quarta-feira, 5 de agosto de 2020

14) Arlington só para Heróis!

Meus leitores queridos,

Como já escrevi, gosto muito de viajar. Cada trecho, cada cidade, cada habitante tem seu encanto e um rico tesouro de conhecimento para nos ceder. Sempre afirmo que uma das melhores coisas que fiz durante toda minha vida foi conhecer muitos e novos lugares e vários deles repetir por muitas vezes.
Uma cidade visitada hoje, nos reservará novos cantos e encantos para um futuro retorno. Como diz meu amigo Dirceo Stona, “devemos sempre deixar alguma coisa para trás, para podermos voltar! ”


14) Arlington só para Heróis...  
                                                         
Em 1995 quando fui a NYC com o Patrô – contei na sexta crônica dessa viagem o caso do “Deixa que eu Chuto” – quando no final de semana para aproveitar melhor ainda a ida aos EUA, locamos um carro e fomos a Washington DC. Minha primeira vez na Capital Americana. Ao chegarmos no sábado meio da tarde, aconteceu a festejada Primeira Neve daquele Inverno. Em menos de meia hora, tudo ficou branco e as ruas com difícil trânsito, fizemos um lanche ainda na rua e nos recolhemos cedo ao hotel para descansar.

O domingo amanheceu espetacular, a nevasca foi generosa. Tudo alvo, colorido com o contorno branco da neve, sol radiante e muita alegria em parques, praças e outros lugares públicos. Muita gente na rua em roupas coloridas e adequadas ao frio fazendo bonecos e trocando arremessos de bolas de neve numa festiva “Guerra de Inverno”! O Americano festeja a primeira neve de forma nada comum entre eles, isto é, com muita alegria e comunicabilidade!

Saímos de carro meio sem destino a apreciar o que de melhor se descortinava para nós. Num dado momento e ao acaso, cruzamos o Cemitério de Arlington. Para tudo. Vamos aproveitar a oportunidade de conhece-lo! Estacionamos o carro e adentramos respeitosamente naquele Sereno Campo Santo.

Numa galeria qualquer cruzamos com um casal de brasileiros, ele uns quarenta e cinco anos de idade, ela bem mais jovem e uma filha adolescente, pelas suas idades, supomos ser filha só dele, talvez de um "primeiro casamento", pois ainda tinha um neném de poucos meses no carrinho, esse sim, certamente do casal. Tudo inferência minha. Não tomamos nenhuma atitude que eles percebessem nossa origem brasileira. Ficamos em silêncio.

O fato que valeu a pena é que eles discutiam, brigavam com invejável entusiasmo! Não só o casal? Todos! Ele percebia que chamavam atenção pelo tom de voz com que “confabulavam”, mas nem por isso diminuía sua gritaria, parecia se orgulhar de seu poder vocal! Quase um Tenor! Não era para menos, berros livres e soltos mesmo. Escândalo!
Para continuar curtindo aquela “peleia” fingimos não entender o idioma e deixamos os quatro que brigassem livremente! Correção: O neném não brigava, só os três! Mantivemos oculta nossa origem brasileira para que ficassem bem à vontade. Mantinham se xingando mutuamente sem nenhum pudor, nenhum limite especialmente ao volume de voz, nem ao vocabulário empregado! Verdadeiro espetáculo brega! Distanciaram-se de nós, mas a voz do grupo se manteve em nosso “alcance auditivo” por muitos vários ainda!

Muitas voltas depois, localizamos o Mausoléu da Família Kennedy, onde repousam os restos mortais de Jakie e do Presidente John F. Kennedy! Líamos o epitáfio e sinceramente emocionados nos mantivemos num profundo e respeitoso silêncio!
Subitamente, vi ao meu lado, era “ele” chegando, sozinho. Lia também emocionado, quando repentinamente chega a víbora menor, a filha adolescente, faz uma pose de “açucareiro” com as duas mãos na sua grossa cintura e em tom de um Terceiro Sargento da Cavalaria recém promovido vocifera:

- Lendo pai?!?!

Ele, ainda consternado, lágrimas nos olhos sem olhar para aquela "rica filha", voz embargada :

- Sim filhinha! Coisa linda né?

- Porra pai! Vamos passar o dia todo dentro de um cemitério lendo plaquinhas? Mas que merda homem! Puta-que-pariu, porra! Não te aguento mais, caráio!

- CHEGA! Isto que vocês estão me fazendo é “terrorístico”! (*)

(*) Palavra nova do vocabulário brasileiro, válida somente em território americano e se dirigido a uma filha pentelho que nos enche o saco!
Depois disso se afastou desancando os mais diversos qualificativos de baixíssimo calão, nenhum sem adequada resposta da “adorável filha”, é claro. Aliás, em palavrão ela era muito criativa!

Num um terceiro encontro mais tarde – o melhor de todos - o clima entre eles era pior do que os anteriores. Sempre que isso acontecia, eu e Patrô nos mantínhamos conversando no nosso inglês médio, para mantê-los sempre à vontade! E a troca de insultos continuava alucinante, rica, farta! Foi muito divertido assistir a todo aquele carinhoso imbróglio familiar!

Encerrando a visita ao Cemitério e indo embora, já no imenso pátio de estacionamento, sem notar passamos por “ele” novamente, mas agora sozinho. Só nos demos conta que era “ele”, pouco mais
adiante, mas era tarde, ele tinha nos reconhecido pela nossa conversa, nosso idioma e nossa origem brasileira!
Ficou paralisado, pasmo, cristalizado! Se deu conta de que curtimos todo seu escândalo. Ficou ali parado com olhar de indignação, num misto de vergonha e raiva. Logo a frente pegamos o carro, ainda sob seu olhar indignado e na sequência fiz questão de passar ao seu lado sem segurar nossa mais gorda das risadas! Ele ainda parado, chocado.
Baixamos os vidros do carro e o saudamos festivamente numa manifestação bem brasileira com os braços para fora do carro gesticulando, gritando:

- Larga aquelas cobras venenosas, jararacas que não te merecem, víboras desgraçadas, elas não valem nada, ainda vão te matar, foge conosco vem, manda elas a merda, deixa de ser bunda mole, venha!

Fomos nos afastando lentamente ovacionando-o às fartas gargalhadas. Ele permaneceu imóvel, mãos para o alto, indignado, sério, carrancudo, sem resposta, quase chorando, mas certamente nos dando toda razão! Apreendeu que mesmo estando longe de casa, uma boa postura, nunca é demais!!!


Porto Alegre, 06 de agosto de 2020.

9 comentários:

  1. Muito bom, chegar quinta feira e dar muita risada, com as histórias do amigo Fausto!

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  2. Hilário!! É uma delícia ficar na moita, sem demonstrar que é brasileiro no exterior e ouvir os barracos dos outros. Muito Bom!!

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  3. Meu amigo muito bom o conselho que destes para este Brasileiro sofredor.

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  4. As aventuras vividas pelo Fausto Diefenbach faz parte do cotidiano. Fausto um homem viajado e como disse um amigo acima. "É muito bom chegar quinta-feira e dar uma risada com as histórias do amigo Fausto"

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  5. Sempre muito bom de ler tuas crônicas! Garanto que esse nunca mais fez baixaria no exterior! Deve ter aprendido, kkkkkkkkk

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  6. Como diz um amigo em comum: "Pobre alma"!!!!!

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