59) Serviço Militar no 4º RC em
Santiago.
Em 1966 às
vésperas de concluir meu ensino médio, vendo matérias sobre a AMAN – Academia Militar
das Agulhas Negras, me entusiasmei com a Escola e a perspectiva de fazer
Carreira Militar como Oficial do Exército. O entusiasmo foi tamanho, que um dia
fui a Santiago para falar com um amigo que tinha estado um ano por lá e desistiu.
Foi bom, me fez refletir, em especial ao meu baixo preparo e pouca base nas
matérias exigidas naquele severo vestibular e desisti. Veio-me então a ideia do
CPOR, também abortada por influência da argumentação do Danilo e Percy, meus dois
irmãos mais velhos, já estabelecidos em Porto Alegre, trabalhando no Banrisul. Então
fui orientado pelo Percy:
- Cumpre logo o Serviço Militar e venha
para cá trabalhar em algum banco e fazer uma Faculdade!
Danilo teve uma ideia ainda melhor;
- Vou falar com o Médico que trata tua rinite, ele é Capitão do Exercito, vou pedir um "atestado" para te dispensarem!
Com atestado em mãos fui ao Exército pedir dispensa. Um Sargento me atendeu "cordialmente":
- Por que não falou que era alérgico no dia da Inspeção de Saúde?
- Nem lembrei, pois estava sob efeito do Rinisone, um remédio que...
- Então o paisano, vais servir sob efeito de Rinisone...
"Acatei a ideia": Em 15 de
janeiro de 1967, num quente domingo de Verão, tomei o ônibus da Planalto no
meio da tarde e viajei para Santiago para Incorporar ao Exército. Creiam-me,
era um sonho oculto de colocar a Farda Verde Oliva!
Lá estava eu,
com uma sacola na mão com algumas roupas indispensáveis, chinelo, material de higiene
pessoal e uma toalha. O Quartel, na saída da cidade à direita, em direção a São
Borja, tinha um pórtico de pedra e uma guarita, com um Soldado de guarda armado
com seu Mosquetão Mouser e baioneta calada em posição “descansar”!
Pedi licença
e adentrei rumo à minha maior e mais radical mudança de vida! Essa mudança instantânea
me provocou forte emoção e sensação de mergulho num mundo totalmente
desconhecido, provocador, desafiador, porém para mim, muito atraente! Parecia que estava
começando um Filme de Guerra e eu estava sendo o Protagonista Principal! A avenida da entrada tinha uns 300 metros em descida, com calçamento irregular, canteiro ao centro e ornada de eucaliptos enormes, seculares em seus dois lados. Uma alameda com um aroma de sua
farta folhagem agitada pelo vento quente da época, exalava seu perfume inconfundível
como inesquecível. Provoca saudades até hoje!
Foram pouco
mais de onze meses de Caserna que me deram uma Experiência de Vida, valendo mais de dez anos de vida do até então. Há rotina é claro, como tudo e acontecem
“picos & vales”. Comida muito ruim, trabalho em excesso – quase tortura –
em pedreiras e lavouras com capina ao sol escaldante, xingamento, mais conhecido
como “mijada”, de superiores hierárquicos. Esses, via de regra com grave limitação
intelectual até para ser meu engraxate. Serviço de Guarda na madrugada abaixo de chuva
e frio, mais uma mijada, montar e limpar cavalos e remover montanhas de seus estercos, levantar de madrugada,
outra mijada e dormir quase morto de cansaço!
Que desgraça!
Nada disso! Acreditem, em onze meses, dei mais rizada, gargalhada do que no resto da minha vida! Se voltasse no tempo, faria exatamente o que fiz e permaneceria
agradecido como estou até hoje, por todo aquele exaustivo mas muito enriquecedor período. Tive o
privilégio de ter no mesmo Esquadrão de Comando & Serviço, o Soldado Aymoré dos Santos Peixoto, que tornava enraçado até dor de dente! Impressionante a capacidade que aquele meu conterrâneo tinha de tornar absolutamente tudo, muito divertido!
Sempre que
possível, nos finais de semana, eu voltava para casa em especial quando pintava
uma carona ou tivesse dinheiro para o ônibus. Minha vida social ocorria somente
em Jaguari, pois por lá, em Santiago as amizades e relacionamentos ficavam
restritos à Caserna!
No Serviço
Militar, já nos primeiros meses logrei êxito no Curso de Cabo, evitando ficar
no último nível da hierarquia e com um “soldo” melhorado! Foi a melhor sacada,
pois logo consegui serviço burocrático como Auxiliar do Sargenteante e o
trabalho árduo ficou no passado. Não é a “lorota da datilografia”, mas minha muito boa habilidade com a máquina de escrever, me ajudou muito! A sala em que eu
trabalhava com o Sargento Gibelino, era separada da sala do Comandante do
Esquadrão, Capitão Edson por uma mureta de um metro de altura. Ali, então trabalhava
o burocrata, agora Cabo, o quase comediante Aymoré. A separação era mínima, muito íntima e perigosamente exposta
aos olhos dos superiores.
