terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

 147) Roubaram o Violino da Paróquia!!!

Hoje minha abertura dessa publicação se inicia com um pedido de desculpas: Tenho escrito Crônicas, isto é, fatos verdadeiros vivenciados por mim, entretanto hoje, lembrado um fato antigo provocado pelo Décio e invocando seu testemunho, passo a escrever algo que depende de testemunha... O que prova que eu não estava presente aos fatos, o que descaracteriza a crônica e passa a se tratar de um "Conto"! Dito isso, vamos aos fatos garantindo, que talvez sejam verdadeiros:

-  Pois é, foi Décio Brasil, meu conterrâneo, quem serve de testemunha no conto a seguir: - Sim, é sobre Nossa Terra Natal, Jaguari. Essa pequena cidade, há uns cinquenta anos tinha uma população de uns dez mil viventes e com o dado comum, sempre ter um personagem notável seja de inteligência acima da média, do bom atleta (que nunca se destacou além de sua fronteira citadina, exceção do Humberto M. lateral-esquerdo do Grêmio, que por falta de sorte era reserva do Grande Everaldo), há sempre o muito engraçado e lamentavelmente também, o “ladrãozinho”. Esse geralmente jogado num segundo plano e tratado apenas como vagabundo, mas nesse "causo" dotado de um carisma que o permitia viver de seus pequenos furtos, sem uma punição mais severa!

O personagem da época era o Novai, que todos o chamavam de “gurizinho querido”, sempre sorridente e por mais de uma vez por ano era surpreendido sem estar alcoolizado, e afirmando "nunca mais irá beber", mas que no dia seguinte...

O ocorrido agora relatado, se trata de um evento ligado à Comunidade Religiosa da Cidade, que estava por receber visita do Bispo de Santa Maria, num final de semana que se aproximava. O Coral do Ginásio se preparava com ensaios de Cantos Gregorianos e outros cantos em homenagem ao ilustre visitante! Mas eis que ocorre uma catástrofe terrível, irreparável: “Roubaram o Violino da Paróquia!”

O escândalo de larga escala e repercussão se instalou sobre a Cidade como um tsunami a enxovalhar a moral e ética do Povo em geral! Imaginem diante dos olhos do nobre visitante que estava por vir! O que fazer? O desfalque do único instrumento do Coral era assombroso! De imediato a freira responsável pelo Coral foi “dar parte na polícia”, fazer aquilo que hoje chamamos de BO!

No dia seguinte a tal Freira foi pela segunda vez à Delegacia de Polícia cobrar resultado junto ao Delegado, que recém executava os preparativos iniciais da investigação, o que deixou a reclamante em pânico exigindo a imediata prisão do meliante e o mais importante, a devolução do instrumento de cordas furtado. A dificuldade – como sempre – é localizar alguma pista confiável e identificação do suspeito, diante disso claramente explicado pelo Delegado, a freira enfureceu de vez:

- Como assim suspeito? É só o senhor ir lá e prender o Novai e fazer ele devolver o violino, ora bolas! Um pouco de boa vontade e...

- Espera aí dona...

A discussão foi longa, imensa e intensa. O Delegado teve extrema dificuldade em explicar à “santa criatura” de que não era assim tão simples. Há que se ter provas concretas, testemunhas etc.

Passaram-se apenas dois dias, mas com visitas diárias da religiosa ao Delegado, questionando agressivamente a razão da Delegacia ainda não ter identificado o meliante ou alguma testemunha, pois se aproximava o domingo em que o Bispo estaria na cidade. Foi nesse o dia em que o Policial perdeu a paciência:

- Só me aparece aqui o dia que a senhora for chamada ou trouxer uma testemunha! Caso contrário, desapareça!

Não deu outra: A religiosa no dia seguinte já telefonou e anunciando uma testemunha! O Delegado se rendeu e marcou dia e a hora e mandou buscar o Novai para fazer acareação. Na sala reservada ao tão esperado depoimento, a Freira acompanhada de uma “Juvenista” como testemunha junto com o suspeito. Delegado inicia a oitiva:

- Novai, já to de saco cheio por causa desse violino. Devolve imediatamente essa droga prá Freira ou te tranco nas grade até tu confessá e devolvê o instrumento! Hoje tenho até testemunha do teu roubo!

- Não roubei, Dotôr! Eu juro!

