quarta-feira, 30 de junho de 2021

60) Um Susto em Washington!

 

60) Um Susto em Washington!

Sei que o título torna previsível o desfecho da crônica de hoje, verdadeira e vivida por mim.

 No ano de 2001 estive associado ao meu amigo Rugg, representando comercialmente uma Organização Americana que produzia produtos, instrumentos para Angioplastia como stents, balões, cateteres, enfim. Dado a aproximação profissional com Médicos Hemodinamicistas viajamos a Washington no início de setembro de 2001 para acompanhamento de alguns deles no TCT, que ocorre uma vez ao ano. Já estive nos EUA por quase vinte vezes e “seria” a primeira envolvendo trabalho. É, sou folgado mesmo, gosto de passear, uma barbaridade... Como o Congresso duraria quatro dias, programamos esticar por mais cinco, à título de passeio! No final das contas, o período inteiro virou passeio...

 Lá, já hospedados desde  dia anterior e algumas horas antes dos compromissos oficiais de abertura  numa bela manhã de outono, céu azul, temperatura agradável, Rugg – que dividia apartamento comigo -  levantou disposto a uma caminhada a aproveitar as últimas horas de folga. Ao redor muito arborizado do nosso hotel, era cenário perfeito! Renunciei. Faria mais tarde, mais curto! Ainda me recuperava do acidente no paraquedismo. 

Ao dar meu passeio, um susto, um estouro monumental! Daqueles que vibram até o estômago. Curiosamente me lembrei  na hora, que uma semana antes, com a intenção de compensar minha esposa dos nove dias da minha folga, passamos um final de semana em Canela e ao sair daquela Cidade Serrana, também ouvimos uma forte explosão. Era de um transformador, há uns cem metros de onde tínhamos passado,  que explodiu, paralisando toda movimentação na rua.

Em Washington um imediato pensamento: “Até para explodir um transformador, os americanos fazem mais barulho”! Meia hora mais tarde, voltando ao hotel encontrei no corredor com Dr. Eddie, que pálido, me perguntou se sabia o que tinha acontecido há menos de dois quilômetros do nosso hotel!

 O “Tenebroso 11 de setembro de 2001” tinha acontecido, e eu estava lá! O “Estouro Monumental” era do Pentágono e o resto da história todo o mundo conhece!

 Subitamente o Mundo mudou! Ainda consegui telefonar para Elaine e dizer que estava bem e que era para ligar a TV, para entender um pouco do que estava acontecendo e os desdobramentos futuros. Minutos depois o Governo Americano desligou totalmente qualquer rede de comunicação. Ligação telefônica bloqueada para o resto do PLANETA.

 No meio da tarde, Congresso cancelado, nada mais tínhamos a fazer, foi então que Rugg se deu conta de que teríamos que providenciar em comer alguma coisa, pois a tendência era de fechar tudo e tudo foi fechado.  O alarme de não termos onde almoçar, foi tardio. A cidade ficou subitamente deserta, tudo fechado. Em cada esquina, um pesado veículo militar com seus soldados com a caras pintadas. Era um clima de guerra verdadeiro acontecendo na nossa cara, justo no País defensivamente mais bem armado do Mundo que fora atingido de forma moralmente fulminante!

Caminhávamos, nós três, como se estivéssemos transitando no solo da lua. Subitamente vimos à distância uma carrocinha de cachorro quente! Nosso almoço está salvo. Nunca mais comi um hot-dog tão bom! Não tenho certeza se cheguei a mastigar! Pedi o segundo. Negado, a carrocinha encerrou atividades e se mandou... 

 Mais tarde nos reunimos novamente num único quarto para decidir “os destinos de nossas vidas” tão ameaçados! A primeira constatação foi a de que já era tarde e a fome voltou. Não tínhamos jantar disponível. Tentaremos alguma pizzaria ou similar lá fora, porque a fome de quem comeu um único cachorro quente há pelo menos umas cinco horas, voltara inapelavelmente!

Caminhando, felizmente achamos um boteco que atendia para comer fora dali. O cheiro maravilhoso denunciou: Vamos comer bem! Tinha pizzas em fatias e frango frito. O parceiro paulista - Rugg – pediu pizza, é claro! Eu pedi um prato, “wings” de doze peças e levamos para o hotel. Chegamos no quarto para o jantar, abri minha embalagem com uma dúzia de “meio de asa” à milanesa cujo cheiro despertou curiosidade “nos outros” e cada um deles experimentou com uma singela pecinha e nada mais. Comi as dez com recorrente arrependimento pela quantidade muito inferior ao apetite! Fui obrigado a dormir num misto de fome com vontade de comer!

