quarta-feira, 30 de junho de 2021

60) Um Susto em Washington!

 

60) Um Susto em Washington!

Sei que o título torna previsível o desfecho da crônica de hoje, verdadeira e vivida por mim.

 No ano de 2001 estive associado ao meu amigo Rugg, representando comercialmente uma Organização Americana que produzia produtos, instrumentos para Angioplastia como stents, balões, cateteres, enfim. Dado a aproximação profissional com Médicos Hemodinamicistas viajamos a Washington no início de setembro de 2001 para acompanhamento de alguns deles no TCT, que ocorre uma vez ao ano. Já estive nos EUA por quase vinte vezes e “seria” a primeira envolvendo trabalho. É, sou folgado mesmo, gosto de passear, uma barbaridade... Como o Congresso duraria quatro dias, programamos esticar por mais cinco, à título de passeio! No final das contas, o período inteiro virou passeio...

 Lá, já hospedados desde  dia anterior e algumas horas antes dos compromissos oficiais de abertura  numa bela manhã de outono, céu azul, temperatura agradável, Rugg – que dividia apartamento comigo -  levantou disposto a uma caminhada a aproveitar as últimas horas de folga. Ao redor muito arborizado do nosso hotel, era cenário perfeito! Renunciei. Faria mais tarde, mais curto! Ainda me recuperava do acidente no paraquedismo. 

Ao dar meu passeio, um susto, um estouro monumental! Daqueles que vibram até o estômago. Curiosamente me lembrei  na hora, que uma semana antes, com a intenção de compensar minha esposa dos nove dias da minha folga, passamos um final de semana em Canela e ao sair daquela Cidade Serrana, também ouvimos uma forte explosão. Era de um transformador, há uns cem metros de onde tínhamos passado,  que explodiu, paralisando toda movimentação na rua.

Em Washington um imediato pensamento: “Até para explodir um transformador, os americanos fazem mais barulho”! Meia hora mais tarde, voltando ao hotel encontrei no corredor com Dr. Eddie, que pálido, me perguntou se sabia o que tinha acontecido há menos de dois quilômetros do nosso hotel!

 O “Tenebroso 11 de setembro de 2001” tinha acontecido, e eu estava lá! O “Estouro Monumental” era do Pentágono e o resto da história todo o mundo conhece!

 Subitamente o Mundo mudou! Ainda consegui telefonar para Elaine e dizer que estava bem e que era para ligar a TV, para entender um pouco do que estava acontecendo e os desdobramentos futuros. Minutos depois o Governo Americano desligou totalmente qualquer rede de comunicação. Ligação telefônica bloqueada para o resto do PLANETA.

 No meio da tarde, Congresso cancelado, nada mais tínhamos a fazer, foi então que Rugg se deu conta de que teríamos que providenciar em comer alguma coisa, pois a tendência era de fechar tudo e tudo foi fechado.  O alarme de não termos onde almoçar, foi tardio. A cidade ficou subitamente deserta, tudo fechado. Em cada esquina, um pesado veículo militar com seus soldados com a caras pintadas. Era um clima de guerra verdadeiro acontecendo na nossa cara, justo no País defensivamente mais bem armado do Mundo que fora atingido de forma moralmente fulminante!

Caminhávamos, nós três, como se estivéssemos transitando no solo da lua. Subitamente vimos à distância uma carrocinha de cachorro quente! Nosso almoço está salvo. Nunca mais comi um hot-dog tão bom! Não tenho certeza se cheguei a mastigar! Pedi o segundo. Negado, a carrocinha encerrou atividades e se mandou... 

 Mais tarde nos reunimos novamente num único quarto para decidir “os destinos de nossas vidas” tão ameaçados! A primeira constatação foi a de que já era tarde e a fome voltou. Não tínhamos jantar disponível. Tentaremos alguma pizzaria ou similar lá fora, porque a fome de quem comeu um único cachorro quente há pelo menos umas cinco horas, voltara inapelavelmente!

Caminhando, felizmente achamos um boteco que atendia para comer fora dali. O cheiro maravilhoso denunciou: Vamos comer bem! Tinha pizzas em fatias e frango frito. O parceiro paulista - Rugg – pediu pizza, é claro! Eu pedi um prato, “wings” de doze peças e levamos para o hotel. Chegamos no quarto para o jantar, abri minha embalagem com uma dúzia de “meio de asa” à milanesa cujo cheiro despertou curiosidade “nos outros” e cada um deles experimentou com uma singela pecinha e nada mais. Comi as dez com recorrente arrependimento pela quantidade muito inferior ao apetite! Fui obrigado a dormir num misto de fome com vontade de comer!

