58) Galinhada ou Arroz com Galinha?
Antes, esclareço a composição comercial de proteínas na cidade na década de sessenta: - Não havia supermercado, armazém, bolicho, boteco ou qualquer açougue aberto aos domingos. Eram religiosamente fechados. Foquemos o açougue: - Tínhamos carne no cardápio caseiro para toda semana e no domingo galinha e essa, não era vendida em açougue. Por essa razão, todo Lar tinha que cultivar seu próprio galinheiro para essa “emergência semanal”. Confesso que imaginava ser a galinha algo muito especial, talvez muito caro! Nos galinheiros mais sofisticados, como da minha casa, havia galinha poedeira e a de corte, isso significa que ovos também eram de cultivo doméstico, raramente se encontrava no mercado.
Pois
aquela “trupe seresteira” , frequentemente
organizava suas serenatas, onde o músico e mais uns três etilicamente bem
motivados faziam o show musical! Cantavam, gritavam até bem afinados, se é que
se pode ter gritaria afinada! Enquanto isso, outros dois ou três invadiam a
casa pelos fundos ao afortunado galinheiro e dali surrupiavam duas, três
penosas, dependendo se seu porte, seu peso. Um dos larápios tinha que ser
obrigatoriamente um bom cozinheiro, que com sua habilidade culinária
selecionava as peças a serem escolhidas para a galinhada do dia seguinte ao meio dia, que sempre era um domingo.
O melhor de tudo, é que o dono das galinhas furtadas era sempre o "Convidado de Honra" a tal galinhada. Lá então lhe era revelado seu involuntário patrocínio e o almoço se convertia numa grande e alegre festa familiar!
Confesso que ao entrar na minha puberdade, tinha meu grupo especial de amigos, auto denominado “The Crasies Club”, (Décio, Cauby, Eu, Dirceo, Fernando e L. Emílio) que passados quase sessenta anos, os remanescentes ainda se encontram para reviver a fraternidade e alegria de então. Minha confissão agora, é da inveja daqueles conterrâneos mais maduros e suas serenatas. Tristemente, nesses meus contemporâneos não existia um sequer com habilidade musical! Mas a vontade de fazer galinhada em locais rústicos, era independente e muito forte.
Colocado em Assembleia, decidimos que uma galinhada tinha que acontecer, merecíamos
- Frite, cuidando a coloração de cada peça e quando puder cravar um garfo com facilidade na perna da galinha, a fase da fritura estará pronta! E...
Assim,
chegou o dia em que me considerei formado. Tinha que cumprir a faze prática. Problema: Furtar o componente principal, a galinha. Prontamente Camotin, sempre o mais
corajoso do The Crasies Club, se prontificou a usurpar de sua vizinha, dona
Adelina, que tinha um galinheiro de fácil acesso.
No nosso caso a ritualística do roubo, não contemplaria a etapa lúdica de convidar a vítima do furto ao almoço, mas esse, era nosso único meio. Nenhum de nossos pais aceitaria – dedução coletiva - ceder tão precioso elemento de seu galinheiro, para um grupo de moleques, por óbvio!
Chegou o dia! Seria num sábado de Verão e combinamos fazer a farra no meio da ilha do rio Jaguari. O rio, que empresta o nome à cidade, (já o descrevi em outra crônica). O rio faz uma curva de 90 graus dentro do perímetro urbano, onde se formou uma ilha de aproximadamente dois hectares, há décadas. Arborizada com Salsos Chorão e Taquaras. Assim se formou um bucólico banco de areias brancas com refrescante e farta sombra natural!
Como
eu trabalhava até às 12:00hs na loja de cigarros e calçados da Família, os Crasies mais o Jacaré, convidado por ser irmão
gêmeo o Camotin, (curioso caso que só acontece na Minha Terra: Ser gêmeo com
exatos doze meses de diferença na idade!) pois essa gurizada passou mais cedo na minha casa
e recolheu os instrumentos necessários como a panela de ferro, chaleira de ferro, colher de pau, pratos de lata,
talheres e a trempe, levando tudo para a ilha, onde me aguardaram se banhando e nadando na maravilha que é aquela praia de água doce muito limpa..
Ao encerrar meu expediente desci em direção à praia "voando", já com fome e muito ansioso. O combinado é que eu encontraria lá a galinha executada, depenada, carneada e limpa. Em lá chegando, Jacaré corre para me contar que Camotin tinha precipitadamente queimado a "penosa". Tive um “piti”! Fiquei furioso. Eu tinha razão pois o combinado é que eu faria a galinhada sem intervenção de terceiros!
- Quero ver a galinha queimada que esse filho-da-puta estragou!
- Jogamos no rio, mas já compramos um quilo de carne sem osso. Faz um arroz com carne!
Estava na cara que Camotin tinha “amarelado”! Não executou o furto de sua responsabilidade. Não teve a coragem anunciada de se adentrar no galinheiro da vizinha, por dó ou por medo mesmo! Não houve furto!
- Não Jacaré, de jeito nenhum. Me nego. Como vou espetar o garfo na perna da galinha, se não tem galinha? Vai tomá no cu! Não tem mais galinhada! Acabou! Vamos roubar milho verde da lavoura dos Francos e deu!
- Calma tchê! Se não tem perna de galinha, espeta o garfo num dos pedaços da carne, deixa de ser fresco!
- Não mesmo!
Passados alguns minutos de dúvidas, indecisão, insegurança, veio a mudança de ideia:
É. Talvez faça algum sentido. Não é a mesma coisa. Mas também - que merda - não tem mais o que fazer né?!
- É. Não. Não tem! Te vira! O fogo deixa que eu faço!
E assim foi feito. Fiz o prato com essa mudança técnica radical. Creiam-me, foi o melhor “Arroz com Carne”, que fiz na vida! Tornou-se o "Prato Oficial" dos Crasies, para a sorte das galinhas de terreiros alheios e mais adiante dos balcões dos supermercados. Às vezes ainda faço para matar a saudade!
Marrrrrravilha....era assim mesmo...saudosas lembranças....
ResponderExcluirDepois dessa,dezenas de sumiços de penosas,nos galinheiros alheios,inclusive na casa paroq,deixa prá lá.Saudade não tem idade
ResponderExcluirMuito boa! Kkk
ResponderExcluirQue coisa boaaaaa
ResponderExcluirAquelas serenatas eram memoráveis!!
E galinha roubada tinha um sabor especial!
Mas esse arroz de carne salvou o dia pelo visto! Bjossss
Época maravilhosa!Ficou as boas lembranças! Abraço..
ResponderExcluirSaudosas lembranças de igualmente saudosos tempos...Fausto como sempre inspirado e suas narrativas nos remetem ao nosso Jaguari...Dona Adelina Minuzzi era avó materna de minha esposa Bete...
ResponderExcluirEu sei José J.M. Azevedo, felizmente ela foi poupada, graças a indecisão do "responsável pelo ato"!!!
ExcluirE hoje, tive a honra de almoçar nao o Arroz com carne mas a verdadeira Arroz com Galinha duc...
ResponderExcluirBela crônica e fantástico o almoço. ..
Vídeo
Lembranças maravilhosas!! Essas aventuras são uma curtição. Muito bom!!
ResponderExcluirFiquei com vontade de comer um arroz com carne ,em panela de ferro ,na veira do rio.Belas lembranças.
ResponderExcluirAmbos os pratos são maravilhosos. Gosto muito das comidas feita pelo Fautinho sorte do casal. Eu não chego perto da qualidade das comidas dele.
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