59) Serviço Militar no 4º RC em Santiago.
- Cumpre logo o Serviço Militar e venha para cá trabalhar em algum banco e fazer uma Faculdade!
Danilo teve uma ideia ainda melhor;
- Vou falar com o Médico que trata tua rinite, ele é Capitão do Exercito, vou pedir um "atestado" para te dispensarem!
Com atestado em mãos fui ao Exército pedir dispensa. Um Sargento me atendeu "cordialmente":
- Por que não falou que era alérgico no dia da Inspeção de Saúde?
- Nem lembrei, pois estava sob efeito do Rinisone, um remédio que...
- Então o paisano, vais servir sob efeito de Rinisone...
"Acatei a ideia": Em 15 de janeiro de 1967, num quente domingo de Verão, tomei o ônibus da Planalto no meio da tarde e viajei para Santiago para Incorporar ao Exército. Creiam-me, era um sonho oculto de colocar a Farda Verde Oliva!
Lá estava eu,
com uma sacola na mão com algumas roupas indispensáveis, chinelo, material de higiene
pessoal e uma toalha. O Quartel, na saída da cidade à direita, em direção a São
Borja, tinha um pórtico de pedra e uma guarita, com um Soldado de guarda armado
com seu Mosquetão Mouser e baioneta calada em posição “descansar”!
Pedi licença e adentrei rumo à minha maior e mais radical mudança de vida! Essa mudança instantânea me provocou forte emoção e sensação de mergulho num mundo totalmente desconhecido, provocador, desafiador, porém para mim, muito atraente! Parecia que estava começando um Filme de Guerra e eu estava sendo o Protagonista Principal! A avenida da entrada tinha uns 300 metros em descida, com calçamento irregular, canteiro ao centro e ornada de eucaliptos enormes, seculares em seus dois lados. Uma alameda com um aroma de sua farta folhagem agitada pelo vento quente da época, exalava seu perfume inconfundível como inesquecível. Provoca saudades até hoje!
Foram pouco mais de onze meses de Caserna que me deram uma Experiência de Vida, valendo mais de dez anos de vida do até então. Há rotina é claro, como tudo e acontecem “picos & vales”. Comida muito ruim, trabalho em excesso – quase tortura – em pedreiras e lavouras com capina ao sol escaldante, xingamento, mais conhecido como “mijada”, de superiores hierárquicos. Esses, via de regra com grave limitação intelectual até para ser meu engraxate. Serviço de Guarda na madrugada abaixo de chuva e frio, mais uma mijada, montar e limpar cavalos e remover montanhas de seus estercos, levantar de madrugada, outra mijada e dormir quase morto de cansaço!
Que desgraça! Nada disso! Acreditem, em onze meses, dei mais rizada, gargalhada do que no resto da minha vida! Se voltasse no tempo, faria exatamente o que fiz e permaneceria agradecido como estou até hoje, por todo aquele exaustivo mas muito enriquecedor período. Tive o privilégio de ter no mesmo Esquadrão de Comando & Serviço, o Soldado Aymoré dos Santos Peixoto, que tornava enraçado até dor de dente! Impressionante a capacidade que aquele meu conterrâneo tinha de tornar absolutamente tudo, muito divertido!
Sempre que possível, nos finais de semana, eu voltava para casa em especial quando pintava uma carona ou tivesse dinheiro para o ônibus. Minha vida social ocorria somente em Jaguari, pois por lá, em Santiago as amizades e relacionamentos ficavam restritos à Caserna!
No Serviço Militar, já nos primeiros meses logrei êxito no Curso de Cabo, evitando ficar no último nível da hierarquia e com um “soldo” melhorado! Foi a melhor sacada, pois logo consegui serviço burocrático como Auxiliar do Sargenteante e o trabalho árduo ficou no passado. Não é a “lorota da datilografia”, mas minha muito boa habilidade com a máquina de escrever, me ajudou muito! A sala em que eu trabalhava com o Sargento Gibelino, era separada da sala do Comandante do Esquadrão, Capitão Edson por uma mureta de um metro de altura. Ali, então trabalhava o burocrata, agora Cabo, o quase comediante Aymoré. A separação era mínima, muito íntima e perigosamente exposta aos olhos dos superiores.
Nessa época, meu pai representava a Cia de Fumos Santa Cruz para as duas cidades, então de três em três semanas, meu mano mais velho, o Sérgio acompanhado geralmente pelo Xico Preto, “subia” para Santiago com sua caminhonete Ford F1 – apelidada de Tufuma - com carroceria baú a distribuir cigarros nos bares, restaurantes etc. Isso incluía a cantina dos Sargentos e Subtenentes do 4ºRC, quando isso ocorria era a carona perfeita, pois meu mano adequava o retorno para a sexta-feira, a me beneficiar...
Num determinado final de semana, havia o Baile Anual de Debutantes do Clube União de Jaguari. Efeméride aguardada por todo ano a celebrar num sábado. Meus amigos - The Crasies - já com mesa e uma garrafa de uísque compradas e uma expectativa monstruosa! Era em bailes que ocorria a paquera e aproximação às meninas... Pois justo nesse final de semana, propositadamente meu mano passava por Santiago com a intenção de me trazer “para casa”! Acontece que trabalhou rápido demais, e esteve pronto para voltar já na quinta-feira, então sugeriu que eu “pedisse uma dispensa” da sexta-feira!
