quarta-feira, 18 de novembro de 2020

29) Afogamento I.

29) Afogamento I.


Não me canso de repetir o quão importante em nossas vidas foi o Rio Jaguari na nossa Cidade Natal. No verão, nas horas de folga eu estava lá, nadando, mergulhando e quando o rio estava mais cheio, trepando em árvores para saltar. Trepando no bom sentido, do “verbo subir”, sem nenhuma conotação libidinosa!

De tantas coisas que se fazia, Kolvinko e eu treinávamos insistentemente o salvamento de afogados. O rio era relativamente calmo, mas reservava algumas surpresinhas que tristemente levou algumas vidas, inclusive de amigos nossos!

Kolvinko e eu tínhamos algumas técnicas eficientes – criadas exclusivamente por nós dois -  que nos permitiam sair de algumas armadilhas que a vítima impõe, quando em salvamento/pânico, como as de se agarrar desesperadamente e levar seu salva-vidas junto ao afogamento. Uma das técnicas “cientificamente desenvolvidas” pela dupla, é a de tontear a vítima com uma pancada suave na cabeça! As vezes nem tão suave. Dessa forma com o corpo relaxado, a vítima torna menos difícil de nadar com um único braço, pois com o outro, segura-se o corpo por trás, por debaixo de seus braços. Não é nada fácil, mas com bom treinamento se consegue e dá ao “salva-vidas” uma adrenalina fulgurante, salvar alguém gera uma indescritível alegria!  

Numa tarde de domingo estávamos na ilha e vimos dois “estrangeiros” de Santiago que ao descer a cachoeira se depararam com o “poço”, já conhecido pelas frequentes surpresas aos incautos e começaram a se debater com um deles pedindo socorro. Em disparadas lá fomos nós ao salvamento. Próximo dos dois o Cauby, ou melhor, o Kolvinko pegou por trás o que estava pior e eu peguei o outro, que para me dificultar, estava de frente para mim e gritava desesperado palavras incompreensíveis e tentando me agarrar. Não tive a menor dúvida: Assentei-lhe um murro na testa que ele ficou estrábico. Voltei na tentativa de resgatá-lo, novamente tentou me pegar, pois não estava suficientemente tonto. Pensei, "será que vou ter que buscar uma caipirinha para esse desgraçado tontear?" 

Novamente, prendi-lhe outro soco na testa com mais força, mas o rapaz, era forte e não deu sinal de tontura, até ficou com cara de brabo, sem vacilar, retomei o fôlego, renovei com mais força e meti-lhe com toda, mais uns dois ou três socos. Eu cansado já não acertava mais a testa, era pelo meio da cara mesmo! Então ele meio nocauteado se entregou e eu tomei-o por trás e heroicamente o reboquei até a ilha para os cuidados finais, agradecimentos, aplausos, ovação do o público que assistia com um sonoro,  viva o Kolvinko e viva ao Fausto, etc. Afinal era disso que vivíamos aqueles raros dias! 

Óbvio que nada disso ocorria. O máximo que ouvíamos de alguns que assistiam era:

- Deviam ter deixado morrer, para apreender a respeitar o rio!

Quando a “minha vítima” se recobrou, olhou para mim com a cara inchada e olhar de cachorro que tinha apanhado e sinais claros de ódio, sentenciou:

- Pô, eu sei nadar cara! Eu tava salvando meu amigo e gritei que não precisava de ajuda! Olha o que tu fez comigo cara, qualé? Tu tá lôco tchê?! Te deixei me socorrer prá tu parar com aquilo!

Bom. Entendi e não reclamo a falta de agradecimento do rapaz. Ele tinha lá algumas razões para não ter simpatizado muito comigo, fui apenas mais um salva-vidas mal compreendido!


14 comentários:

  1. Boa história, por isso um cego nunca pode parar perto de um faixa de segurança!

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  2. Hahahahaha,esse salva-vidas sempre foi faixa preta,pobre vítima.

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  3. Lembro bem dos estrangeiros de Santiago q não eram benvindos ali... Mas vcs foram muito valentões. Grande Rio Jaguari! 😍

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  4. Kkkkkkkk essa foi boa!!! Lembro muito dos meus primos „heróis“ ah e claro dos estrangeiros de Santiago! Bons tempos!!

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  5. Kkķkkk imagino o desespero do cara sendo espancado sem saber o motivo. Foi um ato corajoso de vcs dois.

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  6. Lembro muito bem dessa época!! Vcs eram os salvas vidas da nossa praia! Saiam como Heróis!

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    1. Obrigado pela "solidariedade", pena que não assinaste o comentário para eu saber quem és...

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  7. Nas minhas tentativas de enaltecer as lembranças de passagens vividas pelo interior do RGS. Disse ser lembranças marcantes como as relatado pelo Fausto

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  8. Bons tempos Fausto, o mais importante é que cumpriste a missão salvando mais uma vida mesmo nestas circunstâncias.abs

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  9. Fausto, tem que aprender a entender a linguagem dos amigos dos afogados. kkkkkk

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  10. Seria uma mistura de gratidão com raiva este salvamento kkk Mas rendeu uma boa história!

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  11. Portanto, nem tudo o que parece,é. Outra conseqüência: quando a gente for nadar em terras alheias podem não nos entender e...pau!

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