Os dias corriam e as companhias aéreas impedidas de decolar. O Mundo assistia multidões amontoadas nos aeroportos a dormir sobre suas bagagens, sem perspectivas de voltar para casa. Na TV só se assistia choradeiras de gente querendo voltar para casa! Nos mantivemos hospedados na Capital Americana por mais alguns dias, como viajávamos pela American Aerolines e essa, garantiu que em breve viajaria, graças a preferência às "empresas nacionais", é claro... Quem viajava de Varig etc., condenado a longa e inapelável espera.

Veio a primeira oportunidade: Voo até Miami! Topamos, pois na Flórida nos sentiríamos mais perto de casa, e fomos! Primeira noite em Miami, agora somente eu e Rugg, não nos sentimos confortável em sair do hotel, já que chegamos tarde da noite. Apenas para variar: Eu com fome! Rugg sugere:

 - Alemão, pega aquele cardápio e vamos ver o que tem para entrega no apartamento!

 Eis que para nossa felicidade, tinha a tal de “wings”! Serão saciados todos desejos acumulados pelo jantar em Washington! Que felicidade!

 - Vou MATAR o meu desejo. Naquele outro dia, as dez que comi não me satisfizeram nem um pouco! Fiquei com desejo de grávida para comer doze, ou mais...

 - E eu, comi uma miserável asinha que vc me deu...

Tinha ficado um dolorido ressentimento entre nós. Por ele, que eu fui “mão de vaca” e de minha parte de que “aqueles dois” mesmo com suas pizzas, tinham reduzido cruelmente em 20% do meu sagrado jantar! O desentendimento daquele momento ficou nisso. Não houve ofensa verbal e tampouco agressão física, ou “vias de fato” como dizem nas delegacias de polícia, nem troca de tiros, pois saciaríamos em algum tempo, o desejo contido de comer asas de galinha  frita, à milanesa!

É óbvio que ficamos nessas amenidades, porque o cardápio em nossas mãos proporcionou isso:

 - Vamos pedir QUATRO dúzias para comermos à vontade!

 Para mim foram as melhores palavras que ouvi do Rugg em todos aqueles dias de viagem!

 - Concordo em gênero, número e grau: Quatro dúzias!

Rimos felizes, saquei o telefone e mandei ver! Foram longos minutos de espera. Pareciam horas, agora aguardadas por duas grávidas com desejo enlouquecido pela perspectiva de devorar aquele saboroso quitute!

 Finalmente tocou a campainha. Atendi. Um jovem alto grande, parecia um halterofilista pela cara que fazia ao esforço de transportar em cada uma das mãos, uma enorme bandeja de seus 80x30cm transbordando de tanta asa de galinha. Na verdade, supus que nem eram asas de galinha, asas de peru pelo tamanho e para aumentar ainda mais o volume, não se tratavam de “meio da asa” como em Washington. Asa completa, cuja parte chamada de coxinha da asa, trazia junto um pedaço do peito da ave. Cada coxinha deveria ter próximo de 350 gramas! E. Três daria um quilo!

Bem fritas, quase secas e o odor de fritura extremamente pesado! Temperadas com alho, condimento que eu detesto! Mesmo faminto, olhar aquela montanha enorme de fritura, já me deu saciedade parcial. Não consegui comer além da metade da segunda asinha, na verdade AZÃO! O companheiro comeu toda a segunda coxinha! E parou.

O que fazer agora com  quarenta e quatro  asas que sobraram? Telefonar e devolver para encaminhar a alguma Entidade Assistencial? Não. Antes, eu não tinha contado, o atendente me advertiu que para duas pessoas seria exagerado para um jantar! Então sossega e não fala mais nada...

Aborrecido, triste, mais tarde saímos silenciosamente do apartamento, caminhando pelo corredor, abandonamos as bandejas cheias defronte a porta de outros apartamentos. Ficar com aquela fritura, que tinham impregnado seu cheiro forte nas cortinas, não daria para dormir! Daqui mais uns vinte anos, volto a comer “wings”!

