisticadas da saúde, eram executadas por “juvenistas”, moças que futuramente se sagrariam freiras e usariam o “Hábito Tradicional”. Como o próprio nome diz, são jovens e algumas, bem bonitas conforme a Natureza lhes agraciava.

Vamos ao que interessa: - A cirurgia: No momento em que preparavam o John para o procedimento, cuja incisão é feita próximo à virilha, veio uma “juvenista” fazer sua depilação!  Moça graciosa e com encantador sorriso:

- Bom dia seu John! Vamos depilar as partes?!

John apesar de ser o Grande Conquistador da Cidade, era encabulado acima da conta. Quando a moça se aproximou de seu leito e levantou a vestimenta do paciente - própria para cirurgia – suas partes íntimas ficaram totalmente expostas. A moça trabalha com tranquilidade e grande delicadeza, quase com carinho e naturalmente movimentando as partes íntimas do John para que a depilação fosse completa.

Nesse momento passa pela cabeça do João, como um raio, a hipótese de uma inadequada ereção! Ele pensa quase em voz alta:

- Não! Isso não pode acontecer comigo agora, pelo menos não agora! Pela-amor-de-deus, não!

Agora cá entre nós homens, sabemos que a paudurescência não é necessariamente uma ação voluntária, não há um controle que possamos acionar como se fosse um simples botão com “on/in”! Se fosse possível, mas não é.

Hummm! Está aí um útil alvo para a ciência desenvolver! Que tal?

Desculpa, foi apenas uma ilação. Voltemos à cirurgia: - John olha fixo para o canto do teto do quarto tentando pensar em outra coisa. Seu membro continua a manifestar movimentação de intumescimento. John quer evitar o provável vexame a todo custo. Morde um dedo da mão para através da dor conter seu natural impulso sexual, nada. Começa a assoviar, cantarolar. Nada dá resultado. Para seu desespero a moça pega delicadamente seu membro, dizem que de expressiva dimensão, isto é, um cara "avantajado" mesmo! Ela,  com suas frágeis e delicadas mãos, até onde eu sei, não usava luvas, algo talvez julgado desnecessário naquela época... Trocando-o de lado para outro a prosseguir a depilação. Esse toque foi muito além de qualquer controle possível ao pobre John. Em segundos está hasteada a bandeira! Impossível disfarçar sua natural manifestação erétil! John cobre seu rosto vermelho e "fervendo" com o travesseiro tamanho sua vergonha!

A moça percebendo toda aquela entusiasmada manifestação, não dá a mínima demonstração de irregularidade, não meche um músculo de seu rosto. Mantém um meigo e discreto sorriso invejavelmente tranquila! Toma um grosso volume de algodão, encharca-o em éter e passa fartamente no muito “faceiro membro” do John!

A ação gelada do éter, faz com que aquilo que era enorme e imponente, desabe morto, anestesiado, mole, uma verdadeira “geleia de pênis”, inútil que se deita sobre sua barriga desfalecido, tornando inesquecível sua internação hospitalar!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

33) Cumi!

33) Meus estimados leitores,

Volto a falar de uma de tantas viagens para minha Terra Natal. Foram tantas e muitas com as gostosas  aventuras decorrentes desse longo trecho de estrada ruim. Hoje seleciono uma delas, que divido, além da precariedade das rodovias, algo que já estávamos até acostumado, a falta de infra estrutura adequada com os postos de gasolina, lanchonetes etc... 

O melhor de tudo isso, eram as companhias que eu escolhia a partilhar dessa aventura!


33) Cumi!      

Na primeira metade da década de 70 eu fazia Faculdade de Administração de Empresas em Porto Alegre, mas ainda tinha muita saudade de Jaguari, dos meus queridos amigos de lá, meu irmão Sérgio e em especial aos meus Velhos Pais! Sempre que fosse possível, ia a Jaguari passar o final de semana com a Família e amigos, como já contei em crônicas anteriores. Como o trabalho exigia dedicação permanente, as escapadinhas para “casa” se davam em breves finais de semanas, cujo sacrifício de sair em viagem, para cumprir 404 quilômetros, metade asfalto e metade buracos e pedras de estrada de chão, só poderia ocorrer após as 23h00min nas noites de sexta-feira, após a Faculdade!

Nandinho, já incluído em contos anteriores, além de velho amigo, morava junto comigo. Também era colega de faculdade e na mesma situação, adorava visitar seus velhos em Jaguari. Dupla perfeita com a mesma vontade, mesma grana – que era pouca – e mesmos ideais sonhadores!

Fazíamos essa aventura de mais de seis horas de estrada, como disse, sofridas e poderia piorar ainda mais com chuva, que aí beirava a loucura, mas sempre com muita alegria. Habitualmente fazíamos um lanche frugal antes da aula e o jantar, aquele de encher o bucho de um pós-adolescente, acontecia depois da aula, , em plena estrada é claro!

Em viagem esse jantar, que nos pegava faminto, era retardado ao máximo com o objetivo de lá adiante distrair o cansaço e nos manter sem sono. Isso acontecia bem mais tarde que o habitual, porque a inegável emoção da saída em viagem nos abrandava o apetite. Lá pela uma ou duas da madrugada a fome vinha furiosa, então jantávamos a bordo. Não era bem um jantar, mas sanduiche talvez uns pastéis faziam o renascer em meio à estrada. No período em que Nandinho foi militar da aeronáutica, trabalhava no cassino dos oficiais e aí o lanche vinha de lá!

Restaurantes abertos no meio do percurso eram raríssimos e implicava em investimento provavelmente pouco suportado pela dupla, se é que me entendem...

Numa destas oportunidades, Norbi, meu sobrinho de uns cinco anos, foi junto. Por essa razão, minha cunhada Su fez um “farnel” para levarmos, pelo que agradecemos entusiasmadamente! 

