Colônia Ítalo Germânica!
Pois assim era minha Cidade Natal, Jaguari durante minha infância no início da década de cinquenta. A solidariedade reinante era plena. Toda Família sabia o que estava ocorrendo com a outra e a outra... Bastava ter uma gripe mais forte, que o acamado logo recebia visita do vizinho, da parentada toda e dos amigos. Nunca se visitavam de “mãos abanando”, vinha enrolado em um pano-de-prato branco bordado em crochê com a figura de algum pássaro ou até mesmo pães. Enrolado aquele pão de milho feito em casa com seu cheiro de dar água na boca, um bolo bem crescido, uma cuca coberta de passas de uvas! Se o convalescente não estivesse com problemas estomacais, então vinha o salame, presunto ou até mesmo um torresmo! Aquilo sim era uma Sociedade Fraterna tão rara em cidades grandes e hoje, até mesmo em Jaguari. Mas o que fazer, quando o dia-a-dia sufoca a todos e a indiferença se faz presente! Moradores de edifícios, sequer sabem o nome do vizinho da porta de frente. E chamamos isso de “Vida Moderna”!
Voltando a Jaguari: Toda essa aproximação amistosa, só era esfriada na época das eleições municipais. Era o PTB de Getúlio Vargas, o PL de Raul Pila e o PSD que se digladiavam por um mandato à Prefeitura. Depois da posse do eleito, tudo voltava à normalidade! Sim, algum “ranço” permanecia, mas a diplomacia o superava!
Como contei na Crônica 58, todos os Lares tinham o seu galinheiro próprio, sua horta, seu pomar e alguns com seu porco a engordar, para garantir a banha, costeletas e o indispensável salame. Não importava se alemão ou italiano, nenhum desses Povos “vive” sem salame!
Minha casa tinha um pomar com mais de trinta frutas diferentes e colhíamos alguma coisa, praticamente o ano todo. Quando as parreiras frutificavam com fartura no Verão, era um tal de levar cestas de uvas aos mais próximos. Lá em casa tinha uma enorme parreira de uvas Ebelmont, uva de mesa para corte, mas pela grande quantidade colhida, sobrava muitos quilos que meu pai fazia vinho branco! Trabalhávamos o processo completo com nossas próprias mãos, colheita, separação dos grãos, esmagamento, depósito em pipas de madeira para fermentação e o engarrafamento posterior. Tudo manual com bastante trabalho, afinal éramos cinco irmãos, mão de obra à vontade! O resultado era tão bom, que os amigos do “Papito” elogiavam-no sempre, dizendo de que daria um "ótimo vinagre"... Tomávamos regularmente até provocar uma úlcera no duodeno causada pela sua farta ingestão! Argth!!!
O mamão era muito apreciado. Tínhamos diversos
pés dessa fruta tropical e sempre que um
dos pés frutificava, meu pai colhia uma das maiores para eu levar para a dona Nena que, com um tipo de alergia, o
mamão verde lhe servia para uma infusão qualquer que lhe atenuava o tal problema. Sempre fui o portador. Dona Nena com seu marido, seu Minuzzi, tinham um bar que servia
uma batida de limão – não se conhecia caipirinha nessa época – que era uma das
Sete Maravilhas Derivadas da Cachaça no Mundo!
Teve um dia, final de tarde, bar lotado, fui fazer minha alegre entrega. Dentre os senhores - só tinham homens presentes - lá estava aquele que seria meu futuro tio, Davi Machado, então noivo da minha tia Gládis Marchiori, que tristemente sabia que eu passava por uma crise de Coqueluche. (Trata-se de uma infecção bacteriana que provoca tosse seca com som de “silvo”. Hoje sob controle, mas não erradicada.) Diante disso, Davi recomenda que não me dê sorvete em função da tosse etc...
Essa denúncia motivou a substituição do sorvete com uma barrinha de chocolate qualquer. Troca injusta, sem graça nenhuma .Fiquei furioso. Como admitir e onde já se viu renunciar pacificamente daquele sorvete que estava há horas no meu imaginário alimentando a gula? Fui acometido de uma vermelhidão no rosto e principalmente nas orelhas. Raiva incontida e não resisti a vontade de agredi-lo ferozmente! E eu tinha “algo” que sabia sobre seu passado, mas guardava segredo. Decidi revelar publicamente sem dó nem piedade, afinal de contas meu sincero desejo era matá-lo naquela hora.