- É? Agora tu tá ferrado, meu! Fala a mocinha aí!

- Sim dotôr, ele tem que devolver o violino. Eu sô testemunha: Também ACHO que foi ele! 

- O que? ACHA? Novai, Pode ir embora. Te arranca daqui e não me aparece mais, pô! E vocês duas...

Diante da fragilidade da prova o Delegado surtou! Furioso de correr espuma da boca. Mandou que o Novai fosse embora imediatamente, e reservou um bom tempo para passar uma carraspana na Freira por falso testemunho e mais um montão de coisas bem fortes, foi muito bem xingada afinal de contas... 

De súbito, o acusado já na porta para ir embora, gostando do que ouvia em defesa da sua inocência, "foi crescendo nos tamancos"! Empostado com grande orgulho, peito cheio de ar, elegância e segurança de um inocente injustiçado, um autêntico Monarca Britânico! Em pose de Estadista roncou grosso, cheio de autoridade questionando o Delegado em alto e bom tom:

- Dotôr. Já tô todo atrapaiado! Com as confusão que essas aí fizeram. Afinal de contas, eu fico ou não fico com o violino?147) 

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

 146) Oeste da América do Sul - A Trilha Inka. (Parte Final).

Como relatei nas duas crônicas anteriores, Jardim e eu, tínhamos um objetivo bem focado: - “El Grand Camino Inka!” São quatro dias completos de trilha com três pernoites, a caminhar de Ollantaytambo, rumo a Machu Picchu. Cada dia da caminhada em meio aos Andes, é um desafio em particular e ameaçador!

O primeiro por se tratar de um “aquecimento”, que por mais que se prepare para tal caminhada, somente lá é que percebemos que o treinamento não foi o suficiente! A construção dessa trilha pelos Inkas, foi composta de algumas escadas cujos degraus, alguns têm mais de 60 cm, isso significa passadas "mui largas"!

Na trilha, armam-se barracas para duas pessoas a dormir e outras coletivas para o café da manhã, almoço e jantar. A carga dos apetrechos mais pesados é executada pelos “porteadores”, nativos da Região, que o fazem com absurda velocidade e desprendimento. A Organização, para receber o pelotão de turistas que se arrasta, estão a frente e acampam e com tudo preparado nos aguardam. Esses "porteadores" são incríveis, nos ultrapassam correndo com botijão de gás nas costas, mais panelas, luminárias, mantimentos, tendas, barracas, estacas, etc, enquanto nós, exaustos, gemendo e queixosos vamos adiante lentamente! Isso se repete nos quatro dias.

“El Camino Inka”, em seus quatro dias, são de extenuante caminhada, Andes acima e abaixo, com três noites de sono em pequenas barracas acampadas ao longo da trilha, construída há séculos pelos Inkas, bem antes do descobrimento da América e são os legítimos precursores do Povo Latino Americano.

Durante o dia se caminha com temperatura amena para a noite gelar. Dorme-se num colchonete espessura de um chinelo de dedos barato. Foi a parte mais dura – literalmente – o travesseiro, usa-se o próprio tênis. Tudo isso para minimizar a carga que cada um levava em suas mochilas. Entretanto Jardim e eu “fretamos” um “porteador” a levar a parte pessoal mais pesada, isto é, nossa barraca, suas estacas, colchonete e “unas cositas mas”! Investimento de US$ 100.00 mais bem pagos de toda viagem!

Eu só dormia com uma porrada, chamada de “Dormonid”, mesmo assim, não era um sono contínuo nem reparador. Numa noite ouvimos em plena madrugada, uma trovoada longa e forte que nos acordou com tremor de nossas “camas”, isso mesmo, tremeu o chão... Assustou de verdade! Talvez chuva?! Se fosse, seria a pior coisa para uma caminhada ao ar livre de longa duração como aquela. Só nos “tranquilizamos” quando alguém do acampamento gritou em alto e bom tom:

- Sismo!!!

Não precisou tradutor! Só de imaginar um terremoto, já torcia por chuva, por razões mais do que óbvias... Depois nos contaram ser comum essas acomodações de placas naquela Região. Mesmo diante da "falsa tranquilidade," voltamos a dormir, dado ao cansaço da caminhada!