- Norbi já jantou. Fiz uns sanduiches e uns pasteizinhos para vocês lancharem durante a viagem! Espero que gostem!

Um pacote enorme com uma bela quantidade de sanduíches – pareciam muito gostosos, presumi – e outros quitutes! Lá pela madrugada, quando a fome apertou, o Fernando olha pra trás, vê o Norbi, que ouvia tudo atentamente viajando o tempo todo em pé, com suas mãos apoiadas nos nossos bancos, que eram de sua altura, e ordena:

- Dá o lanche Norbi!

Ao que ele responde com uma adorável voz meiga, fininha, própria de criança tão amada que era. Criança nessa idade nos deixa inebriado de carinho e ternura:

- Cumi!

- Tá legal! Que bom que já comeu guri! Agora nós vamos comer, dá daí os sanduíches!

Norbi responde novamente com tom de voz mais fininho ainda, quase um miado:

- Cumi!

Nandinho incrédulo, enlouquecido examina o banco traseiro desesperado e não vê vestígio algum do pacotão de sanduíches! Talvez alguns farelos de pão espalhados junto com o pano de pratos e papeis da embalagem do NOSSO farnel.

- Comeu tudo seu bosta?

- Hum, hum!

Ele assentiu com a cabeça!

- Fausto, eu não acredito que esse monstro do teu sobrinho tenha comido todo nosso jantar. Puta-qui-pariu! Não podia ter feito isso conosco! Que merda tchê!

O danado ANTES tão amado, tinha devorado tudo! Não dava para acreditar mesmo que um menininho tão pequenino, tão franzino, mesmo que já tivesse jantado - conforme sua própria mãe nos afirmou - tinha “agasalhado” todo aquele pacotão de lanche feito para  todos nós! Nosso jantar se foi. Ficamos completamente na mão, famintos. Pior: Àquela época – como já disse - não havia nenhum recurso de lanchonetes à beira da estrada, restaurante, muito menos um “general store” de hoje em postos de gasolina.

Paramos de falar. Silêncio sepulcral na cabine. Acabou a alegria da viagem. Com fome e calados até chegar às casas na alta madrugada! 

Esse Norbi ainda me paga!

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

32) Essa é a tal de Tecnologia!

Meus estimados amigos e leitores,

A crônica de hoje eu não a vivenciei, como as que de costume relato. Também não li. Me foi relatado por um dos componentes da "roda de assuntos diversos", de uma boa e honrada Família do interior de Jaguari, na qual dou total crédito, caso contrário sequer publicaria!

Durante essas "rodas", saem pérolas preciosas no diálogo, na discussão e a boa dose de Sabedoria, quando um Ancião se pronuncia. Enquanto o assunto não entra em pescarias ou caçadas, a verdade permeia os assuntos de forma generosa. Ouve-se histórias que se perpetuam em nossos pensamentos e se tivermos atitude de bom ouvinte, obtém-se Sabedoria Pura, pelo que eu acredito fazer parte na crônica a seguir!

Aprecio muito comentários dos que me prestigiam com suas pacientes leituras!


32) Essa é a tal de Tecnologia!

Me revelaram - jurando verdade - que lá por setembro de 1969 no Chapadão, distrito de Jaguari e área de produção de muita uva e portanto, vinhos coloniais, estava reunida uma numerosa família de italianos, obviamente debaixo de um parreiral após o almoço num bom domingo de primavera.

A conversa corria solta entre os mais jovens – todos os homens – porque as mulheres ficavam lá dentro da casa terminando os afazeres da cozinha. Afirmar que aquele mundo era machista, é chover no molhado!

Pois o assunto do dia era a chegada do Homem a Lua, que fora presenciado há poucos dias pelos raros aparelhos de televisão – em preto & branco – da Região. Não precisa ter a imaginação muita apurada, para antever que um grupo de italianos, depois de muito vinho qualquer assunto se torna polêmico, seja ele qual for.  Os da ala da esquerda, afirmavam com toda a veemência possível que era pura invenção e gritavam:

- Truque de cinema! Invenção mentirosa dos americanos, porco dio!

 Diziam aos berros, emparelhando o pescoço com os ombros e rosto vermelho como tomate maduro! O grande mérito das acaloradas discussões "Ítalo-etílicas", é de que jamais ultrapassam a divisória da gritaria com o "vias de fato!" Podem encerrar o domingo DE MAL  com o irmão, primo, cunhado... No domingo seguinte o Abençoado Almoço de Domingo se repete com o mesmo calor humano, fraternidade e entusiasmo de todos. O encontro é quase um movimento Religioso e por algumas vezes no ano, o Padre responsável pela Paróquia é o principal convidado! E para tanto, semanas antes a contribuição para construção da Capela é reforçada e não se fala absolutamente nada que desabone o Pároco! Pelo menos nessa época...

O polêmico assunto da chegada na Lua de Neil Armstrong e Edwin Aldrin volta à pauta:

- Toca tu lá vê no cinema que os bandido dê-lhe tomá tiro pelas venta e não acontece nada, tudo mentira!

Os mais conscientes defendiam a evolução da tecnologia e que a chegada do Homem a Lua era um fato verdadeiro e consumado e só um burro não aceitava...

-  Burro é a tua nona!

A discussão ia aquecendo cada vez mais e mais como toda a boa discussão entre italianos e seus descendentes.  “Mama,  nona, il culo”, já incluídos na troca de elogios! Ameaças do tipo “te cago a pau” já tinha rolado.

Até Brizola já tinha sido lembrado como prova de que americano mente! Foi então que um pacificador, prevendo que o pau ia correr, chamou a intervenção do Chefe da Clã, que até aquele momento, só ouvia!

- O que o senhor acha disso tudo, nono? Não são tudo uns mintiroso fiá-da-puta?!

Silêncio de todos. O nono, muito bem sentado, só escutando, mastigando a própria dentadura – chapa no caso -  no lento balançando sua cadeira de vime, estava impávido! Com seus quase noventa anos de vida e uns cem quilos de porte físico, preparava seu cigarro de palha esmagando fumo crioulo com seus "dedões grossos como parafuso de patrola", unhas bem crescidas e pretas - imundas na verdade – continuava amassando aquele fumo rançoso e velho que acabara de picar. Com essa interpelação, após aquele silêncio que preanunciava resposta bem pensada, trovejou afinal a Voz da Sabedoria:

- Ah vá lá porco Judas! Essa é a tal de tecnologia! Depois que inventaram a máquina de debulhá milho, eu não duvido de mais nada, éco!

 Diante da tamanha Sabedoria, contestação invariavelmente vetada, afinal de contas o velho sabia tudo,  se encerra a discussão e voltam a falar de como gosta de uma polenta  e como está gorda a prima Maria do Escapulário!

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

31) O Trem Noturno.

31) O Trem Noturno

Meus amigos,

Um pouco do passado distante: - Nosso Brasil foi muito expressivo e avançado nesse modal de transporte. Conta do Século XIX o primeiro trecho - Tempo do Império - de quatorze quilômetros a iniciar na "Guia Pacobaiba", estação preservada até hoje. Essa destacada posição foi em especial graças ao arrojo de Barão de Mauá que com financiamento e riscos pessoais, fez o transporte ferroviário evoluir e ganhar destaque mundial! 

Lamentável que em algum momento da História recente, o transporte de passageiros foi abandonado e o de carga de certa forma sucateado. 

As viagens de trens que fazíamos, guarda grande saudade. A que contarei agora, em especial, trata de uma viagem que fiz com um grupo de amigos em 1970 e foi tristemente a última viagem de trem que fiz no Rio Grande do Sul.  Doze anos mais tarde foi a vez de conhecer e utilizar esse transporte entre Rio e São Paulo.


31) O Trem Noturno.                                            


O "Noturno", como o chamávamos, era um trem que saia na noite de Porto Alegre e passava por Jaguari lá pelas 10:00 hs do dia seguinte, numa viagem pitoresca de umas doze horas de duração. Havia um carro leito, com custos mais elevados, que se podia tirar uma boa soneca. Nunca tive este privilégio, mas ouvi falar que era bom. Absolutamente incompatível com o poderio econômico que meu bolso representava!

Ao completar meu primeiro ano na Capital, em 1970, fui de trem curtir o Carnaval em Jaguari. Formamos um memorável grupo de amigos: O Gordo, Tadeu, Léo, Gilseu, Tono, Edgar "o cunhado", Campanher o "Santiagua" e eu compúnhamos essa ruidosa trupe. Podem imaginar a alegria de oito “pós adolescentes” fazendo provavelmente sua primeira viagem sem os “cuidados da mamãe”. Melhor ainda, voltando para casa a curtir uma festa de Carnaval! Euforia solta e sem controle!

Na saída, o trem lentamente pela Rua Voluntário da Pátria diminuiu ainda mais seu ritmo e parou. Foi o que bastou para o Santiagua descer e pegar num boteco qualquer, um litro de canha “Fronteira”, cachaça mais conhecida da época, . A festa começou: Gilseu tinha uma vitrola portátil e fazia a música. Uma chamada especial com um disco cantado pelo "Topo Gigio"! Sucesso absurdo da TV naqueles dias! Tínhamos somente uma poltrona de dois lugares para todos, então todos em pé! A baderna era tanta que vinham passageiros sem sono, de outros vagões só para se divertir com a nossa bagunça!

Acontece, o que é natural, é que havia dezenas de passageiros do nosso vagão, que queriam dormir e começaram a reclamar e foram tantas as reclamações, sem que déssemos a menor importância até que o Chefe-de-Trem fosse chamado a intervir:

    

Também não demos a mínima. Fomos ameaçados. Nos mantivemos surdos às reivindicações de silêncio. Enfim a ameaça derradeira:

- Em Cachoeira vou chamar a Brigada Militar!

Ao som romântico do "ta-clac-ta-clac" dos trilhos o entusiasmo da fuzarca só aumentava ! 

E não é que em Cachoeira ele chamou a polícia mesmo?! O trem para na gare e lá veio ele bufando sobre seu grosso bigode acompanhado de dois policiais da Brigada Militar grandes, ambos com cara de mau, bem fardados, cassetetes em punho, revólver na cintura capacete e todo preparo para  guerra! Sinceramente, cagaço anunciado! Então ele vociferou:

- Agora todo mundo prá Delegacia! Acabou o Carnaval nesse vagão!

O Tono, que havia acabado o CPOR (lembrando que nesse ano, o Governo Federal Militar tinha uma força extraordinária) como Segundo Tenente, falou do alto de sua Exuberante Autoridade Militar:

- Sou um Oficial do Exército Brasileiro, e brigadiano não tem autoridade suficiente para me tirar deste trem e muito menos aqueles de quem eu sou responsável! Agora, só um Oficial da Polícia do Exército tem poder para discutir esse assunto comigo! Eu falei DISCUTIR!!!

Dou ênfase, a esse breve e valente discurso, proferido em nossa defesa e a tamanha repercussão Nacional que estava por se provocar: - Ora, nessa época de Repressão da Revolução de 1964, o Exército mandava com voz grossa e com muita autoridade em nosso País! O Tono com apenas dezenove anos, encarnava a própria figura do Poder Nacional. Impostação e elegância de um Oficial do Exército ele teve de sobra! Nunca me senti tão importante e protegido por um guri, quase um ano mais novo que eu, mas que agora rocou grosso e bonito! Afinal, todos nós - teoricamente - fazíamos parte daquele grupo que ele assumira responsabilidade espontaneamente. Que emoção ao ouvir um sonoro e empolgante discurso de um Verdadeiro Representante das Forças Armadas Nacional. Soaram efusivos aplausos e delírio de todos aqueles que não tinham sono e queriam continuar a fuzarca!