O impacto – para essa crônica – decorrente ao ataque terrorista descritos no início, se tornaram menos relevantes!!!

quarta-feira, 23 de junho de 2021

59) Serviço Militar no 4º RC em Santiago.

 59) Serviço Militar no 4º RC em Santiago.

  

Em 1966 às vésperas de concluir meu ensino médio, vendo matérias sobre a AMAN – Academia Militar das Agulhas Negras, me entusiasmei com a Escola e a perspectiva de fazer Carreira Militar como Oficial do Exército. O entusiasmo foi tamanho, que um dia fui a Santiago para falar com um amigo que tinha estado um ano por lá e desistiu. Foi bom, me fez refletir, em especial ao meu baixo preparo e pouca base nas matérias exigidas naquele severo vestibular e desisti. Veio-me então a ideia do CPOR, também abortada por influência da argumentação do Danilo e Percy, meus dois irmãos mais velhos, já estabelecidos em Porto Alegre, trabalhando no Banrisul. Então fui  orientado pelo Percy:

- Cumpre logo o Serviço Militar e venha para cá trabalhar em algum banco e fazer uma Faculdade! 

Danilo teve uma ideia ainda melhor;

- Vou falar com o Médico que trata tua rinite, ele é Capitão do Exercito, vou pedir um "atestado" para te dispensarem!

Com atestado em mãos fui ao Exército pedir dispensa. Um Sargento me atendeu "cordialmente":

-  Por que não falou que era alérgico no dia da Inspeção de Saúde?

- Nem lembrei, pois estava sob efeito do Rinisone, um remédio que... 

- Então o paisano, vais servir sob efeito de Rinisone...

"Acatei a ideia": Em 15 de janeiro de 1967, num quente domingo de Verão, tomei o ônibus da Planalto no meio da tarde e viajei para Santiago para Incorporar ao Exército. Creiam-me, era um sonho oculto de colocar a Farda Verde Oliva!

Lá estava eu, com uma sacola na mão com algumas roupas indispensáveis, chinelo, material de higiene pessoal e uma toalha. O Quartel, na saída da cidade à direita, em direção a São Borja, tinha um pórtico de pedra e uma guarita, com um Soldado de guarda armado com seu Mosquetão Mouser e baioneta calada em posição “descansar”!

Pedi licença e adentrei rumo à minha maior e mais radical mudança de vida! Essa mudança instantânea me provocou forte emoção e sensação de mergulho num mundo totalmente desconhecido, provocador, desafiador, porém  para mim, muito atraente! Parecia que estava começando um Filme de Guerra e eu estava sendo o Protagonista Principal! A avenida da entrada tinha uns 300 metros em descida, com calçamento irregular, canteiro ao centro e ornada de eucaliptos enormes, seculares em seus dois lados. Uma alameda com um aroma de sua farta folhagem agitada pelo vento quente da época, exalava seu perfume inconfundível como inesquecível. Provoca saudades até hoje!

Foram pouco mais de onze meses de Caserna que me deram uma Experiência de Vida, valendo mais de dez anos de vida do até então. Há rotina é claro, como tudo e acontecem “picos & vales”. Comida muito ruim, trabalho em excesso – quase tortura – em pedreiras e lavouras com capina ao sol escaldante, xingamento, mais conhecido como “mijada”, de superiores hierárquicos. Esses, via de regra com grave limitação intelectual até para ser meu engraxate. Serviço de Guarda na madrugada abaixo de chuva e frio, mais uma mijada, montar e limpar cavalos e remover montanhas de seus estercos, levantar  de madrugada, outra mijada e dormir quase morto de cansaço!

Que desgraça! Nada disso! Acreditem, em onze meses, dei mais rizada, gargalhada do que no resto da minha vida! Se voltasse no tempo, faria exatamente o que fiz e permaneceria agradecido como estou até hoje, por todo aquele exaustivo mas muito enriquecedor período. Tive o privilégio de ter no mesmo Esquadrão de Comando & Serviço, o Soldado Aymoré dos Santos Peixoto, que tornava enraçado até dor de dente! Impressionante a capacidade que aquele meu conterrâneo tinha de tornar absolutamente tudo, muito divertido!

Sempre que possível, nos finais de semana, eu voltava para casa em especial quando pintava uma carona ou tivesse dinheiro para o ônibus. Minha vida social ocorria somente em Jaguari, pois por lá, em Santiago as amizades e relacionamentos ficavam restritos à Caserna!

