quarta-feira, 8 de setembro de 2021

70) O Envolvente e Complicado Serviço Militar!

A imprensa dos dias atuais toma a Liberdade – e ela tem direito suficiente para isso – de criticar ações Militares pelo Mundo afora. Seja no conflito que hoje eclode no Afeganistão até a provável participação política no Brasil. Nas Grandes Guerras Mundiais em seu rescaldo, Países sempre serão castigados por anos, aquele que foi derrotado, passa a ser o “bandido” da História e o vencedor o “mocinho”! Sempre foi assim e continuará sendo, gostemos ou não.

Cumpri meu Serviço Militar Obrigatório em 1967, no Quarto Regimento de Cavalaria de Santiago-RS, o Quarto RC, precisamente no período em que nossa Nação era governada por Militares, que uns chamam de Ditadura Militar. Muda o título apenas por questão de escolha que não cabe aqui discutir.

Enquanto fardado, vi claramente aos olhos do povo, o respeito, talvez o medo estampado em seus olhos.

Talvez pela idade, lembro com muita saudade daquele ano em que mais fiz trabalhos forçados, sofri as agruras de ter sob a cabeça um superior extremamente exigente e forte, entretanto foi o ano que mais ri e me diverti em toda Vida. Todo lado negativo, era amplamente superado pelo prazer do companheirismo, solidariedade, parceria, disciplina e socorro mútuo. Só vivi algo assemelhado no para-quedismo!

Incorporei como Soldado Raso e me dedicando um pouco, promovido a Cabo do Exército e aí minha vida na Caserna mudou bastante. “Hábil em datilografia”, fui trabalhar como Auxiliar do Sargenteante, o Segundo Sargento Gibelino Minuzzi. Militar sério, concentrado que nunca sorrir. “Aquele respeito” misturado com medo, se fazia presente. Mas meu trabalho, enquanto os demais faziam tarefas pesadas no campo com lides junto aos cavalos, eu estava sentado num escritório limpo e bem asseado! Que coisa boa!

Havia um certo “status” dos praças que não pernoitavam nos alojamentos. Morar em qualquer “muquiço” fora dali, dava um ar de superioridade mesmo que fosse por período bem curto!

O Cabo Carrillo me convidou a “pousar” uns dias na casa de dois Sargentos nossos conterrâneos e amigos (Celito e Itâner), ausentes por alguns dias! Isso era a glória! Claro que aceitei pelas razões já exposta, além do mais, lá havia "até" geladeira com cozinha completa etc! Um sonho!

A lembrar tempos anteriores das aventuras em Jaguari, com nosso “The Crasies Club”, clube restrito a seis amigos, ativo até hoje, que toda vez que fazíamos incursões às matas e ao rio, quem pilotava panela era eu. Aquela “bóia” invariavelmente composta de “arroz com qualquer coisa!” Época de fartura tinha arroz com galinha, desde que a penosa fosse resultante de furto! Galinha roubada sempre teve sabor especial, como nós já escrevemos aqui nesse blog,  mesmo que o delito fosse contra ao pai de algum dos participantes!

O comum, para justificar o fogo de chão, ainda que fosse no fundo do pátio da minha própria casa, era o arroz com salsichas, de lata.

Não imaginam o sabor desse prato "tão sofisticado". Talvez o cheiro da fumaça das lenhas recolhidas no mato com que se fazia o fogo, ou o prazer de fazer seu próprio jantar, tornava cada evento tão simples, numa delícia, um ágape de rara comparação!

Voltemos a Santiago na casa que nos acolheu graciosamente. Uma noite, olhando as reservas da dispensa, “achei” uma lata de almôndegas. Ora, aqui também se aplica o conceito de arroz com qualquer coisa... Pois fiz o tal de arroz com almôndegas e ficou excelente. Fartamo-nos com um jantar, definitivamente muito superior ao que teríamos no rancho do quartel!

Naquela noite em meio ao sono profundo, acordei abruptamente com algo no interior dos intestinos, disparado como se eu tivesse jantado um ensopado de lâminas de barbear! Talvez uma sopa de alfinetes! Corrida ao banheiro cuja descrição, me dou o direito a omitir... E assim foi o resto da madrugada, por incontáveis vezes!

Ao despertar na manhã seguinte para voltar ao Quartel, eu era um Soldado abatido, aniquilado, apenas meio vivo. Chamei o colega:

- Carrillo, diga ao Sargento Gibelino, que estou mal. Vou atrasar ao expediente!

- Má tu tá louco tchê! Te alevanta e vamo embora! Dêxa de sê preguiçoso!

- Não "Cabo Véio," impossível! Não estou em condições. Essa noite eu tive que...

Discorrida com a fiel descrição da "noitada sanitária", Carrillo se foi adiante... Lá pela metade da manhã me senti recuperado, me fardei e fui para o Quartel. Na caminhada até lá, meus pensamentos me consumiam por chegar tão tarde, que até então, jamais tinha ocorrido um minuto de atraso. Eu era “Caxias” – termo usado na Caserna a definir um Militar exemplar! – sinceramente temia alguma punição, dado a postura sempre severa do meu chefe. Mas não tinha mais o que fazer. Eu já estava condenado! No mínimo vou levar uma baita “mijada”! Se escapar de alguma punição oficial e severa, já estou no lucro

Cheguei na sua sala e ele sequer levantou seus olhos, apenas um rápido olhar sobre seus óculos e continuou escrevendo algo sem me dar a mínima. Tomei “Posição de Sentido”, respeitosa continência e me apresentei com todo vigor:

- Cabo 614 se apresentando senhor!

- Cagou?

- Caguei, sim senhor!

- Então senta aí que tua mesa tá cheia de expediente te esperando!

Suspirei fundo e feliz – acho que até ruidosamente – foi quando ele levantou o olhar e deu um largo e raro sorriso, que eu nunca tinha visto, e retomei meu trabalho sem voltar ao banheiro naquela manhã!

Cuidado ao fazer "arroz com qualquer coisa!" Pode dar errado!

6 comentários:

  1. Até isso,requer saudades daqueles tempos bons da caserna.

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  2. Só quem esteve em uma caserna,seja aqui no Brasil ou em qualquer lugardo mundo, sabe o que é a camaradagem que se tem pelo resto da vida com os companheiros. Quanto mais dura a instrução e a missão mais forte a união e o "SPRIT DE CORPS"! Só qu esteve lá.

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  3. Gde história alemao!!! Tá ficando bão nas narrativas. Parabéns.

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  4. Sempre nos divertindo muito com teus contos.Parabens!

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  5. Como sempre mais uma bela história. Tens o poder de transportar o leitor para o fato, imaginando tudo nos mínimos detalhes. Parabéns
    Grande abraço!

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  6. Como sempre suas histórias são ótimas! Realmente o exército ensina muito sobre disciplina, respeito, é um treinamento importante para o homem. É doido mas faz vc amadurecer.

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