Ao encerrar o primeiro dia, me defrontei com um dilema: - Tenho uma absurda dificuldade de dormir e se agrava severamente se não tiver o prazer de um bom banho, mesmo que a caminhada não provocasse suores maiores, dado a baixa temperatura do percurso. Ao entardecer, já acampado e após o lanche, solicitei a um trabalhador – que lavava pratos em uma torneira simples - de algum lugar que eu pudesse me banhar. Olhou-me de forma espantada como se eu tivesse perguntado “onde mora o ET” e apontou aos restos de uma casa de pedras abandonada. Suas paredes em pé, mas sem telhado, portas nem janelas. Lá, um suposto banheiro com um furo na parede e uma torneira que jorrava um jato de água gelada.

O desafiador banho de "neve derretida" estava garantido! Respingando água pelo corpo passei o sabonete! Na hora de tirar esse sabonete e completar o banho, com o frio de uma casa aberta e ao Pôr-do-Sol era ameaçador. A pior hora: - Abrir a torneira com um jato forte, pulmão cheio e fui para debaixo daquele jato de água perfurante! Gritei alguma canção a pleno pulmão! Acreditem, a gritaria me ajudou permanecer vivo!

Refeições ótimas, por incrível que pareça, de primeira categoria: Entrada com creme de milho verde com nata, prato principal com carne de cordeiro assada e até sobremesa acompanhando sempre de chá verde, como exemplo do primeiro almoço! Refeições bem variadas, considerando que tínhamos um bom café da manhã, almoço, lanche com chás e café na chegada ao acampamento e finalmente um lauto jantar e dormir!

Veio o segundo dia cujo desafio maior foi o de ser unicamente em subida! Não há um degrau sequer para descer! Subida todo o percurso, o que resulta numa constante diminuição de oxigênio! Chega-se a 4.000 metros acima do nível do mar (levei meu altímetro)! Algo irrespirável, pois mesmo enchendo o pulmão, não há sensação de saciedade. A exaustão vai ao limite. Nesse dia, me advertiu o Padado, amigo que fizera a trilha e quem me incentivou fazê-la:

- No segundo dia lembrarás de mim e vais me odiar por ter aconselhado essa aventura!              (E eu odiei, mesmo...)

Terceiro dia, sua característica é ser o mais longo e mais arriscado por seus caminhos estreitos costeando penhascos ameaçadores. Tínhamos nessa etapa uma disputa em particular. Seguiam-nos um quarteto europeu de alpinistas – nem eram franceses -  cujo hábito do banho certamente foi esquecido há meses! Sob hipótese alguma poderíamos ficar para trás e respirar o ar com a “fragrância” que liberavam. Constantemente acelerar ao limite, senão...   

No final do dia se compra – a um preço bem razoável - o direito a um banho de chuveiro com água aquecida! Que maravilha!

O quarto e último dia, se faz em total escuridão. Início durante a madrugada, ainda noite, numa trilha estreita de mata fechada, costeando um “provável” penhasco, pois só se vê o facho de luz das lanternas individuais (e eu esqueci a minha...). É assustador. Nesse último dia, suas primeiras duas horas foram sob chuva fina e constante. Mas foi tudo, absolutamente tudo extremamente compensado quando ocorre o final da missão. Nessa hora, de grande expectativa já não chove mais e o Glorioso Prêmio será o de assistir um majestoso Nascer do Sol em Machu Picchu! Todos os grupos, talvez uns dez, chegam ao local tão esperado quando ainda está escuro. Assentam-se no chão em silêncio a contemplar o espetáculo da Natureza prometido, que está prestes a acontecer. O amanhecer está próximo!

Subitamente, como numa explosão o Majestoso Sol nasce! O fenômeno é instantâneo para glorificar o momento! O Sítio Machu Picchu é iluminado por completo como num movimento mágico, esplendoroso! Toda a cidade hora mergulhada nas sombras, brilha por completo em uma fração de segundo com um esplendor indescritível! O imenso público, de mais de cem pessoas que o aguardam respeitosamente silencioso, emite um sonoro e emocionado "hoooooo"!

 

O povo se irradia junto ao Sol! Lá está a Cidade Sagrada com a alegria contagiante entre todos nós! Uns se abraçam - afinal, a dolorosa caminhada está se encerrada - alguns choram e a emoção é de grande significado! Entreguei-me às lágrimas sinceras de um sentimento desconhecido, inexplicável de profunda felicidade, mágica, que todo Ser Humano Sentimental merece viver, pelo menos uma vez em nossa tão breve Vida!!