No entanto O Chefe-de-Trem, com seus dois Soldados, se manteve inabalável e o Tono ainda os peitou encerrando o caso: 

- Podem sair daqui, agora!

- Sua identidade militar senhor, por favor.

- Um minutinho! Onde está? Cadê? Acho que esqueci em casa...”

Tono tinha deixado a bendita identidade em casa. Quase me mijei nas calças. Bem, aí o Brigadiano cresceu pelo menos três metros em altura e dois para os lados, ficou um gigante e lascou sem ao menos um "sorrisinho" prá nós:

- Todo mundo pra fora do trem agora. Já pra delegacia, todos!

Pânico generalizado. Quem seriam esse tal de "todos" que seriam levados à Delegacia?! Nós! Tono, eu calculo que voltou aos sete anos de idade. Vamos perder o Carnaval em Jaguari. Que desgraça. Já era madrugada de sábado e ficaríamos no merecido cárcere até a quarta-feira de Cinzas! Ah se arrependimento matasse! Nossa valentia sofre um "derretimento" assombroso. Vexame absurdo e reduzida a um "estado de cagaço" invejável! 

Gilseu em silêncio até aqui, escondeu seu toca-discos e assumiu a defesa. Subiu num banco, ajustou voz de seminarista e orou, ou melhor falou em tom Franciscano:

- Perdão! Clemência! Uma toleranciazinha para um humilde grupo que ficará em total silêncio para o resto da viagem! Juro!

Não teve crédito algum. A decisão estava tomada. Uns choramingavam, todos muito humildes com semblantes da Madre Thereza de Calcutá sob chuva! Tono com a voz bem, mas bem mais fina ainda que seu primeiro valente pronunciamento, fez seu último comovido apelo:

- Deixem eu ficar. Não posso abandonar minha prima de nove anos, que está sozinha no vagão leito! O que será dela?

Isso complicou a vida dos policiais. Havia uma menor de idade, criança envolvida. Mas eis que Gilseu volta e arremata com nova e emocionada intervenção, milagrosa! Sábia frase digna de um Monge Tibetano:

- Errar é humano senhores, perdoar é Divino! Perdoe-nos senhor Chefe-de-Trem! Lhe suplico com toda humildade!

Chefe-de-Trem que não era burro, sabia que prender um monte de adolescentes e até uma criança que certamente dormia em outro vagão, ia dar um trabalho enorme na Delegacia, além de ter que acompanhar o "pelotão de presos"... O trem ficaria esperando na gare? Claro que não!

Perdoou! Nos abraçamos felizes e seguimos viagem com o rabo entre as pernas em absoluto e religioso silêncio até Santa Maria para dali aguardar “baldeação” para o outro trem que nos levaria ao destino final: Jaguari!

Tivemos um sossegado Carnaval cheio de gratidão ao inesquecível e bondoso Chefe-de-Trem!

 

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

30) Afogamento II

 30) Afogamento II.

 

Durante muitos anos a Sociedade de Jaguari fazia o então famoso “Baile da Praia”! Eram duas noites de verão, em que montavam um tablado sobre estacas unindo a margem do rio até a bucólica ilha, pista de dança e mesas com algo de uns oitenta metros quadrados, talvez mais. Orquestras de alto gabarito de pelo menos vinte músicos – possível na época - sem aquela amplificação enlouquecida de som e ocorria, tenho certeza, um dos mais belos espetáculos que lembro com muita saudade. Estrategicamente eram escolhidas noites de Lua Cheia que iluminavam em meio a Natureza com sua mata nativa, ruído do rio, lanternas japonesas, tornavam enfim um evento único! Tudo conspirava ao romantismo e inesquecíveis momentos!

Além do baile tradicional, a Comunidade programava alguns momentos de arte com humor e a tradicional eleição da Rainha do Evento, apresentações e curiosamente um Balé Aquático que observado do salão de dança, afinal de contas ele estava instalado sobre o rio, fazia da festividade momentos de muita diversão e encantamento!

Esse balé, era ensaiado por muitas noites seguidas, ao lado de onde se montaria o tablado. Um grupo de meninas da cidade compunham esse seleto grupo. O local era de água parada e profunda, que facilitava a natação, no entanto exigia cuidados.

Pois bem, nestas ocasiões eram convidados alguns jovens da Sociedade, dois ou três garotões atletas da época, que ficavam zelando alguma eventual emergência. Camotin (também conhecido como Kolvinko) e eu éramos apenas dois moleques adolescentes que sequer merecíamos honroso convite, embora com a expertise relatada na crônica anterior.

Numa noite, a "bailarina" Hya teve câimbras e passou mal. Seu orgulho de exímia nadadora não permitiu pedir ajuda, pelo que não chamou atenção necessária dos salva-vidas oficiais de plantão.

Eu e Camotin  percebemos o que estava acontecendo e nos jogamos ao rio para socorre-la. Rápida aproximação e cheguei procedendo protocolo como treinávamos abraçando-a por trás – ela era maior que eu – e com estrema dificuldade fui nadando com uma mão só “bebendo água” e a outra mão que resvalava de sua axila, tocava no seio. Numa hora dessas, não há erotismo algum e sim um absoluto desespero. Camotin ficou nadando defronte a ela querendo ajudar, mas sem efetividade, pois eu já tinha pego a vítima. A maioria nem percebeu claramente a nossa “heroica ação”, senão quando já estávamos chegando à margem. Aí, todo mundo ajudou!

