quinta-feira, 18 de junho de 2020

07 - Fiá-da-puta!


Meus amigos,
Nesse dia 18 de junho, eu volto às minhas memórias em Jaguari. Vou tratar de um “amigo peralta” que se envolveu comigo. Dessa vez o ridículo não fui eu, mas ele. Fiquei como o repressor na história graças ao meu posicionamento estratégico diante do risco de ser roubado (furto no caso...)! Em se tratando de furto de frutas maduras de um pomar exuberante, farto, o crime deixa de ser crime e passa a ser uma aventura!

                                                 93 anos de história




07) Fiá-da-puta!                                                                   


Foi lá por 1962, que eu estava comendo bergamotas, no fundo do pátio de casa

em Jaguari no horário da preguiça, de sesta, isto é, após o almoço. Havia uma bergamoteira no canto do terreno, na esquina muito próximo a um pé de Ipê, que existe até hoje. Uma velha cerca de tela era suportada por uma imensa carreira de ananás, que pelas suas folhas agressivas – parecidas com abacaxi - mas bem maiores e mais espinhentas, essas fechavam o terreno para nos dar segurança e encarceravam as galinhas soltas no local, pois ali além do pomar era também o galinheiro. As bergamotas eram do tipo bem comum. Algumas tão azedas, de dar inveja a “limão com azia” ....


Neste dia eu estava em baixo da bergamoteira, que fazia uma boa sombra
com suas folhas e galhos quase tocando no chão, quando ouvi de longe um sussurrar de dois guris que

vinham pela deserta “Rua do Ginásio”. Era o Kolvynco e o Carlinhos L. Quando bem próximos de onde eu estava, o Kolvynco convidou Carlinhos:


Vâmo robá umas berga do véio Waldemar?
- Vâmo!”

Sinceramente pensei que estavam querendo “inticar” comigo, pois eu estava ali, próximo, não mais que três metros deles. O Kolvynco, na maior cara de pau, mas com alguma dificuldade, subiu em parte da cerca de tela se segurando e equilibrando nos galhos da bergamoteira, começou a apanhar as frutas que alcançava, enchendo seus bolsos e conversando agitadamente com o Carlinhos recomendando-o sem cessar:

- Cuida se vem alguém!

O absurdo é que nenhum dos dois me via, talvez por minha imobilidade e o meu propósito de me manter anônimo naquela circunstância. Subitamente Carlinhos me viu entre as densas folhas! Pasmo, ficou me olhando calado, sério, pálido

, sem dizer uma só palavra. Eu só o olhava sem nenhuma expressão. Carlinhos tentou um sorriso amarelo, mas fracassou. Ele era um bom menino tímido e roxo de vergonha pelo flagrante. Manteve-se em silêncio, não movia um músculo. O Kolvynco ainda sem me ver, com seu notável entusiasmo circunstancial, continuava a encher seus bolsos. Quando cheios, começou a arremessar para suas costas sem olhar, para que Carlinhos “abaralhasse” a sua parcela no furto. O coitado já pego em flagrante, se mantinha sem reação. À medida em que as bergamotas vinham voando na sua direção, batiam-lhe do peito, pescoço, ombro, testa, caindo no chão. E ele mantinha sua constrangedora imobilidade. Não pegava nenhuma. Apenas me olhava com aquele “quase sorriso” morno, estático. Kolvynco sem entender seu comportamento, ainda o xingava severamente:


- Olha aí seu boca-aberta. Apara as berga que tão caindo no chão... Não tá vendo? Seu “abobado da enchente”!

Impaciente, Kolvynco se dá conta do interesse curioso do amigo que mantinha seu olhar fixo-unidirecional: - A mim, é claro. Ao conferir a direção de tão concentrado olhar, viu que lá estava entre as folhas, o filho do “véio Waldemar”. Eu no caso! Eu fazia apenas um suave e silencioso aceno de negação com a cabeça! Ao me ver, olho no olho, tão próximo e tão sereno, derreteu!  Tive a sensação de que suas orelhas murcharam como as de um cão perdigueiro que apanha do dono. Seu olhar perdeu o brilho. Deu pena. Mas valeu toda minha paciente espera ao desenlace da situação criminal, quando ouvi sua sincera, eloquente e triste exclamação:

- Fiá-da-puta, tu tá aí!

Encerrou a colheita, desceu da cerca lentamente, recolheu as bergamotas que Carlinhos tinha involuntariamente desprezado e tomou o rumo de sua casa de cabeça baixa – mas comendo bergamotas - sem olhar mais para a cena do crime. Carlinhos manteve o mesmo olhar – acho que esperava um xingamento, que não veio - enquanto eu procurava manter apenas um “olhar de peixe morto”!

Sei que nos dias seguintes, continuaram roubando nossas bergamotas. Inevitável diante do lindo colorido que essas frutas de “amarelo provocante” dão aos nossos olhos adolescentes e gulosos em meio às folhas verdes que decoram aquele belo arbusto!
O melhor de tudo foi que esse fato gerou o início de uma grande amizade com o Kolvynco. Já contei história dele. É ele que chamo de “Velho Amigo” em outros contos. Amizade que existe e se mantém por bem mais de meio século!

Vista aérea da cidade de Jaguari-RS ao fundo Obilisco


















Observação: As imagens ilustrativas são disponíveis da Internet e não protyegidas pela Lei 9.610

14 comentários:

  1. É verdade,velhos tempos,que só fica a lembrança,e muita saudade.

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  2. É verdade,velhos tempos,que só fica a lembrança,e muita saudade.

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    1. Caro amigo Crazy dos velhos The Crasies, fundador e tudo. Que bom que vc conseguiu postar teus comentários que antes não conseguia. Agora nosso blogueiro fica mais animado. Tu faz parte da história na vida do Diefenbach

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    2. Obrigado Dirceo. Muito bom e importante poder contar com teu apoio técnico e emocional nesse "início de vida de blogueiro!"

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  3. Primo querido!! espero ansiosamente tuas crônicas toda 5a feira. O bom é que, como conheço esses cenários todos, eu visualizo como se lá estivesse. Continue firme !! abraço!

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  4. ADorei só fiquei curiosa pra saber quem era o Kolvinco kkk

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  5. Muito bom relembrar esses acontecimentos da juventude e, ainda bem, que virou uma grande amizade. Esses seus contos fazem a gente viajar...

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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