Os dias corriam e as companhias aéreas impedidas de decolar. O Mundo assistia multidões amontoadas nos aeroportos a dormir sobre suas bagagens, sem perspectivas de voltar para casa. Na TV só se assistia choradeiras de gente querendo voltar para casa! Nos mantivemos hospedados na Capital Americana por mais alguns dias, como viajávamos pela American Aerolines e essa, garantiu que em breve viajaria, graças a preferência às "empresas nacionais", é claro... Quem viajava de Varig etc., condenado a longa e inapelável espera.

Veio a primeira oportunidade: Voo até Miami! Topamos, pois na Flórida nos sentiríamos mais perto de casa, e fomos! Primeira noite em Miami, agora somente eu e Rugg, não nos sentimos confortável em sair do hotel, já que chegamos tarde da noite. Apenas para variar: Eu com fome! Rugg sugere:

 - Alemão, pega aquele cardápio e vamos ver o que tem para entrega no apartamento!

 Eis que para nossa felicidade, tinha a tal de “wings”! Serão saciados todos desejos acumulados pelo jantar em Washington! Que felicidade!

 - Vou MATAR o meu desejo. Naquele outro dia, as dez que comi não me satisfizeram nem um pouco! Fiquei com desejo de grávida para comer doze, ou mais...

 - E eu, comi uma miserável asinha que vc me deu...

Tinha ficado um dolorido ressentimento entre nós. Por ele, que eu fui “mão de vaca” e de minha parte de que “aqueles dois” mesmo com suas pizzas, tinham reduzido cruelmente em 20% do meu sagrado jantar! O desentendimento daquele momento ficou nisso. Não houve ofensa verbal e tampouco agressão física, ou “vias de fato” como dizem nas delegacias de polícia, nem troca de tiros, pois saciaríamos em algum tempo, o desejo contido de comer asas de galinha  frita, à milanesa!

É óbvio que ficamos nessas amenidades, porque o cardápio em nossas mãos proporcionou isso:

 - Vamos pedir QUATRO dúzias para comermos à vontade!

 Para mim foram as melhores palavras que ouvi do Rugg em todos aqueles dias de viagem!

 - Concordo em gênero, número e grau: Quatro dúzias!

Rimos felizes, saquei o telefone e mandei ver! Foram longos minutos de espera. Pareciam horas, agora aguardadas por duas grávidas com desejo enlouquecido pela perspectiva de devorar aquele saboroso quitute!

 Finalmente tocou a campainha. Atendi. Um jovem alto grande, parecia um halterofilista pela cara que fazia ao esforço de transportar em cada uma das mãos, uma enorme bandeja de seus 80x30cm transbordando de tanta asa de galinha. Na verdade, supus que nem eram asas de galinha, asas de peru pelo tamanho e para aumentar ainda mais o volume, não se tratavam de “meio da asa” como em Washington. Asa completa, cuja parte chamada de coxinha da asa, trazia junto um pedaço do peito da ave. Cada coxinha deveria ter próximo de 350 gramas! E. Três daria um quilo!

Bem fritas, quase secas e o odor de fritura extremamente pesado! Temperadas com alho, condimento que eu detesto! Mesmo faminto, olhar aquela montanha enorme de fritura, já me deu saciedade parcial. Não consegui comer além da metade da segunda asinha, na verdade AZÃO! O companheiro comeu toda a segunda coxinha! E parou.

O que fazer agora com  quarenta e quatro  asas que sobraram? Telefonar e devolver para encaminhar a alguma Entidade Assistencial? Não. Antes, eu não tinha contado, o atendente me advertiu que para duas pessoas seria exagerado para um jantar! Então sossega e não fala mais nada...

Aborrecido, triste, mais tarde saímos silenciosamente do apartamento, caminhando pelo corredor, abandonamos as bandejas cheias defronte a porta de outros apartamentos. Ficar com aquela fritura, que tinham impregnado seu cheiro forte nas cortinas, não daria para dormir! Daqui mais uns vinte anos, volto a comer “wings”!

O impacto – para essa crônica – decorrente ao ataque terrorista descritos no início, se tornaram menos relevantes!!!

8 comentários: