terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

 146) Oeste da América do Sul - A Trilha Inka. (Parte Final).

Como relatei nas duas crônicas anteriores, Jardim e eu, tínhamos um objetivo bem focado: - “El Grand Camino Inka!” São quatro dias completos de trilha com três pernoites, a caminhar de Ollantaytambo, rumo a Machu Picchu. Cada dia da caminhada em meio aos Andes, é um desafio em particular e ameaçador!

O primeiro por se tratar de um “aquecimento”, que por mais que se prepare para tal caminhada, somente lá é que percebemos que o treinamento não foi o suficiente! A construção dessa trilha pelos Inkas, foi composta de algumas escadas cujos degraus, alguns têm mais de 60 cm, isso significa passadas "mui largas"!

Na trilha, armam-se barracas para duas pessoas a dormir e outras coletivas para o café da manhã, almoço e jantar. A carga dos apetrechos mais pesados é executada pelos “porteadores”, nativos da Região, que o fazem com absurda velocidade e desprendimento. A Organização, para receber o pelotão de turistas que se arrasta, estão a frente e acampam e com tudo preparado nos aguardam. Esses "porteadores" são incríveis, nos ultrapassam correndo com botijão de gás nas costas, mais panelas, luminárias, mantimentos, tendas, barracas, estacas, etc, enquanto nós, exaustos, gemendo e queixosos vamos adiante lentamente! Isso se repete nos quatro dias.

“El Camino Inka”, em seus quatro dias, são de extenuante caminhada, Andes acima e abaixo, com três noites de sono em pequenas barracas acampadas ao longo da trilha, construída há séculos pelos Inkas, bem antes do descobrimento da América e são os legítimos precursores do Povo Latino Americano.

Durante o dia se caminha com temperatura amena para a noite gelar. Dorme-se num colchonete espessura de um chinelo de dedos barato. Foi a parte mais dura – literalmente – o travesseiro, usa-se o próprio tênis. Tudo isso para minimizar a carga que cada um levava em suas mochilas. Entretanto Jardim e eu “fretamos” um “porteador” a levar a parte pessoal mais pesada, isto é, nossa barraca, suas estacas, colchonete e “unas cositas mas”! Investimento de US$ 100.00 mais bem pagos de toda viagem!

Eu só dormia com uma porrada, chamada de “Dormonid”, mesmo assim, não era um sono contínuo nem reparador. Numa noite ouvimos em plena madrugada, uma trovoada longa e forte que nos acordou com tremor de nossas “camas”, isso mesmo, tremeu o chão... Assustou de verdade! Talvez chuva?! Se fosse, seria a pior coisa para uma caminhada ao ar livre de longa duração como aquela. Só nos “tranquilizamos” quando alguém do acampamento gritou em alto e bom tom:

- Sismo!!!

Não precisou tradutor! Só de imaginar um terremoto, já torcia por chuva, por razões mais do que óbvias... Depois nos contaram ser comum essas acomodações de placas naquela Região. Mesmo diante da "falsa tranquilidade," voltamos a dormir, dado ao cansaço da caminhada!

Ao encerrar o primeiro dia, me defrontei com um dilema: - Tenho uma absurda dificuldade de dormir e se agrava severamente se não tiver o prazer de um bom banho, mesmo que a caminhada não provocasse suores maiores, dado a baixa temperatura do percurso. Ao entardecer, já acampado e após o lanche, solicitei a um trabalhador – que lavava pratos em uma torneira simples - de algum lugar que eu pudesse me banhar. Olhou-me de forma espantada como se eu tivesse perguntado “onde mora o ET” e apontou aos restos de uma casa de pedras abandonada. Suas paredes em pé, mas sem telhado, portas nem janelas. Lá, um suposto banheiro com um furo na parede e uma torneira que jorrava um jato de água gelada.

O desafiador banho de "neve derretida" estava garantido! Respingando água pelo corpo passei o sabonete! Na hora de tirar esse sabonete e completar o banho, com o frio de uma casa aberta e ao Pôr-do-Sol era ameaçador. A pior hora: - Abrir a torneira com um jato forte, pulmão cheio e fui para debaixo daquele jato de água perfurante! Gritei alguma canção a pleno pulmão! Acreditem, a gritaria me ajudou permanecer vivo!

Refeições ótimas, por incrível que pareça, de primeira categoria: Entrada com creme de milho verde com nata, prato principal com carne de cordeiro assada e até sobremesa acompanhando sempre de chá verde, como exemplo do primeiro almoço! Refeições bem variadas, considerando que tínhamos um bom café da manhã, almoço, lanche com chás e café na chegada ao acampamento e finalmente um lauto jantar e dormir!

Veio o segundo dia cujo desafio maior foi o de ser unicamente em subida! Não há um degrau sequer para descer! Subida todo o percurso, o que resulta numa constante diminuição de oxigênio! Chega-se a 4.000 metros acima do nível do mar (levei meu altímetro)! Algo irrespirável, pois mesmo enchendo o pulmão, não há sensação de saciedade. A exaustão vai ao limite. Nesse dia, me advertiu o Padado, amigo que fizera a trilha e quem me incentivou fazê-la:

- No segundo dia lembrarás de mim e vais me odiar por ter aconselhado essa aventura!              (E eu odiei, mesmo...)

Terceiro dia, sua característica é ser o mais longo e mais arriscado por seus caminhos estreitos costeando penhascos ameaçadores. Tínhamos nessa etapa uma disputa em particular. Seguiam-nos um quarteto europeu de alpinistas – nem eram franceses -  cujo hábito do banho certamente foi esquecido há meses! Sob hipótese alguma poderíamos ficar para trás e respirar o ar com a “fragrância” que liberavam. Constantemente acelerar ao limite, senão...   

No final do dia se compra – a um preço bem razoável - o direito a um banho de chuveiro com água aquecida! Que maravilha!

O quarto e último dia, se faz em total escuridão. Início durante a madrugada, ainda noite, numa trilha estreita de mata fechada, costeando um “provável” penhasco, pois só se vê o facho de luz das lanternas individuais (e eu esqueci a minha...). É assustador. Nesse último dia, suas primeiras duas horas foram sob chuva fina e constante. Mas foi tudo, absolutamente tudo extremamente compensado quando ocorre o final da missão. Nessa hora, de grande expectativa já não chove mais e o Glorioso Prêmio será o de assistir um majestoso Nascer do Sol em Machu Picchu! Todos os grupos, talvez uns dez, chegam ao local tão esperado quando ainda está escuro. Assentam-se no chão em silêncio a contemplar o espetáculo da Natureza prometido, que está prestes a acontecer. O amanhecer está próximo!

Subitamente, como numa explosão o Majestoso Sol nasce! O fenômeno é instantâneo para glorificar o momento! O Sítio Machu Picchu é iluminado por completo como num movimento mágico, esplendoroso! Toda a cidade hora mergulhada nas sombras, brilha por completo em uma fração de segundo com um esplendor indescritível! O imenso público, de mais de cem pessoas que o aguardam respeitosamente silencioso, emite um sonoro e emocionado "hoooooo"!

 

O povo se irradia junto ao Sol! Lá está a Cidade Sagrada com a alegria contagiante entre todos nós! Uns se abraçam - afinal, a dolorosa caminhada está se encerrada - alguns choram e a emoção é de grande significado! Entreguei-me às lágrimas sinceras de um sentimento desconhecido, inexplicável de profunda felicidade, mágica, que todo Ser Humano Sentimental merece viver, pelo menos uma vez em nossa tão breve Vida!!

Não se deixa lixo para trás, nem um palito de fósforo. Também nada se leva. Nem aquela "pedrinha bonitinha” de lembrança...

9 comentários:

  1. Sensacional aventura !
    Parabéns Fausto ! Ivan.

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  2. Caminhei com você, até cansei kkkkk, espetacular tua experiência. Gratidão IRIA

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  3. Sensacional! Belíssima descrição de uma aventura única e marcante! Parabéns! Bidart

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  4. Uau, que aventura fantástica!! Vc é muito corajoso!! Parabéns!! Fiquei até ofegante e cansada imaginando o percurso que vc fez!!

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  5. Que aventura espetacular!!! realmente é de tirar o fôlego e no final uma linda recompensa.

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  6. Bahh Fausto!!!!
    Que baita aventura!!!
    E que baita crônica. Viajei junto.
    Já tinha lindo sobre o grande caminho Inca, mas nunca com tão maravilhosos e emocionantes detalhes.
    Fiquei tentando imaginar a alegria de vocês durante o "banho de chuveiro com água aquecida" depois de tudo o que passaram.
    O final então, com o nascer do sol,...é a mais perfeita definição de explendor!!!
    Parabéns. Valeu a pena nossa espera pela terceira parte da viagem/aventura.

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  7. Que descrição maravilhosa! Só senti falta do vinho que certamente tu deve ter levado escondido.

    Tida

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  8. Sensacional!!! Relato perfeito de uma aventura maravilhosa!!! Parabéns!!!

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  9. Fiz essa viagem contigo e confesso q fiquei cansada só de te acompanhar. Sozinha não faria pois meus pulmões e pernas não permitiriam.
    Como sempre crônica genial e mto detalhada. Parabéns!

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