quarta-feira, 26 de agosto de 2020

17) Bota mecânico bem bom!

17) Bota mecânico bem bom!                                                                 

Meus caros leitores,

Enquanto tive a felicidade de ter meus Pais vivos, uma ida a Jaguari a cada 40 dias, pelo menos, era compulsória. Extremamente divertido e até hoje me cobro por não ter feito muito mais vezes, com frequência bem menor, porque aquilo é que era a Felicidade da Juventude! O abraço de boas vindas da Dona Olga, minha mãe, valia a viagem de 440 km por mais árdua que fosse...

Nessa crônica relato exatamente o que era o pós dessa “árdua viagem”, pois na sexta-feira era terminar a faculdade e sair "voando" com qualquer tempo, temperatura e pressão. Por muitos anos o trecho final, de Santa Maria até lá, era estrada de chão e má conservação. Os piores 110 km de toda viagem. Quando chovia, era o caos.

Então, chegar ao destino final, em casa, o protocolo exigia que no dia seguinte tinha algum reparo ou manutenção a se fazer no veículo. Pois bem, vamos ao fato: 



17) Bota mecânico bem bom!                                                                 

Nessa época da faculdade, eu tinha um Chavete preto, talas largas, direção esporte buzina italiana Fiam e outros pendurucalhos mais. Numa dessas sextas-feiras após a aula, em companhia do Nandinho - meu amigo e colega de aula e de moradia - fomos a Jaguari visitar nossos Velhos Pais! No sábado, já na Cidade, fui verificar uma avaria qualquer no carro e procurei mecânico. Recomendaram-me o "Seu Ly"!

 A oficina era um galpão de madeira, meio inclinado para o lado pela ação do vento, telhado de zinco, piso de chão batido de reconhecível e clara decadência. Melhor: Estou sendo condescendente: - Era um galpão velho, podre, fedendo a fumaça e mijo, caindo aos pedaços que qualquer vivente da Etiópia, recusaria aproximação. Pronto: Desabafei, falei tudo e falei a verdade!

Cheguei no tal decrépito galpão e para ser simpático, bem-educado dei logo um sonoro e entusiasmado:

- Bom dia! 

Nenhuma resposta audível. Seu Ly estava deitado debaixo de um carro trabalhando, alguns segundos depois, me olhou, com olhar que parecia ter me tirado do interior de seu próprio nariz, acenou com a cabeça como quem quer diz sim. Nada além disso. Nenhuma palavra. Mudo. Fiquei ali plantado esperando feito um babaca. Não tinha escolha, tinha que esperar. Talvez eu tenha sentido naquele momento um excesso de zelo comigo mesmo, ou até mesmo soberba, afinal de contas se eu quisesse atendimento cordial deveria procurar uma joalheria, hospital de freiras ou uma "conversar doce" com algum costureiro, porque macho que é macho, tem que ser grosso, estúpido! Macho Raiz não masca chiclete, mastiga parafusos!

No mesmo local havia um senhor com seus setenta e poucos anos, fazendo nada, certamente não tinha o que fazer mesmo. Estava em pé provavelmente aguardando alguma coisa mas com chimarrão na mão. Fazia um frio danado e ele vestia apenas uma camisa fininha de mangas curtas, bombacha com os botões da canela abertos, alpargatas molhadas, guiaca na cintura, mão no bolso e encolhido feito uma mulita. Acho que percebeu que seu Ly não me deu a mínima ou ficou com pena de mim e se aproximou puxando conversa:

 - Buenas”!

 - Buenas!?

Falou do tempo e da chuva. Não dei muita atenção, como já estava incomodado reconheço que também fui um pouco indelicado! Percebendo que seu assunto não me atraia, resolveu falar algo que poderia me interessar, isto é, falar de mecânica, ou DO mecânico no caso,  fazer propaganda daquela múmia de profissional, aquela plasta que estava ali sob o carro. Mandou conversa, ou como ele mesmo diria, “assuntou”:

 - Conhece o seu Ly?

 - Não. Só quero que ele veja para mim o...

 - Mas bota mecânico bem bom este Seu Ly!

 - Hummm. Pois eu só preciso que ele...

Dessa vez ele fez um sinal com uma mão para eu escutar, puxou um banco e me fez um sinal com o queixo, que entendi que era para eu me sentar, puxou outro banco, se sentou à minha frente, pigarreou e prosseguiu altivo e convicto:

 - Pues não é que diza-hoje eu tava com a minha Rural Willys que não puxava nada! O motor até faiava na subida que eu tinha que metê-lhe uma premera e saí sortando fumaça! Pues trouxe aqui notro dia e ele me trocou a bateria e eu fui a Santiago e voltei e não furei nenhum pneu!!!

Ficou me olhando esperando algum sinal de entusiasmo, que não dei. Aguardei alguma conclusão mais inteligível, que não veio. Como não entendi nada e tinha falado menos ainda, foi fácil mergulhar no silêncio. Dei um sinal com a cabeça "dizendo" sim e a conversa terminou aí mesmo.

Na sequência e por óbvio, cancelei a ideia de ser atendido ali. Levantei de mansinho e saí de fininho. Entendi que aquele local era "exotérico" demais para minha inteligência e fui embora! Desde aquele dia reflito, reviso meus conhecimentos e conceitos de mecânica para entender o que aquele gênio dissera mas não cheguei a nenhuma conclusão. Aquela conversa fazia sentido ou não! Ou eu não conheço nada de mecânica mesmo! É. Certamente não. Bateria e pneu devem ter uma conexão secreta e inimaginável...


Apenas como referência geográfica: Santiago fica apenas há quarenta e seis quilômetros de Jaguari, talvez para uma Rural Willys, seja uma grande viagem!




Porto Alegre, 27 de agosto de 2020.

10 comentários:

  1. Era assim,hehe.Tempos bons,e de saudades.

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  2. Kkkk! Tudo isso fez parte,saudades daquela época!

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  3. Que conversa bizarra, muito louco! Fez bem em sair de fininho!

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  4. Não conheci esse homem gentil "sr Ly". Acredito não ser Jaguariense legítimo. Grandes emoções a tua juventude.

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  5. Kkkkkkk não tive o prazer de conhecer esse mecânico tão gentil kkkkkkk 😂

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    1. Luiz Felipe, conheces sim, só que para preservar nomes verdadeiros e eventualmente evitar uma "ação", fiz uma certa maquiagem em seu nome... Heheheh...

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  6. Cada uma que não da para acreditar kkk

    Tida

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  7. Bateria e Pneu tudo se completa, então na próxima viagem, fica a dica, não esqueça de olhar a água do Pneu. Kkkkkkk

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  8. Depois dessa você aprendeu mecânica?

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