Bailarina salva! Sentada na areia tossindo e choramingando enquanto eu me jogava na areia exausto, cuspindo água meio morto meio vivo. Camotin, que embora não tivesse ajudado merda nenhuma, ficou em pé triunfante defronte a vítima, orgulhoso, ostentava musculosa pose de Tarzan, o Herói! Quando ela se recobrou parcialmente, ainda meio chorando, perguntou quem tinha socorrido?!

- Foi tu Camotin?

- Claro! Eu estava aqui para isso, e...

 Disse o “ladrão de salvamento”, enquanto eu me recuperava! Me deixou de lado e foi colhendo os gloriosos louros sozinho cheio de orgulho e muito faceiro! Entretanto, ela responde rispidamente:

- Seu tarado, bagaceira, safado, ordinário tinha que abusar de mim, tinha? Pensa que eu não senti onde tu me agarrou, seu filho da puta!

- Desculpa mas eu tava...

- Desculpo coisa nenhuma. Some da minha frente, seu aproveitador sem vergonha !

Todos os que assistiam a curiosa discussão - sem entender - permaneceram em  respeitoso silêncio! Eu tossindo, me mijava de rir mas me mantive  humilde em reflexivo e conveniente silêncio diante das nefastas circunstâncias! Nesse dia encerrei uma provável brilhante carreira de Salva-Vidas! A incompreensão da Humanidade às vezes extrapola o bom senso e nos afasta do convívio social e de encantadoras projeções de futuro!

Dia seguinte voltei a me dedicar ao curso de datilografia!!!



quarta-feira, 18 de novembro de 2020

29) Afogamento I.

29) Afogamento I.


Não me canso de repetir o quão importante em nossas vidas foi o Rio Jaguari na nossa Cidade Natal. No verão, nas horas de folga eu estava lá, nadando, mergulhando e quando o rio estava mais cheio, trepando em árvores para saltar. Trepando no bom sentido, do “verbo subir”, sem nenhuma conotação libidinosa!

De tantas coisas que se fazia, Kolvinko e eu treinávamos insistentemente o salvamento de afogados. O rio era relativamente calmo, mas reservava algumas surpresinhas que tristemente levou algumas vidas, inclusive de amigos nossos!

Kolvinko e eu tínhamos algumas técnicas eficientes – criadas exclusivamente por nós dois -  que nos permitiam sair de algumas armadilhas que a vítima impõe, quando em salvamento/pânico, como as de se agarrar desesperadamente e levar seu salva-vidas junto ao afogamento. Uma das técnicas “cientificamente desenvolvidas” pela dupla, é a de tontear a vítima com uma pancada suave na cabeça! As vezes nem tão suave. Dessa forma com o corpo relaxado, a vítima torna menos difícil de nadar com um único braço, pois com o outro, segura-se o corpo por trás, por debaixo de seus braços. Não é nada fácil, mas com bom treinamento se consegue e dá ao “salva-vidas” uma adrenalina fulgurante, salvar alguém gera uma indescritível alegria!  

Numa tarde de domingo estávamos na ilha e vimos dois “estrangeiros” de Santiago que ao descer a cachoeira se depararam com o “poço”, já conhecido pelas frequentes surpresas aos incautos e começaram a se debater com um deles pedindo socorro. Em disparadas lá fomos nós ao salvamento. Próximo dos dois o Cauby, ou melhor, o Kolvinko pegou por trás o que estava pior e eu peguei o outro, que para me dificultar, estava de frente para mim e gritava desesperado palavras incompreensíveis e tentando me agarrar. Não tive a menor dúvida: Assentei-lhe um murro na testa que ele ficou estrábico. Voltei na tentativa de resgatá-lo, novamente tentou me pegar, pois não estava suficientemente tonto. Pensei, "será que vou ter que buscar uma caipirinha para esse desgraçado tontear?" 

Novamente, prendi-lhe outro soco na testa com mais força, mas o rapaz, era forte e não deu sinal de tontura, até ficou com cara de brabo, sem vacilar, retomei o fôlego, renovei com mais força e meti-lhe com toda, mais uns dois ou três socos. Eu cansado já não acertava mais a testa, era pelo meio da cara mesmo! Então ele meio nocauteado se entregou e eu tomei-o por trás e heroicamente o reboquei até a ilha para os cuidados finais, agradecimentos, aplausos, ovação do o público que assistia com um sonoro,  viva o Kolvinko e viva ao Fausto, etc. Afinal era disso que vivíamos aqueles raros dias! 

Óbvio que nada disso ocorria. O máximo que ouvíamos de alguns que assistiam era:

- Deviam ter deixado morrer, para apreender a respeitar o rio!

Quando a “minha vítima” se recobrou, olhou para mim com a cara inchada e olhar de cachorro que tinha apanhado e sinais claros de ódio, sentenciou:

- Pô, eu sei nadar cara! Eu tava salvando meu amigo e gritei que não precisava de ajuda! Olha o que tu fez comigo cara, qualé? Tu tá lôco tchê?! Te deixei me socorrer prá tu parar com aquilo!

Bom. Entendi e não reclamo a falta de agradecimento do rapaz. Ele tinha lá algumas razões para não ter simpatizado muito comigo, fui apenas mais um salva-vidas mal compreendido!


quarta-feira, 11 de novembro de 2020

28) Foguete Colhudo...

   28) Foguete Colhudo...      


O meu Povo de Jaguari, meus conterrâneos como eu próprio gostamos mesmo é de festejar, qualquer coisa justifica soltar foguetes, por exemplo. Muitos foguetes. 