Eu já sabia que dispensa sempre era negada. Então fui esperto. Conhecendo o Regulamento, na manhã dessa quinta-feira quando foi anunciada a necessidade de doador de sangue, me voluntariei, pois isso daria o Direito a dois dias de “repouso”, isto é, a dispensa que eu tanto queria!
Ambulância veio me buscar a conduzir ao Hospital para eu praticar essa linda, maravilhosa ação de doação e amor ao próximo! Lá fiquei por umas quatro horas aguardando e o paciente se recuperou e fui dispensado do tão altruísta ato de solidariedade! Fiquei puto da cara! Lá se foi minha carona para o Baile das Debutantes... (Principal objetivo dessa tão generosa ação!!! Quem um dia não foi cretino, que me atire a primeira cerveja!!!)
Não suportei ficar passivo, sabendo que no final da tarde Sérgio viria me buscar para um longo e gostoso (*) final de semana em casa, com direito aquele aguardado Baile!
(*) Gostoso sim, pois em casa eu enterrava a cabeça nas delícias da cozinha, preparadas pela minha mãe e a Eni, sua “secretária” para eventos culinários de todos os dias.
Muito ansioso, frustrado com a doação de sangue, me enchi de coragem e fui pedir a tal dispensa ao Comandante, era meu último recurso. Não me preparei, não planejei abordagem. Simplesmente enchi o pulmão e fui na "cara e coragem":
- Dá licença Capitão!
- Fala Cabo.
- Fui ao hospital agora pela manhã para doar sangue, mas fui dispensado!
- Tá. E daí?
- Eu queria ter a dispensa de dois dia. Quero aproveitar a carona com meu mano agora no final do expediente, pois sábado tem Baile das Debutantes em Jaguari e depois...
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The Crasies 1967 Da esquerda para a direita: Cauby, Zanini, Fausto e Décio. |
- O que? Baile em Jaguari! Ia doar sangue para ir a um baile???
- Sim senhor!
Capitão me olhou com cara de ódio e vociferou no seu mais forte sotaque carioca:
- Mas você é um tremendo cara-de-pau hein! Não tem vergonha nessa sua cara?
Meu Deus, que ingenuidade paralela a estupidez, onde fui me meter! Senti um calorão imenso no rosto, a pele queimava! Senti meu batimento cardíaco nas orelhas! Quase sem ar para responder, fui adiante:
- Tenho um pouco de vergonha, sim senhor!
Capitão se levantou, me olhou do boné aos coturnos, com cara de nojo, se manteve me fitando por longos segundos, que me pareceram horas, relaxou levemente a expressão rígida do seu rosto severo e mandou ver:
- A sua honestidade é brutal. Chega a ser burra. Não tem malandragem nenhuma nesse corpo? Mas até dá inveja! Devia te meter uma cadeia por dez dias, sabia? Tá Cabo, te arranca. Vai agora e não me enche mais o saco!
Confuso com o “elogio honestidade”, que só fui entender como ingenuidade dias depois. Fiz a continência formal e fui correndo preparar minha sacola para viajar algumas horas depois, radiante, eufórico, feliz como um menino de dezoito anos que atingiu plenamente seu objetivo!
E Viva ao
Baile de Debutantes do Clube União!
A Caserna ninguém esquece..Muito válido.
ResponderExcluirDe novo uma bela crônica, não tem como eu não comentar, elogiar a tua sinceridade e postura literária, o que é fato. Também citar que prestei serviço militar em Santiago, no QG. Gibelino Minuzzi já estão sub tenente lá estava em 1971...Parabéns Fausto.
ResponderExcluirMui grato pelo comentário e atualização. Bom saber que Gibelino (Era Segundo Sargento na minha época) estava lá, há cinquenta anos.
ExcluirMeu melhor agradecimento por haveres comentado. Seja qual for a crítica, construtiva ou não, curto demais lê-la na sequência!
A vida da caserna, a camaradagem! Só quem
ResponderExcluirviveu isso sabe.
Ótima história Fausto. Parabéns.
PS*Apenas uma coisa o
fuzil é MAUSER - CAl.
7.62 Modelo 1911.
Nossa, que precisão. Escreveu "quem é do ramo"! Mas insisto, era Mosquetão mesmo...
ExcluirMais uma bela cronica, só não entendi teu preconceito com os engraxates?
ResponderExcluirNo Exército havia muita camaradagem, competição e "gozações". Uma coisa disputada era o engraxar o coturno, que tornava o perdedor alvo de brincadeiras jocosas! Então, absolutamente nada contra os engraxates - atividade tristemente em extinção, graças ao tênis de ampla preferência de uso - então me perdoe se teve essa visão de preconceito...
ExcluirPrestar serviço militar transforma qualquer indivíduo, se amadurece rápido. É uma experiência inesquecível e enriquecedora. Parabéns!!
ResponderExcluirÓtima história como sempre!
ResponderExcluirJá estava nervosa achando que ias perder o baile! Ahhh os bailes de Jaguari!!! Valeriam muitas „doações de sangue“! Ainda bem que teu chefe entendeu! 🙏🏻🙏🏻🙏🏻🙏🏻🙏🏻
Parabéns meu amigo. Teus textos são sempre muito bons. Grande abraço
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