Nessa época,
meu pai representava a Cia de Fumos Santa Cruz para as duas cidades, então de
três em três semanas, meu mano mais velho, o Sérgio acompanhado geralmente pelo
Xico Preto, “subia” para Santiago com sua caminhonete Ford F1 – apelidada de
Tufuma - com carroceria baú a
distribuir cigarros nos bares, restaurantes etc. Isso incluía a cantina dos
Sargentos e Subtenentes do 4ºRC, quando isso ocorria era a carona perfeita,
pois meu mano adequava o retorno para a sexta-feira, a me beneficiar...
Num determinado
final de semana, havia o Baile Anual de Debutantes do Clube União de Jaguari. Efeméride aguardada por todo
ano a celebrar num sábado. Meus amigos - The Crasies - já com mesa e uma garrafa de uísque compradas e uma expectativa monstruosa! Era em bailes que ocorria a paquera e aproximação às meninas... Pois justo nesse final de semana, propositadamente meu mano
passava por Santiago com a intenção de me trazer “para casa”! Acontece que
trabalhou rápido demais, e esteve pronto para voltar já na quinta-feira, então sugeriu
que eu “pedisse uma dispensa” da sexta-feira!
Eu já sabia que dispensa sempre era negada. Então fui esperto.
Conhecendo o Regulamento, na manhã dessa quinta-feira quando foi anunciada a
necessidade de doador de sangue, me voluntariei, pois isso daria o Direito a dois
dias de “repouso”, isto é, a dispensa que eu tanto queria!
Ambulância veio me
buscar a conduzir ao Hospital para eu praticar essa linda, maravilhosa ação de
doação e amor ao próximo! Lá fiquei por umas quatro horas aguardando e o
paciente se recuperou e fui dispensado do tão altruísta ato de solidariedade! Fiquei puto
da cara! Lá se foi minha carona para o Baile das Debutantes... (Principal objetivo dessa tão generosa ação!!! Quem um dia não
foi cretino, que me atire a primeira cerveja!!!)
Não suportei
ficar passivo, sabendo que no final da tarde Sérgio viria me buscar para um
longo e gostoso (*) final de semana em casa, com direito aquele aguardado
Baile!
(*) Gostoso
sim, pois em casa eu enterrava a cabeça nas delícias da cozinha, preparadas
pela minha mãe e a Eni, sua “secretária” para eventos culinários de todos os
dias.
Muito ansioso,
frustrado com a doação de sangue, me enchi de coragem e fui pedir a tal dispensa
ao Comandante, era meu último recurso. Não me preparei, não planejei abordagem. Simplesmente enchi o pulmão e fui na "cara e coragem":
- Dá licença Capitão!
- Fala Cabo.
- Fui ao hospital agora pela manhã para
doar sangue, mas fui dispensado!
- Tá. E daí?
- Eu queria ter a dispensa de dois dia. Quero aproveitar a carona com meu mano agora no final do expediente, pois sábado
tem Baile das Debutantes em Jaguari e depois...
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The Crasies 1967 Da esquerda para a direita: Cauby, Zanini, Fausto e Décio. |
- O que? Baile em Jaguari! Ia doar
sangue para ir a um baile???
- Sim senhor!
Capitão me
olhou com cara de ódio e vociferou no seu mais forte sotaque carioca:
- Mas você é um tremendo cara-de-pau
hein! Não tem vergonha nessa sua cara?
Meu Deus, que ingenuidade paralela a estupidez, onde fui me meter! Senti um calorão imenso no rosto, a pele queimava! Senti meu batimento cardíaco nas orelhas! Quase sem ar para responder, fui adiante:
- Tenho um pouco de vergonha, sim senhor!
Capitão se levantou, me olhou do boné aos coturnos, com cara de nojo, se manteve me
fitando por longos segundos, que me pareceram horas, relaxou levemente a expressão rígida do seu rosto severo
e mandou ver:
- A sua honestidade é brutal. Chega a
ser burra. Não tem malandragem nenhuma nesse corpo? Mas até dá inveja! Devia te meter uma cadeia
por dez dias, sabia? Tá Cabo, te arranca. Vai agora e não me enche mais o saco!
Confuso com o
“elogio honestidade”, que só fui entender como ingenuidade dias depois. Fiz a
continência formal e fui correndo preparar minha sacola para viajar algumas
horas depois, radiante, eufórico, feliz como um menino de dezoito anos que
atingiu plenamente seu objetivo!
E Viva ao
Baile de Debutantes do Clube União!