No Serviço Militar, já nos primeiros meses logrei êxito no Curso de Cabo, evitando ficar no último nível da hierarquia e com um “soldo” melhorado! Foi a melhor sacada, pois logo consegui serviço burocrático como Auxiliar do Sargenteante e o trabalho árduo ficou no passado. Não é a “lorota da datilografia”, mas minha  muito boa habilidade com a máquina de escrever, me ajudou muito! A sala em que eu trabalhava com o Sargento Gibelino, era separada da sala do Comandante do Esquadrão, Capitão Edson por uma mureta de um metro de altura. Ali, então trabalhava o burocrata, agora Cabo, o quase comediante Aymoré. A separação era mínima, muito íntima e perigosamente exposta aos olhos dos superiores.

Nessa época, meu pai representava a Cia de Fumos Santa Cruz para as duas cidades, então de três em três semanas, meu mano mais velho, o Sérgio acompanhado geralmente pelo Xico Preto, “subia” para Santiago com sua caminhonete Ford F1 – apelidada de Tufuma -  com carroceria baú a distribuir cigarros nos bares, restaurantes etc. Isso incluía a cantina dos Sargentos e Subtenentes do 4ºRC, quando isso ocorria era a carona perfeita, pois meu mano adequava o retorno para a sexta-feira, a me beneficiar...

Num determinado final de semana, havia o Baile Anual de Debutantes do Clube União de Jaguari. Efeméride aguardada por todo ano a celebrar num sábado. Meus amigos - The Crasies - já com mesa e uma garrafa de uísque  compradas e uma expectativa monstruosa! Era em bailes que ocorria a paquera e aproximação às meninas... Pois justo nesse final de semana, propositadamente meu mano passava por Santiago com a intenção de me trazer “para casa”! Acontece que trabalhou rápido demais, e esteve pronto para voltar já na quinta-feira, então sugeriu que eu “pedisse uma dispensa” da sexta-feira!

Eu já sabia que dispensa sempre era negada. Então fui esperto. Conhecendo o Regulamento, na manhã dessa quinta-feira quando foi anunciada a necessidade de doador de sangue, me voluntariei, pois isso daria o Direito a dois dias de “repouso”, isto é, a dispensa que eu tanto queria! 

Ambulância veio me buscar a conduzir ao Hospital para eu praticar essa linda, maravilhosa ação de doação e amor ao próximo! Lá fiquei por umas quatro horas aguardando e o paciente se recuperou e fui dispensado do tão altruísta ato de solidariedade! Fiquei puto da cara! Lá se foi minha carona para o Baile das Debutantes... (Principal objetivo dessa tão generosa ação!!! Quem um dia não foi cretino, que me atire a primeira cerveja!!!)

Não suportei ficar passivo, sabendo que no final da tarde Sérgio viria me buscar para um longo e gostoso (*) final de semana em casa, com direito aquele aguardado Baile!

(*) Gostoso sim, pois em casa eu enterrava a cabeça nas delícias da cozinha, preparadas pela minha mãe e a Eni, sua “secretária” para eventos culinários de todos os dias.

Muito ansioso, frustrado com a doação de sangue, me enchi de coragem e fui pedir a tal dispensa ao Comandante, era meu último recurso. Não me preparei, não planejei abordagem. Simplesmente enchi o pulmão e fui na "cara e coragem":


- Dá licença Capitão!

- Fala Cabo.

- Fui ao hospital agora pela manhã para doar sangue, mas fui dispensado!

- Tá. E daí?

- Eu queria ter a dispensa de dois dia. Quero aproveitar a carona com meu mano agora no final do expediente, pois sábado tem Baile das Debutantes em Jaguari e depois...

The Crasies 1967
Da esquerda para a direita: Cauby, Zanini,
Fausto e Décio.

- O que? Baile em Jaguari! Ia doar sangue para ir a um baile???

- Sim senhor!

Capitão me olhou com cara de ódio e vociferou no seu mais forte sotaque carioca:

- Mas você é um tremendo cara-de-pau hein! Não tem vergonha nessa sua cara?

Meu Deus, que ingenuidade paralela a estupidez, onde fui me meter! Senti um calorão imenso no rosto, a pele  queimava! Senti meu batimento cardíaco nas orelhas!  Quase sem ar para responder, fui adiante:

- Tenho um pouco de vergonha, sim senhor!