O fato que eu mantinha em segredo: - Num domingo a tarde de alguns dias passados, Davi e Gládis estavam na minha casa a passeio, no entanto isolados na sala de estar da casa namorando... A Família, conversando animadamente debaixo de um daqueles cinamomos com sua enormes sombras, a tomar chimarrão e charlar... Desconfiado, fui sorrateiramente me afastando de todos e fui espiar o casal! Pois não é que surpreendi Davi em flagrante delito com um absurdo beijo na boca da minha tia Gládis! Isso me pareceu gravíssimo. Torná-lo público então... Pois não bastou naquele dia fatídico eu gritar um "TE PEGUEI" agora será o dia que me vingo e liquido com a moral do Davi, ele merece, já que me delatou com a coqueluche obstaculizando meu sorvete tão desejado:
- Ah é Davi! Sem sorvete! Pois agora vô contá prá todo mundo que eu te peguei!!!
- Mas pegou o que guri?!
Como eu o denunciei em grito desesperado, deu para ouvir há cinquenta metros, chamei atenção de todos aqueles trinta e tantos frequentadores que lotavam o bar que em coro me cobravam:
- Conta Faustinho! Conta prá nós!!!
Silenciaram todos ávidos a ouvir a fofoca, acusação prestes a ser declarada para conhecimento de "toda a cidade"! Eu, pronto a desmoralizá-lo, fui até a porta do bar para depois da agrave acusação, poder disparar rua afora pelo o que iria acontecer na sequência. Então cheio de coragem e animado pela galera presente, enchi o peito e vociferei para atingi-lo mortalmente:
- Eu te peguei beijando a tia Gládis!
Foi uma gargalhada retumbante no bar com assovios e aplausos. Davi sem palavras, ficou roxo! Como eu vi que ele não iria me caçar, pelo menos não naquele momento diante de tantas testemunhas, me enchi de renovada coragem e disparei mais uma acusação derradeira, final, fatal para fugir em disparada sem olhar para trás!
- Mais Davi: Tu é um Quinta Coluna!
Não fazia a
menor ideia do significado do que disse, mas tinha consciência de que era
algo pejorativo, muito feio, degradante, grave! E fugi!
Fiquei uma semana isolado com medo, sem me aproximar do “ofendido tio Davi”, até que a Família me
garantiu que ele tinha me perdoado! Fiz as pazes e voltei a ser feliz e amigo de um dos tios mais queridos que tive! A coqueluche? Acho que se Dissipou naturalmente, nem lembro!
Que coisa boa viver assim todos juntos.
ResponderExcluirAdoro essa estória! Cresci ouvindo mas assim escrita ficou mais autentica e divertida. Parabéns "Caco".
ResponderExcluirQue privilégio passar a infância numa cidade pequena e tão solidária!! Vc soube descontar bem a sua raiva, indo a forra. Muito bom!!
ResponderExcluirJaguari dos áureos tempos.Saudades.
ResponderExcluirEscrita ficou mais legal ainda!
ResponderExcluirE esse sorvete!!! Eu amava também! Mas como não tenho memória nem lembrava! Obrigada Fausto!! Ou melhor, como a Tânia falou, Caco
É melhor ainda Caco de Vidro!!! 😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂
Excelente Fausto.
ResponderExcluirAs histórias do tempo de guri e sua turma.
Maravilha!
Parabéns , adoro tuas histórias, bem escritas, verdadeiras! Aguardando outras.
ResponderExcluirMuito legal ! Foi o máximo da audácia do guri !
ResponderExcluirBacana. É prazeroso ouvir relatos de fatos passados e recordar pessoas que como bem colocaste, faziam parte de uma coletividade unida por laços de família e camaradagem.
ResponderExcluirRenata Diefenbach, "Quinta Coluna" - sentido figurado - é uma expressão antiga na época da Segunda Guerra Mundial, considerava como sinônimo de traição! Grupos dentro do seu próprio País, apoiando forças inimigas. No Brasil, grupos secretos que apoiavam o Nazismo...
ResponderExcluirLiteralmente surgiu durante a Guerra Civil Espanhola, General Queipo utilizava formação militar conhecida como "quatro Colunas" que se aproximava à Madri que simpatizava à sua oposição!
Quando da época que conto na minha crônica, eu sabia que um "Quinta Coluna" era algo degradante, muito feio ! "Termo bom" para ofender alguém...