 
Foguetes para Festa de Igreja, chegada de visitantes para o jogo de bocha, o dia de São Cristóvão, comício, batizado, aniversário, chegada da Rainha de não sei lá o que, jogo de futebol, vitórias, enfim...  Mas está absolutamente certo. Não tem coisa melhor do que festejar uma glória com bastante barulho. Não é barulho por nada, é barulho por alguma coisa que se conquistou então se partilha com todo o mundo ruidosamente. Isso faz bem para o ego, o superego, o id e sei lá mais o que Freud poderia inventar, para justifica esta loucura pirotécnica que nós Jaguarienses, gostamos tanto!

Pois teve um domingo, em que Grêmio ou Internacional ganhou um campeonato gaúcho, e lá se foram quatro torcedores para a passeata em meio a mais algumas dezenas de carros – era assim que se chamava, hoje se chama carreata – claro é que cada componente em seu carro carregava uma farta bateria de foguetes.

Pois esse quarteto pilotava um Fiat 147 bem velho, soltavam um tipo foguetes que dispara dez tiros fortes e no final, um último extremamente forte, enorme, violento! Este, o último tiro, era apelidado, pelo seu potencial destrutivo e dominante de o “colhudo”! A festa em plena Rua Sete de Setembro rolava alegremente, fazendo sua baderna peculiar e o “trago de canha” corria solto, afinal, tomar uns tragos é bom até sem motivo, imaginem tendo uma boa razão para isso!

Num dado momento, o motorista eufórico, atrapalhado com uma mão no volante, a outra na garrafa, outra fazendo mudanças e ainda mais uma outra com um foguete aceso! Ora, não precisa ser um grande matemático nem especialista em anatomia humana, ortopedia para perceber nessa aritmética que faltou mão.... Tanta ação simultânea que um desses foguetes, foi pego com o cabo para fora do carro e a ponta de disparo, para dentro. E disparou! Ao perceber a grande cagada, já era tarde demais! Freia abruptamente o carro e comanda aos berros:

- Saiam do carroo, saiam do carroooo...

Nem um dos quatro ocupantes conseguia sair de uma minúscula cabine com apenas duas portas com a emergência exigida. Em fração de segundo começa a pipocar o foguetório em meio a deles! Desespero para parar totalmente o carro, soltar cinto de segurança e saltar fora e as explosões se sucedendo aterrorizantemente. Em pânico  gritavam desesperados:

- Falta o colhudo, falta o colhudo...

Quando conseguiram parar o carro e voar para fora, deixando calçados, pedaços de roupa algum pedaço de pele para trás e em meio a uma nuvem de fumaça, o colhudo estourou! Foi uma explosão tão forte que o assoalho do Fiat, já meio podre, arriou em plena avenida! Os bancos do carro solidários ao velho assoalho também caíram! Por sorte e incrivelmente ninguém se feriu, só o susto, mas que susto! Ou como diria Mano Lima: “Mas que baita cagaço tchê!”

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

27) Troca de ouvido, mãe...

Sempre que viajo, que me exponho a outras culturas fico nos primeiros dias muito atento para não cometer gafes ou até mesmo provocar situações indesejadas preocupado sim "do que os outros vão pensar"! Afinal de contas, quando estamos visitando outra Nação, temos no mínimo que procurar adaptação e aceitação dos costumes locais. Uma delas por exemplo, em território americano, é de que devemos evitar o olho no olho com desconhecidos, ao menos que estejamos preparados para ouvir um O QUE FOI indignado de um gringo ou da gringa que estamos observando... Se respondermos, certamente estaremos provocando uma discussão inútil e de repercussão inimaginável!

O fato que vou narrar, aconteceu no Chile e não contempla nenhum diálogo com nenhum chileno que me assistia ocasionalmente ao telefone, mas que despertou atenção unilateral deles comigo! 


 27) Troca de ouvido, mãe...


Final de 1993 eu comentava com meu irmão, pouco mais velho, o Maninho, que estava difícil ligação de Porto Alegre para Jaguari a falar com a mãe. Ele comentou:

- Pobre da mãe está com um problema em um dos ouvidos. Quando isso ocorrer, diz a ela para trocar de ouvido, aí ela vai te ouvir normalmente.

Apreendi! Final do ano viajei de carro a Argentina e Chile visando fazer pela primeira vez, o cobiçado “Circuito Andino”! Depois da travessia de toda a América, via Uruguai, Argentina, a fantástica passagem pelos Andes chegamos a Santiago. Como planejado, tirei uns dias de descanso na Capital chilena. Em um dia qualquer ainda em Santiago, deixei o carro no hotel e fui via aérea a Puerto Varas, no Sul do Chile, Região dos Lagos. Havia me “batido a preguiça” de dirigir mais 2.000 km (ida e volta) mesmo com a Rodovia Pan-Americana, moderna e de muito bom piso asfáltico. Chamou-me atenção uma promoção de pacote aéreo para a Região, muito interessante, comprei!

No dia da partida, ainda no aeroporto doméstico de Santiago bateu a saudade dos meus Velhos e fui telefonar para casa! Não havia cabine telefônica, nem orelhões. Os telefones públicos eram instalados nas paredes do saguão, um ao lado do outro sem nenhuma proteção acústica. Liguei para Jaguari e a mamãe atendeu. Sempre com muita alegria, mas pediu para eu falar mais alto porque estava difícil me ouvir. Lembrei da recomendação do Maninho:

- Troca de ouvido, mãe!

Ela não entendeu. Ouvi-a ainda comentar com o Papito:

- É o Fausto! Está telefonando de longe, que pena, não dá para ouvir direito...”

