quarta-feira, 22 de julho de 2020

12) - Tu jantou né, seu bosta!


Meus amigos leitores,

Tanto falo no Serviço Militar e seu sacrifício que já contei lembrando, que no meu caso, foi o ano que mais sofri as agruras de trabalho pesado e sacrificado, entretanto 1967 foi o ano em que mais ri em toda vida! Tinha no meu Esquadrão, o Aymoré Peixoto, que bastava seu olhar, que já provocava risos!
O que ocorre, se assemelha ao nascimento, onde o ambiente de conforto, temperatura e luminosidades perfeitas de um lugar sereno e seguro que o ventre de nossas Mães nos dá, mas que muda bruscamente ao nascemos: - A temperatura é desafiadora, desconfortos gastrointestinais e respiratórios, pois se não fizermos um berreiro, sequer respiramos!
Incorporar nas Forças Armadas é assim estressante, dolorido pois deixamos de ser a criança ou adolescente – onde quase tudo nos é permitido – para pagarmos o preço de ser homem! Em apenas um ano isso VAI ACONTECER! Trabalho pesado, rigor hierárquico até então desconhecido, enfrentamento de más condições climáticas entre outas coisas!
Logo, o dia em que se “dá baixa”, volta-se para casa com o orgulho de ter Cumprido o Dever! Que alívio! Dia de celebração pois voltamos à liberdade parcial que a vida de adulto nos impõe! 

Foto de: Simoni Marcon
12) - Tu jantou né seu bosta!

No glorioso dia em que dei baixa do Exército e voltei para casa, 08/dez/1967, em minha cidade Jaguari, se comemorava o dia da Nossa Senhora da Conceição – a Padroeira da Cidade – com a tradicional Festa da Igreja. Como em toda a quermesse, havia música, comidas típicas e outras nem tão típicas, bebidas, jogos e muita alegria!
O jogo de arremessar bolas de meias para derrubar uma pirâmide de latinhas chamou atenção do amigo Gordo, pois premiava com um garrafãozinho empalhado com um litro de vinho branco produzido na cidade.

Kolvinko, Nandinho, Gordo e eu juntamos nosso dinheiro para competir e ganhamos o tal garrafãozinho e eu e Kolvinko o bebemos imediatamente. Já sem dinheiro, não podíamos voltar a competir.
O Gordo, muito experto se postou ao lado do Alexandre, um grande vencedor daquele jogo, e por ele torcia entusiasmadamente, no entanto, com o cabo de seu guarda-chuvas enganchou e fez subir às suas mãos um dos mais de dez litros colocados no chão, que o Alexandre tinha ganho. Consolidado o furto, novamente nós dois bebemos o segundo litro da noite! Já tonto, Kolvinko faz se diz em meio jejum:

- Não jantei, vô pará de bebê prá não ficá bêbado!

- Também não jantei! Vamos parar...

Nandinho – que não bebia - se despediu. Gordo só assistia rindo da nossa cara! Mas a farra continuou pois veio a gloriosa ideia de que agora nosso pequeno grupo não tinha mais menores de idade! Só homens!
- Vamos continuar bebendo!   E Kolvinko novamente:

- Mas tô de estômago vazio. Não jantei!

Mas continuava bebendo! Era um grande parceiro, não me deixaria só. Mas estando sem dinheiro, tínhamos que encerrar. Foi a criatividade do Gordo que resolveu nossa carência de recursos financeiros, numa ideia brilhante:

- Vou encher o garrafão de água e trocar na copa por um vinho tinto e depois destroco por vinho branco!

Dito e feito. Cheio de água, recoloca a rolha e massageia a cera que protegia a tampa, para parecer virgem e foi feita a troca. Bebemos o terceiro litro. Nestas alturas os dois “maiores de idade” estão muito bêbados. Hora de o Gordo ir embora e foi.

- Como o Gordo é legal! Vai nos fazer falta!

- Por que?

- Quero levar este garrafãozinho de lembrança deste dia! Mas queria cheio para guardar!

- Podexá que eu faço!

Repetida a operação. Ao acariciar o vinho vi a marca na rolha de seu rompimento anterior! Tinha sido adulterada!

- Não acredito! Nosso garrafãozinho voltou...

O feitiço voltou contra o feiticeiro! Rimos de sentar no chão! Bom, já que voltou o garrafão com água, vou despejá-lo fora. Abri-o empurrando a rolha com a ponta do guarda-chuva como nas vezes anteriores, (saca-rolhas, coisa rara que não dispúnhamos) e ao escorrê-lo, pelo cheiro percebi o engano: - Era vinho!

- Bom, não dá mais para guardar. Vamos ter que beber só nós dois!

- Mas eu não jantei! Resmungou novamente...

- Nem eu amigo véio, vamos em frente!

E fomos em frente, ou melhor, bebemos! Aí o porre ficou descontrolado. Hora de ir embora. No caminho com uma inspiração etílica de Arte, resolvemos dar uma serenata ao Nandinho. Iniciamos nossa alegre canção, sem nenhum instrumento e nada afinados! Subitamente Nandinho abriu uma fresta na janela e bravejou:

- Para com essa gritaria, seus merda! Pai tá doente. Se arranquem daqui!

Escorraçados por um amigo, ficamos desolados!

- Nem agradeceu! Maleducado!

Aos trancos e barrancos nos arrastamos à exaustão por mais dois quarteirões. Na Igreja Protestante deitados contra o muro. Um escorava o outro e o mundo começou a girar.  Odeio isso! Não tem coisa que repugne mais do que o mundo girando à toa e cada vez mais rápido... Ainda tive tempo de avisar ao Kolvinko:

- Tô passando mal. Acho que eu vou vomit... Huuuuââââ!!!

Felizmente fiz “aquilo” pelo lado oposto ao companheiro, no entanto, ele percebeu um som diferente do vinho sendo “despejado” na calçada. Não era só líquido. Meteu as mãos em meio ao produto e inspecionou seu conteúdo, percebendo fragmentos sólidos, catou um pedaço maior. Era batata frita. Com esse pedaço entre os dedos, me olhou severo e meio vesgo, furioso, traído e sentenciou:

- Tu jantou né, seu bosta!
   
Flagrado com uma peça de prova material da “mentira solidária de jejum”, balbuciei minha defesa:

- É. Mas eu comi só meio pratinho de batata-frita com o Carlinhos!

Assunto encerrado. O resto dessa noitada, eu não faço a menor ideia do que ainda aconteceu nem como cheguei em casa! Tão inesquecível também foi a dor-de-cabeça da manhã seguinte!


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