quarta-feira, 16 de junho de 2021

58) Galinhada ou Arroz com Galinha?

 58) Galinhada ou Arroz com Galinha?



Primeira coisa que escrevo hoje é o dissipar dessa dúvida, "galinhada ou arroz com galinha", que quando eu era guri ainda existia, hoje sei que é absolutamente mesma coisa! Pois bem, nessa época - década de sessenta - era muito frequente em Jaguari, os rapazes da sociedade em pequenos grupos, sempre com um músico a compor a trupe, escolhiam uma casa para uma lúdica serenata em meio à madrugada!

Antes, esclareço a composição comercial de proteínas na cidade na década de sessenta: - Não havia supermercado, armazém, bolicho, boteco ou  qualquer açougue aberto aos domingos. Eram religiosamente fechados. Foquemos o açougue: - Tínhamos carne no cardápio caseiro para toda semana e no domingo galinha e essa, não era vendida em açougue. Por essa razão, todo Lar tinha que cultivar seu próprio galinheiro para essa “emergência semanal”. Confesso que imaginava ser a galinha algo muito especial, talvez muito caro! Nos galinheiros mais sofisticados, como da minha casa, havia galinha poedeira e a de corte, isso significa que ovos também eram de cultivo doméstico, raramente se encontrava no mercado.

Pois aquela “trupe seresteira” , frequentemente organizava suas serenatas, onde o músico e mais uns três etilicamente bem motivados faziam o show musical! Cantavam, gritavam até bem afinados, se é que se pode ter gritaria afinada! Enquanto isso, outros dois ou três invadiam a casa pelos fundos ao afortunado galinheiro e dali surrupiavam duas, três penosas, dependendo se seu porte, seu peso. Um dos larápios tinha que ser obrigatoriamente um bom cozinheiro, que com sua habilidade culinária selecionava as peças a serem escolhidas para a galinhada do dia seguinte ao meio dia, que sempre era um domingo.

O melhor de tudo, é que o dono das galinhas furtadas era sempre o "Convidado de Honra" a tal galinhada. Lá então lhe era revelado seu involuntário patrocínio e o almoço se convertia numa grande e alegre festa familiar!

Confesso que ao entrar na minha puberdade, tinha meu grupo especial de amigos, auto denominado “The Crasies Club”, (Décio, Cauby, Eu, Dirceo, Fernando e L. Emílio) que passados quase sessenta anos, os remanescentes ainda se encontram para reviver a fraternidade e alegria de então. Minha confissão agora, é da inveja daqueles conterrâneos mais maduros e suas serenatas. Tristemente, nesses meus contemporâneos não existia um sequer com habilidade musical! Mas a vontade de fazer galinhada em locais rústicos, era independente e muito forte.

Colocado em Assembleia, decidimos que uma galinhada tinha que acontecer, merecíamos

independentemente de não contarmos com nenhum seresteiro! Pior, não tínhamos sequer um “Cozinheiro Master!" Foi então que o desafio caiu no meu colo para me desenvolver como tal. Fui consultar dona Olga, minha mãe: - Com absurda riqueza de detalhes fui anotando passo a passo da preciosa receita! O mais importante detalhe foi o ponto da fritura de cada peça. Orientou-me:

- Frite, cuidando a coloração de cada peça e quando puder cravar um garfo com facilidade na perna da galinha, a fase da fritura estará pronta! E...

Assim, chegou o dia em que me considerei formado. Tinha que cumprir a faze prática. Problema: Furtar o componente principal, a galinha. Prontamente Camotin, sempre o mais corajoso do The Crasies Club, se prontificou a usurpar de sua vizinha, dona Adelina, que tinha um galinheiro de fácil acesso.

No nosso caso a ritualística do roubo, não contemplaria a etapa lúdica de convidar a vítima do furto ao almoço, mas esse, era nosso único meio. Nenhum de nossos pais aceitaria – dedução coletiva - ceder tão precioso elemento de seu galinheiro, para um grupo de moleques, por óbvio!

Chegou o dia! Seria num sábado de Verão e combinamos fazer a farra no meio da ilha do rio Jaguari. O rio, que empresta o nome à cidade, (já o descrevi em outra crônica). O rio faz uma curva de 90 graus dentro do perímetro urbano, onde se formou uma ilha de aproximadamente dois hectares, há décadas. Arborizada com Salsos Chorão e Taquaras.  Assim se formou um bucólico banco de areias brancas com refrescante e farta sombra natural!

Como eu trabalhava até às 12:00hs na loja de cigarros e calçados da Família, os Crasies mais o Jacaré, convidado por ser irmão gêmeo o Camotin, (curioso caso que só acontece na Minha Terra: Ser gêmeo com exatos doze meses de diferença na idade!) pois essa gurizada passou mais cedo na minha casa e recolheu os instrumentos necessários como a panela de ferro, chaleira de ferro, colher de pau, pratos de lata, talheres e a trempe,  levando tudo para a ilha, onde me aguardaram se banhando e nadando na maravilha que é aquela praia de água doce muito limpa..

Ao encerrar meu expediente desci em direção à praia "voando", já com fome e muito ansioso. O combinado é que eu encontraria lá a galinha executada, depenada, carneada e limpa. Em lá chegando, Jacaré corre para me contar que Camotin tinha precipitadamente queimado a  "penosa". Tive um “piti”! Fiquei furioso. Eu tinha razão pois o combinado é que eu faria a galinhada sem intervenção de terceiros!

- Quero ver a galinha queimada que esse filho-da-puta estragou!

- Jogamos no rio, mas já compramos um quilo de carne sem osso. Faz um arroz com carne!

Estava na cara que Camotin tinha “amarelado”! Não executou o furto de sua  responsabilidade. Não teve a coragem  anunciada de se adentrar no galinheiro da vizinha, por dó ou por medo mesmo!  Não houve furto!

- Não Jacaré, de jeito nenhum. Me nego. Como vou espetar o garfo na perna da galinha, se não tem galinha? Vai tomá no cu! Não tem mais galinhada! Acabou! Vamos roubar milho verde da lavoura dos Francos e deu!

- Calma tchê! Se não tem perna de galinha, espeta o garfo num dos pedaços da carne, deixa de ser fresco!

- Não mesmo!

Passados alguns minutos de dúvidas, indecisão, insegurança, veio a  mudança de ideia:

É. Talvez faça algum sentido. Não é a mesma coisa. Mas também - que merda - não tem mais o que fazer né?!

- É. Não. Não tem! Te vira! O fogo deixa que eu faço!

E assim foi feito. Fiz o prato com essa mudança técnica  radical. Creiam-me, foi o melhor “Arroz com Carne”, que fiz na vida! Tornou-se o "Prato Oficial" dos Crasies, para a sorte das galinhas de terreiros alheios e mais adiante dos balcões dos supermercados. Às vezes ainda faço para matar a saudade!

11 comentários:

  1. Marrrrrravilha....era assim mesmo...saudosas lembranças....

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  2. Depois dessa,dezenas de sumiços de penosas,nos galinheiros alheios,inclusive na casa paroq,deixa prá lá.Saudade não tem idade

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  3. Que coisa boaaaaa
    Aquelas serenatas eram memoráveis!!
    E galinha roubada tinha um sabor especial!
    Mas esse arroz de carne salvou o dia pelo visto! Bjossss

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  4. Época maravilhosa!Ficou as boas lembranças! Abraço..

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  5. Saudosas lembranças de igualmente saudosos tempos...Fausto como sempre inspirado e suas narrativas nos remetem ao nosso Jaguari...Dona Adelina Minuzzi era avó materna de minha esposa Bete...

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    1. Eu sei José J.M. Azevedo, felizmente ela foi poupada, graças a indecisão do "responsável pelo ato"!!!

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  6. E hoje, tive a honra de almoçar nao o Arroz com carne mas a verdadeira Arroz com Galinha duc...
    Bela crônica e fantástico o almoço. ..
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  7. Lembranças maravilhosas!! Essas aventuras são uma curtição. Muito bom!!

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  8. Fiquei com vontade de comer um arroz com carne ,em panela de ferro ,na veira do rio.Belas lembranças.

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  9. Ambos os pratos são maravilhosos. Gosto muito das comidas feita pelo Fautinho sorte do casal. Eu não chego perto da qualidade das comidas dele.

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