Capitão se levantou, me olhou do boné aos coturnos, com cara de nojo, se manteve me fitando por longos segundos, que me pareceram horas, relaxou levemente a expressão rígida do seu rosto severo e mandou ver:

- A sua honestidade é brutal. Chega a ser burra. Não tem malandragem nenhuma nesse corpo? Mas até  dá inveja! Devia te meter uma cadeia por dez dias, sabia?  Tá Cabo, te arranca. Vai agora e não me enche mais o saco!

Confuso com o “elogio honestidade”, que só fui entender como ingenuidade dias depois. Fiz a continência formal e fui correndo preparar minha sacola para viajar algumas horas depois, radiante, eufórico, feliz como um menino de dezoito anos que atingiu plenamente seu objetivo!

E Viva ao Baile de Debutantes do Clube União!

quarta-feira, 16 de junho de 2021

58) Galinhada ou Arroz com Galinha?

 58) Galinhada ou Arroz com Galinha?



Primeira coisa que escrevo hoje é o dissipar dessa dúvida, "galinhada ou arroz com galinha", que quando eu era guri ainda existia, hoje sei que é absolutamente mesma coisa! Pois bem, nessa época - década de sessenta - era muito frequente em Jaguari, os rapazes da sociedade em pequenos grupos, sempre com um músico a compor a trupe, escolhiam uma casa para uma lúdica serenata em meio à madrugada!

Antes, esclareço a composição comercial de proteínas na cidade na década de sessenta: - Não havia supermercado, armazém, bolicho, boteco ou  qualquer açougue aberto aos domingos. Eram religiosamente fechados. Foquemos o açougue: - Tínhamos carne no cardápio caseiro para toda semana e no domingo galinha e essa, não era vendida em açougue. Por essa razão, todo Lar tinha que cultivar seu próprio galinheiro para essa “emergência semanal”. Confesso que imaginava ser a galinha algo muito especial, talvez muito caro! Nos galinheiros mais sofisticados, como da minha casa, havia galinha poedeira e a de corte, isso significa que ovos também eram de cultivo doméstico, raramente se encontrava no mercado.

Pois aquela “trupe seresteira” , frequentemente organizava suas serenatas, onde o músico e mais uns três etilicamente bem motivados faziam o show musical! Cantavam, gritavam até bem afinados, se é que se pode ter gritaria afinada! Enquanto isso, outros dois ou três invadiam a casa pelos fundos ao afortunado galinheiro e dali surrupiavam duas, três penosas, dependendo se seu porte, seu peso. Um dos larápios tinha que ser obrigatoriamente um bom cozinheiro, que com sua habilidade culinária selecionava as peças a serem escolhidas para a galinhada do dia seguinte ao meio dia, que sempre era um domingo.

O melhor de tudo, é que o dono das galinhas furtadas era sempre o "Convidado de Honra" a tal galinhada. Lá então lhe era revelado seu involuntário patrocínio e o almoço se convertia numa grande e alegre festa familiar!

Confesso que ao entrar na minha puberdade, tinha meu grupo especial de amigos, auto denominado “The Crasies Club”, (Décio, Cauby, Eu, Dirceo, Fernando e L. Emílio) que passados quase sessenta anos, os remanescentes ainda se encontram para reviver a fraternidade e alegria de então. Minha confissão agora, é da inveja daqueles conterrâneos mais maduros e suas serenatas. Tristemente, nesses meus contemporâneos não existia um sequer com habilidade musical! Mas a vontade de fazer galinhada em locais rústicos, era independente e muito forte.

Colocado em Assembleia, decidimos que uma galinhada tinha que acontecer, merecíamos

independentemente de não contarmos com nenhum seresteiro! Pior, não tínhamos sequer um “Cozinheiro Master!" Foi então que o desafio caiu no meu colo para me desenvolver como tal. Fui consultar dona Olga, minha mãe: - Com absurda riqueza de detalhes fui anotando passo a passo da preciosa receita! O mais importante detalhe foi o ponto da fritura de cada peça. Orientou-me:

- Frite, cuidando a coloração de cada peça e quando puder cravar um garfo com facilidade na perna da galinha, a fase da fritura estará pronta! E...

Assim, chegou o dia em que me considerei formado. Tinha que cumprir a faze prática. Problema: Furtar o componente principal, a galinha. Prontamente Camotin, sempre o mais corajoso do The Crasies Club, se prontificou a usurpar de sua vizinha, dona Adelina, que tinha um galinheiro de fácil acesso.