Ouvindo isso, fiquei angustiado e repeti um pouco mais alto a recomendação para trocar de ouvido, mas sem resultado. Novamente quase gritando. O mesmo. Mais uma, desta vez não era quase gritando, era gritando mesmo. Outra vez, gritando mais forte. Outra a todo pulmão e novamente já me esganiçando e mais uma que eu me curvava as costas para o som sair mais alto. Minha persistência tinha um grande impulso, porque apesar da ligação ruim, eu a ouvia perfeitamente, e ela se lamentava chorosa de que sabia que era eu que estava falando, mas não conseguia me entender! A emoção toma conta de mim de tal forma, que me dava ânimo renovado. Reconstituía respiração e coragem de seguir em frente com gritaria plena. 

Eu já não expelia só a voz, me cuspia todo e meu pescoço parelho das orelhas aos ombros de tanto esforço vocal e nada. Aumentei o que deu o volume repetindo sempre a mesma recomendação, aquelas quatro palavras mágicas:

- Manhê, troca de ouvido...




Fui sentindo um calor intenso no corpo, mas não desisti, não me entrego tão fácil e continuei repetindo com o volume de voz que me era possível, embora a garganta já em pandarecos. Interrompia por alguns segundos para tossir um pouco, respirar fundo e voltar no mesmo tom! 
A ligação era cara, tinha que aproveitá-la. Novamente aos berros e assim me mantive por alguns minutos, até que exausto, molhado em suor, me rendi! Pus o fone no gancho ofegante e me escorei no próprio aparelho para recuperar o fôlego por algum tempo. Paciência. Não há o que se fazer! Não deu!  Fui derrotado. Ponto final!

Virei-me para comentar o triste insucesso com a Ukê que aguardava ao meu lado. Cadê ela? Sumiu! Desapareceu. Me abandonou covardemente em um telefone público.

Fiz um "olhar de varredura" no saguão da sala de embarque e finalmente avistei-a na outra extremidade do aeroporto, meio escondida com seu rosto num vermelhão incrível. Parecia um tomate maduro. Segurava a barriga de tanto rir! Obviamente com vergonha do meu show! Inicialmente não entendi sua atitude. Olhei ao meu redor e ENTENDI: - Belo escândalo! As pessoas no saguão no maior silêncio a me olhar com espanto. Alguns rindo, crianças chorando, outros com olhos arregalados e ar de medo, outros procurando se afastar de mim recolhendo a Família... Estavam definitivamente diante de um louco a berrar palavras incompreensíveis... 

Bem, foi a vez de eu avermelhar de vergonha! Tossi discretamente para disfarçar não sei bem o que, fiz um sinal como que pedindo desculpas, simulei procurar algo nos bolsos e sai de mansinho direto ao banheiro onde permaneci por alguns minutos esperando que “me olvidassem”... Esses chilenos têm dificuldade de entender um brasileiro ao telefone, só porque apresentava sinais de loucura! Monumental fiasco internacional! Que orgulho!

terça-feira, 27 de outubro de 2020

26) Saia Curta.

26) Meus amigos leitores,


Dentro do plano inicial desse blob, me propus colocar acontecimentos em que vivi de verdade e de "forma ridícula". Tratam-se portanto, de histórias verdadeiras vividas e não apenas estórias... As que me contaram (essas eu não garanto serem verdadeiras!) como o da Estação, por exemplo, embora aquela, alguns ex "Ferrinhos" (*) me ligaram para afirmar que a história - em seu núcleo - é verdadeira!

Essa de hoje, posso afirmar com todas as letras, foi minha maior gafe desses "últimos 71 anos"! Um horror... A cábula tomou um tamanho, que pensei mais de uma vez se devia publicá-la. Como a origem de tudo, vem do meu "quase livro" intitulado "Contos de um RIdículo" A primeira sílaba "RI" é em maiúsculo mesmo, porque depois de tudo passado, me dou o direito de rir de mim mesmo, então vou em frente!

(*) Carinhoso apelido daqueles que trabalharam ou trabalham nas ferrovias...

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26) Saia Curta.

A situação de “saia curta” é aquela que a gente se mete numa enrascada, que mais parece um brete. Por mais que se procure não tem saída, sente-se uma imensa inveja da tartaruga, que em apuros simplesmente se recolhe para dentro da casca ou a avestruz que enterra a cabeça da areia, deixando o resto de fora. É, o “resto” fica de fora. Já me senti assim. O interessante, é que lá se vão mais de meio Século e toda a vez que me recordo, ainda fico um pouco corado, da vergonha que senti.


Vamos ao fato; - Todos os dias, enquanto morei com meus Pais em Jaguari, fui durante o intervalo do almoço ao Correio (EBCT) buscar a correspondência e o jornal Correio do Povo na caixa postal 56, que o Papito assinava. Ele exigia que ao acordá-lo da sesta, ter o seu jornal disponível.

Em 1966 eu voltava dessa missão, pela Rua Sete de Setembro, totalmente vazia, momento em que todo mundo sesteava, especialmente no verão, e encontrei com um jovem conhecido – minha idade – morador da cidade vizinha de Santiago, de férias em Jaguari. Contei a ele, num misto de pesar e orgulho, que ao me alistar, fora designado a servir ao Exército em Santiago, sua terra e onde como Soldado, ficaria por um ano numa “posição social” em que as gurias desprezavam, no que ele concordou de imediato:



- É. "Elas", definitivamente não gostam de “milico”! Ser apenas soldado é brabo, as gurias não olham nem de longe. Sentem nojo. Acham que são todos bagaceiros, ignorantes, gente grossa do interior. Andam sempre em grupos fazendo algazarra, gargalhadas e gritaria nas ruas... Parece que não têm vergonha de nada! Tu tens é que ter amigos que sejam pelo menos Sargentos e solteiros para sair, aí as gurias te "dão bola"...

- Mesmo?! Que bom saber. Coincidentemente tenho três amigos Sargentos, dois são solteiros. Todos foram no ano passado para o Exército e já são Sargentos!