Não se deixa lixo para trás, nem um palito de fósforo. Também nada se leva. Nem aquela "pedrinha bonitinha” de lembrança...

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

 145) Oeste da América do Sul. (Parte DOIS)

Finalmente chegamos na Capital Peruana, Lima, região mais populosa do Peru com aproximadamente 10 milhões de habitantes e a terceira cidade mais populosa da América Latina (atrás somente de São Paulo e Mexico City). Característica mais marcante no meu entendimento é a falta de chuva na cidade.  Alguns bairros, no ano 2002 quando estive por lá, celebravam quarenta anos sem uma gota d’água de chuva. Alguns adultos fixos em seus bairros, não conheciam o glorioso fenômeno da chuva. Sim, glorioso ao lembrar os banhos de chuva da minha infância feliz, do barulho no telhado e do harmonioso perfume de terra molhada nas suas primeiras gotas! Então acontece que lá, esses adultos conhecem chuva somente através de fotos ou filmes! Água nem é tão rara devido as amplas canalizações de coleta do generoso degelo da grossa camada de neve sobre os Andes! 

A arquitetura contempla na construção de muitas casas, sem o tradicional telhado que conhecemos. Simplesmente a última chapa de concreto encerra a construção, ficando livre como um terraço. A cidade tem suas atrações e povoada por diversas etnias.

 


Valorizei muito as atrações turísticas em pequenos vilarejos nas cercanias dessa grande cidade, como o Vale Sagrado dos Incas. Lá presenciei uma alegre, festiva e colorida Feira do Milho. Muita música e danças fiéis ao seu folclore! A localidade se auto proclama como a “Importante Capital Mundial do Milho”! Parece engraçado, no entanto se comprova facilmente seu orgulhoso título, a feira expõe mais de cinquenta tipos de milho –  localmente chamados de “choclo” - um dos principais alimentos da cultura Inca, sendo que nessa feira, eram servidos alguns cozidos ou assados em estado “verde” para consumo na hora nos mais diversos e inimagináveis sabores, por incrível que pareça. O mais curioso de todos, foi um que comi de  intensa cor preta, como nosso feijão preto!  Sabor próprio e sem nenhuma referência para que eu possa descreve-lo com alguma fidelidade. Então, "sabor único"! Só indo lá e provar pessoalmente...

Ainda em transporte rodoviário, foi a vez de visitarmos a última cidade grande e habitada, a esplêndida Cusco. Esplêndida pela curiosa arquitetura e em especial a Catedral, construída em pedras irregulares de grande tamanho ajustadas sem argamassa com precisão milimétrica entre as partes. Trata-se de uma atração riquíssima aos profissionais da construção civil, os Arquitetos, Engenheiros Civis e leigos, pelo mistério não só da precisão de seus ajustes, como a misteriosa solução na dificuldade de transporte e elevação de tamanhos blocos com suas toneladas de pesos!

 


A Cidade Sagrada de Ollantaytambo, a 80 km de Cusco é visita obrigatória a apreciar o espetacular sítio arqueológico ”Tambo de Ollanta”, que dá nome à Vila. Foi no passado, um Centro Cerimonial durante o período Inca. A cidade fica ao lado do rio Urubamba e é a partir dali que partem os trens rumo a Aguas Callientes – Machu Picchu, costeando esse agitado rio.

Rio Urubamba por sua vez, desemboca no rio Ucayali que forma em direção ao Norte, a nascente do nosso rio Amazonas, próximo a localidade de Iquitos, ainda no Peru. De certa forma, a nós brasileiros dá-nos o direito de afirmar que se trata do verdadeiro início do Amazonas, que dessa forma o tornaria além de rio mais caudaloso do mundo, também ao mais longo de todos, batendo assim, a dimensão do africano rio Nilo, no Egito!

Destino seguinte é para encerrar esse período de aventuras a conhecer nossa América do Sul. O desafio seguinte é com a “Trilha Inka”, que se inicia em Ollantaytambo, rumo a Machu Pichu a percorrer uns cinquenta quilômetros em desafiante escadaria e trechos de tirar o fôlego – literalmente – especialmente pela altitude que se percorre onde o ar fica rarefeito e o desafio se torna torturante, mas "para quem gosta", é algo para viver um pouco desse Povo que ali antecedeu por Séculos, a invasão espanhola!