No nosso caso a ritualística do roubo, não contemplaria a etapa lúdica de convidar a vítima do furto ao almoço, mas esse, era nosso único meio. Nenhum de nossos pais aceitaria – dedução coletiva - ceder tão precioso elemento de seu galinheiro, para um grupo de moleques, por óbvio!

Chegou o dia! Seria num sábado de Verão e combinamos fazer a farra no meio da ilha do rio Jaguari. O rio, que empresta o nome à cidade, (já o descrevi em outra crônica). O rio faz uma curva de 90 graus dentro do perímetro urbano, onde se formou uma ilha de aproximadamente dois hectares, há décadas. Arborizada com Salsos Chorão e Taquaras.  Assim se formou um bucólico banco de areias brancas com refrescante e farta sombra natural!

Como eu trabalhava até às 12:00hs na loja de cigarros e calçados da Família, os Crasies mais o Jacaré, convidado por ser irmão gêmeo o Camotin, (curioso caso que só acontece na Minha Terra: Ser gêmeo com exatos doze meses de diferença na idade!) pois essa gurizada passou mais cedo na minha casa e recolheu os instrumentos necessários como a panela de ferro, chaleira de ferro, colher de pau, pratos de lata, talheres e a trempe,  levando tudo para a ilha, onde me aguardaram se banhando e nadando na maravilha que é aquela praia de água doce muito limpa..

Ao encerrar meu expediente desci em direção à praia "voando", já com fome e muito ansioso. O combinado é que eu encontraria lá a galinha executada, depenada, carneada e limpa. Em lá chegando, Jacaré corre para me contar que Camotin tinha precipitadamente queimado a  "penosa". Tive um “piti”! Fiquei furioso. Eu tinha razão pois o combinado é que eu faria a galinhada sem intervenção de terceiros!

- Quero ver a galinha queimada que esse filho-da-puta estragou!

- Jogamos no rio, mas já compramos um quilo de carne sem osso. Faz um arroz com carne!

Estava na cara que Camotin tinha “amarelado”! Não executou o furto de sua  responsabilidade. Não teve a coragem  anunciada de se adentrar no galinheiro da vizinha, por dó ou por medo mesmo!  Não houve furto!

- Não Jacaré, de jeito nenhum. Me nego. Como vou espetar o garfo na perna da galinha, se não tem galinha? Vai tomá no cu! Não tem mais galinhada! Acabou! Vamos roubar milho verde da lavoura dos Francos e deu!

- Calma tchê! Se não tem perna de galinha, espeta o garfo num dos pedaços da carne, deixa de ser fresco!

- Não mesmo!

Passados alguns minutos de dúvidas, indecisão, insegurança, veio a  mudança de ideia:

É. Talvez faça algum sentido. Não é a mesma coisa. Mas também - que merda - não tem mais o que fazer né?!

- É. Não. Não tem! Te vira! O fogo deixa que eu faço!

E assim foi feito. Fiz o prato com essa mudança técnica  radical. Creiam-me, foi o melhor “Arroz com Carne”, que fiz na vida! Tornou-se o "Prato Oficial" dos Crasies, para a sorte das galinhas de terreiros alheios e mais adiante dos balcões dos supermercados. Às vezes ainda faço para matar a saudade!

quarta-feira, 9 de junho de 2021

57) Ilhas Bermudas e a Febre Amarela!

 

57) Ilhas Bermudas e a Febre Amarela!

 Junho de 1981 tive o privilégio de participar do “Golden Circle” nas Ilhas Bermudas, lá no meio do Atlântico, um prêmio de destaque da IBM por superação de metas etc.... Uma das coisas que torna aquela viagem ainda mais interessante, é a exigência de um percurso que obriga uma interrupção de voo em NYC para um pernoite e seguir viagem no dia seguinte, posto que todas a companhias aéreas respeitam o tráfego aéreo no interior do temido “Triângulo das Bermudas”. Passar uma noite a mais na ida e outra na volta dessa tão encantadora Cidade que Nunca Dorme, é sempre uma enorme vantagem, em especial quando “outros” estão pagando sua conta!