- Te aproxima dos solteiros e vais te dar bem! Elas adoram Sargentos!

- É? Farei isso. Tenho pena do que se casou. Coitado, é um arigó! Nunca teve namorada, não ia a baile, cinema, nada. Foi servir, conheceu uma que lhe esfregou a perereca na cara, comeu e em meio ano se casou. Inexperiente! Dizem que em Santiago ela DAVA para todo mundo. Agora é uma senhora, imagina, uma baita galinha!

Afirmei com todas as letras e convicção, próprio de um adolescente pleno de conhecimento, malandro e que tudo sabe, dono da verdade!

- Hehehehehe... Nossa, quem é ele? Me diz quem é, talvez eu conheça o otário! Vou pros amigos e me divertir muito com essa...

Perguntou curioso, os olhos brilhando e sorriso maroto estampado, ávidos de uma revelação que daria uma bela fofoca! Disse-lhe o nome completo!

- É o Sargento “Tal”!

- Ah sim! Conheço!

- Verdade?

- Sim. É casado com minha irmã!

Silêncio sepulcral! Não tinha competência para puxar assunto novo. Pensei que se eu tossisse um pouco, disfarçaria. Tossi bastante, mas não ajudou. Talvez acender um cigarro, não pois eu já estava fumando. Assoviar, não deu pois os lábios estavam petrificados. Ainda faltavam dois quarteirões para a minha casa. Os dois quarteirões mais longos e demorados da minha vida. Era uma saia curta desgraçada, salto alto, espinho de peixe na garganta, dor no pé! 

Caminhava desajeitado. Vontade de sumir do mapa. Nenhuma palavra mais, nunca mais. Também jamais voltei a vê-lo, felizmente. Se isso acontecer hoje, fujo, desapareço da frente dele...

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

25) Humor Negro.

 

25) Meus amigos que me prestigiam com suas leituras,

A cada crônica, eu sinto um certo compromisso de justificar minha postura, especialmente quando a julgo inadequada, no entanto em se tratar de um conto de algo que verdadeiramente já aconteceu, não cabe mais se desculpar, não tenho mais o "alvo" da ocorrência para minhas, ainda que sinceras escusas.

Nessa crônica de hoje que leva esse título merecidamente, não tenho "culpa em cartório" e se tiver, o único é de ter levado comigo dois elementos, ou melhor, dois amigos que fizeram toda a fuzarca de que tanto me envergonho. Não fossem esses dois amigos que mantive por toda minha vida [o Gordo já nos deixou em agosto de 2018] de valor tão alto, talvez já os tivesse esquecido e no embalo dos esquecimentos os teria abandonado também. Nada disso. São autênticos "Amigos para Sempre", sem ser piegas, mas amigos valorosos que jamais serão esquecidos, Graças a Deus!


25) Humor Negro.

Enquanto morei com meus pais em Jaguari sempre tive, como meus irmãos, responsabilidade de trabalho. Meu velho, além de sócio de um curtume e fábrica de calçados, era Distribuidor Autorizado da Cia. de Fumos Santa Cruz para Jaguari e Santiago. Minha primeira atividade profissional, foi a de fazer tamancos e foi desse trabalho que comprei orgulhosamente minha primeira bicicleta! Outra de minhas tarefas - só quando obtive minha carteira de motorista - era o de “fazer a praça” todas semanas, que consistia em visitar todos os botecos, restaurantes, clubes e cigarrarias da Cidade vendendo cigarros à pronta entrega. Antes de ter o Direito de Dirigir, fazia-o na companhia de meu irmão mais velho ou do meu próprio pai. Para isso usávamos um caminhãozinho Opel ano 1951 de cor verde, mais adiante uma Ford F1 carroceria tipo bau - apelidada de Tufuma - que eu babava de prazer em dirigir.

Então, quando Maior de Idade sempre me fiz acompanhar de um ou dois amigos, para que o trabalho se misturasse com divertimento, e era. Nesse dia estava comigo o Gordo, que assim o chamávamos pela sua forma arredondada e o Kolvinko. Todos com uns dezoito anos de idade. Na saída da Cidade  de Santiago tinha um boteco de um senhor que tivera um mal na garganta, lhe tirando o som da fala. Respirava por um terrível cano na garganta e por ali emitia alguns sopros que pela força do hábito, eu até entendia como se houvesse o precioso som de sua voz. Algo tétrico.

Sempre que o atendi, saía de lá deprimido. Neste dia antes de entrar na loja, adverti aos amigos da situação, para que eles não se surpreendessem e nem fizessem qualquer tipo de manifestação. Evitem olhar, que é melhor! Após os cumprimentos de praxe, perguntei se precisava de alguns de nossos cigarros ao que ele prontamente respondeu com sons que se confundiam com silvos ou discretos assovios, tipo um:

- Pfih, pfih, pfih..

Era apenas algum deslocamento de ar naquele caninho de seu pescoço, acostumado entendi. Olhei para os "meus ajudantes" e falei em alto em bom tom:

- Três pacotes de Tufuma, dois de Paquetá e um BR!

Os dois indignados com minha tradução simultânea, se entreolharam e voaram porta a fora do bolicho lá para
o meio da rua e explodir em ruidosa gargalhada. Eu ouvia suas risadas. Tive que segurar firme, sério obviamente. Fiquei puto da cara com os dois que choravam de tanto rir. Descarreguei os cigarros sozinho, porque nenhum daqueles moleques de merda tiveram coragem de voltar lá dentro. 
Passados muitos anos, todos maduros, sentimos remorso pelo ocorrido, mas toda vez que se lembra daquele som, discretamente rimos, mas nos repreendemos mutuamente. 

Com a Graça do Criador, é que esse senhor, viveu ainda por mais de trinta anos!!!