A necessidade de passar em Nova Iorque é exigida, porque o vértice superior desse Triângulo, fica ao Norte e é exatamente no Arquipélago que lhe empresta o nome. O vértice oeste na cidade de Melbourne, na Flórida e ao leste em San Juan, capital de Porto Rico, a terra dos “Menudos”! Então, aeronaves sobem até NYC, evitando voo dentro do triângulo para descer até o Arquipélago, viagem de ida se completa!

Bermudas é uma Nação independente que ainda está ligada politicamente ao Reino Unido e composta de um arquipélago de 170 ilhas com pouco mais de 65.000 habitantes. Na ilha principal e maior, se situa sua Capital Hamilton, um local de rico turismo, mas bem menos visitado que a Região do Caribe, que fica bem mais ao sul e próxima do Continente americano.

O País é conhecido pelo seu curioso vestuário formal, em que aos cavalheiros lhes dá ao invés de calça normal, uma “calça curta”, que conhecemos e demos o apelido de “bermuda”, tão comumente usados em nossos dias mais quentes! De fato, chama atenção ver, por exemplo, militares em paradas oficiais trajando paletó, gravata, capacete, meias longas e aquela calça curta. O contraste sinceramente provoca risos! Interessante é que lá nem é tão quente que justifique esse hábito de ficar com as “canetas” de fora....

Para esse evento, o "Golden Circle" da multinacional americana, são eleitos os Representantes Campeões “top performance”, que ainda somava um prêmio adicional  dando o direito de se acompanhar de suas esposas, para merecidos cinco dias completos da melhor programação de festividade e cultura que se possa imaginar. De Porto Alegre, fui o único solteiro com mais quatro colegas, esses todos  casados. Detalhe: O Bicaco em Lua de Mel, um “recém-casado!”

Hospedagem no luxuoso Bermuda Princess Southampton Hotel. Um dia em que o grupo 



estava junto em atividade livre junto a piscina, com aquele gostoso cheiro de mar, ao encerrarmos aquela tarde de um Sol Glorioso, retornamos aos quartos, todos juntos. Foi quando o Bicaco convidou para um encontro em seu apartamento na sequência, a celebrar seu recente casamento, regado com um litro do Prince of Whiskies, Chivas Regal!

Não sei exatamente a razão, mas nós brasileiros fazemos a maior gritaria quando estamos fora do Brasil. É fácil identificar brasileiros ao falarmos tão alto e alegres, enquanto viajando. Acho que é a felicidade transbordando que nos dá “maior poder vocal”! Frequentemente nos dá vergonha perceber a aproximação de compatriotas, mas não aprendemos... Com um convite a dividir um “Blended Scotch Whisky Aged 12 Years”, a alegria virou euforia! Baderna mesmo!

Assim foi o grupo tomar o imenso elevador, que já vinha com três casais supostamente americanos embarcados, um deles com cigarro aceso na mão, mesmo sem fumar. Julguei-os americanos, pela cor de suas peles claras e estatura de todos acima de 1.90m. A algazarra continua até chegar ao andar da maioria que desembarca. Ficamos em silêncio, eu um colega com sua esposa e os americanos. Uma das delas muito próxima de mim, teve de seu parceiro uma advertência em tom musical:

- Honey! Don’t you stay so close! (Meu doce não fique tão próximo!)

- Why?

E o cara responde ainda cantando:

- Yellow fever!!! (Febre Amarela!)

Eu e a esposa do colega – que havia trabalhado por vinte anos, Chefe de Cabine da Varig para voos internacionais – empalidecemos. "Eles", prepotentes, acham que ninguém fala mais de uma língua. Trocamos olhares furiosos e ela fala bem baixinho:

- Não vamos deixar assim! Me ajuda!

- Claro!

Elevador para no nosso andar, descemos e eu segurei a porta com uma mão, provocando o olhar curioso com espanto de todos os gringos que permaneciam no elevador.  Ela diz em alto e bom inglês quase sem sotaque, com seus olhos azuis que soltavam faíscas de ódio:

- Don't you worry about yellow fever, sir... - "Não tema a febre amarela senhor, por sermos latinos, brasileiros! Essa febre amarela foi totalmente banida do nosso País! Preocupe-se mais com o fumo e o câncer que mata tantos americanos!"

- Certainly mam...


Soltei a porta e o elevador se fecha lentamente e eu mantendo meu olhar de nojo a eles. Aí eu me esforcei ao máximo...  Fechado, ouvimos uma sonora vaia entre eles, para nosso regozijo e sentimento de que com algumas poucas palavras derrotamos toda a exuberante soberba  americana daqueles idiotas!

Excelente forma de encerrarmos o dia cobertos de júbilo e plena felicidade nacionalista! Foi a melhor parte da viagem!

quarta-feira, 2 de junho de 2021

 56) Faltou grana para viajar? Resolvi em segundos!

 

Há poucas semanas contei na Crônica 44 a exaustiva e bela experiência de fazer uma viagem que envolveu umas 48 horas embarcados em uma aeronave.  Isso foi em 1995. Cansativa demais, mas felizmente feita junto a um grupo de amigos Tricolores indo a Tóquio assistir à decisão do Campeonato Mundial de Futebol entre Clubes de futebol. O resultado foi um desastre emocional...

Naquela Crônica relatei a paridade cambial entre nossa moeda brasileira, o Real, e o Dólar americano que estavam pela primeira vez na história contemporânea com valor de noventa e poucos centavos para cada dólar! Época que favorecia muito às viagens internacionais e nós brasileiros nunca viajamos tanto para fora do País.

Por outro lado, a viagem extremamente longa, cinco noites de hotel, movimentação em Tóquio, ingresso para o jogo etc. custou um belo valor a ser pago adiantadamente. Troquei ideia de fazer uma parceria com meu “sobrinho emprestado”, o Homero Bellini que torce pelas mesmas cores clubísticas e igual vontade de acompanhar o time. Formaríamos uma dupla adequada porque em excursões com desconhecidos, corre-se o risco de dividir quarto com alguém completamente estranho e isso não é legal. A outra opção de ter uma reserva de um único hóspede praticamente dobra o preço da parte terrestre. Inviável.

As primeiras dificuldades começaram a aparecer ao meu “companheiro de viagem”: - Havia comprado recentemente um imóvel novo. Em meio a sua carreira profissional. Minha sobrinha Sufla em fase final de sua primeira gravidez, que sempre exige um "certo aporte financeiro" significativo para tal aventura de ter filhos! Enfim, uma despesa em viagem de passeio nessa época, era considerado até uma irresponsabilidade. Desperdício, jamais um "investimento em prazer"!

Bem, minha mulher também fazia cálculos de que tipo de passeio A DOIS, isto é, com ela junto era possível com aquele dinheiro todo!

Dava para perceber claramente a pressão exercida por familiares dos dois lados, que ficariam em casa enquanto os "dois bonitinhos"  passeavam ao Oriente! 

A frase que mais se ouvia: “Experiência muito legal, rica. Mas não para esse momento!” Sempre tinha um jarro de água fria disponível para nossos entusiasmos. Aliás a resposta negativa com o carimbo de “esse momento” é o maior de todos os estraga-prazeres que conheço. E o tempo passando e seus prazos se encerrando para as reservas exigidas! 

Surge em minha mente mágica, inteligente - modéstia à parte - uma solução para tudo e para todos! Fui até o meu sobrinho e lhe transmiti a minha ideia criativa, espetacular e maravilhosa:

- Meu sobrinho, dado minha elevada estima e alta consideração, decidi te dar esse pacote de presente! Podes dizer à Sufla que ganhaste um presente do seu querido titio adotivo!

Hombel emudeceu, fitou-me sério e detidamente. Percebeu que eu escondia um “sorriso suspeito” e me fulminou:

- Pois sabe, também estive pensando, faz tempo que eu não te dou um bom presente como esse que acabaste de me dar. Vou te presentear um pacote para o Japão!

Nos abraçamos alegremente aliviados de que não teríamos que gastar um tostão (conosco), prova concreta da ausência de egoísmo, contando apenas com um presentinho dado de coração que trocávamos. Felizes, imediatamente comunicamos as nossas mulheres - zelosas financeiras - do espetacular acontecido! Elas adoraram, o primeiro comunicado, Na sequência cancelaram a manifestação de gratidão. A admiração da troca inusitada de presente foi suspensa após revelamos o sentimento de obrigação daquela curiosa forma de retribuir à altura. Nunca entendi claramente a razão de nos chamarem de cretinos...

Elas, nossas esposas  ficaram um pouco decepcionadas, mas tudo

resolvido. Viajamos felizes e contentes a  conhecer um pouco da lendária Terra do Sol Nascente, o inesquecível Japão!

Conhecer o Japão, vale a pena, ainda mais com tudo pago "por outro"!